quarta-feira, 31 de agosto de 2011

VISÃO EMPRESARIAL de Marcus Di Bello

TEMA: BOATE GAY

(CLIENTE sentado num banco estilo de balcão de boate. Com os dedos das mãos entrelaçados vai dando vazão ao seu transtorno obsessivo compulsivo. Olha o relógio. Inquieto. O PUBLICITÁRIO chega)

PUBLICITÁRIO
Boa tarde, desculpa o atraso.

CLIENTE
Não tem problema, por favor, sente-se.

PUBLICITÁRIO
(Sentando)
Foi uma briga achar lugar para estacionar. O seu estabelecimento é bem localizado, mas é difícil encontrar vaga para o carro.

CLIENTE
Acha que isso deve ser colocado na propaganda?

PUBLICITÁRIO
Desculpa?
(Entendendo)
Não, não, claro que não. Foi apenas um comentário meu. A campanha que vamos tentar traçar não tem nada a ver com isso. Foi só um comentário mesmo, me desculpa.

CLIENTE
Está certo.

PUBLICITÁRIO
Bom, vamos direto ao assunto. Eu analisei o briefing.

CLIENTE
Analisou o quê?

PUBLICITÁRIO
Desculpa, mania da profissão. Eu analisei as informações que você me deu.
(Olhando papéis)
Você tem uma boa boate. Vejo agora, inclusive, que é muito bonita por dentro. Uma boa decoração. Lugar privilegiado. Preços de acordo com a média. Um bom atendimento, segundo as informações que constam aqui no briefing. No entanto, o público é sempre abaixo do esperado, certo?

CLIENTE
É isso mesmo.

PUBLICITÁRIO
E pelo o que está escrito aqui você quer transformar o espaço numa boate gay.

CLIENTE
Isso.

PUBLICITÁRIO
Agora, corrija-me se eu estiver errado. Pode ser que você tenha se confundido na hora de escrever. Pelo o que está aqui, você quer proibir os gays de entrarem.

CLIENTE
Não é bem proibir a palavra. Foi isso que eu mandei para o senhor? Quando eu digo proibir eu quero dizer analisar bem a pessoa e não deixar que ela entre na boate caso seja homossexual.

PUBLICITÁRIO
Então. Proibir.

CLIENTE
Não, não é bem isso. Você não entendeu o que eu quero.

PUBLICITÁRIO
Eu entendi o que você quer. Você quer uma boate gay sem gay.

CLIENTE
(Pensando)
É quase isso.

PUBLICITÁRIO
Olha, eu acho que é um pouco difícil pensar numa ação publicitária desse jeito. Uma boate gay, por incrível que pareça, só é gay porque é frequentada por gays. Simples questão de lógica.

CLIENTE
Então, eu não quero isso. Olha, descendo a rua, perto do posto de gasolina, tem uma boate gay que enche todo final de semana. E ela não tem nada de especial. A minha é até melhor. Não que eu tenha ido lá para conferir isso. Bom, eu tenho certeza que isso se dá pelo fato de que a boate é gay. Então quero que a minha também seja, mas apenas para aumentar o público, não para que os gays venham. Você entende?

PUBLICITÁRIO
Como você quer uma boate gay sem gays?

CLIENTE
Eu quero uma bela ação publicitária em cima disso. Eu quero que as pessoas frequentem a minha boate gay, mas eu não quero gays aqui dentro. Acho que estou sendo bem claro.

PUBLICITÁRIO
Eu só não vejo um sentido para isso.

CLIENTE
É o seguinte. Boates gays dão lucro. Eu quero lucro. Mas eu não sou gay, não quero ter um espaço frequentado por gays.

PUBLICITÁRIO
Mas quer uma boate gay.

CLIENTE
Quero uma boate gay.

PUBLICITÁRIO
Sem gay!

CLIENTE
É, sem eles! Eu posso até colocar Abba ou Lady Gaga em determinado momento, a galera adora essas coisas. De repente posso até pensar numa decoração mais colorida, nuns fru-frus caindo do teto. Até os seguranças podem se vestir tipo clube das mulheres, sabe? Para dar um aspecto de boate gay. E dançarinos, posso colocar dançarinos fazendo danças gays. Posso pensar em drinks-gays, sei lá, eu posso adequar o meu espaço a essa nova realidade. Mas eu não quero que entre gay aqui, entende? Teremos uma marcação forte na porta. Ficou excitado com a foto do Reinaldo Gianecchini, não entra. Faremos um questionário perguntando sobre as últimas capas da playboy. Aquele que não souber quem seriam, hoje, os classificados para a Libertadores da América, nós vamos botar para correr. Não estou proibindo, apenas estou protegendo o meu espaço. Quer dizer, o espaço que está no meu nome, porque pega mal falar que as pessoas entram no meu espaço. Eu só quero um lugar gay para chamar público, entendeu? Eu não sou gay. O mundo gay está na moda e é só por isso que a boate vai virar gay, mas eu não quero gay, você está entendendo? Eu não sigo a moda de ser gay porque é moda, porque eu não sou gay e odeio moda, eu nem penteio o cabelo se você quer saber. Moda é a última palavra do meu dicionário, depois de ser-gay. Essas são as duas últimas palavras do meu dicionário. Só penso no lucro, é isso, e o espaço ficará na moda, não eu. Eu vou continuar não estando na moda, ou seja, não sendo gay. Sou antiquado, isso que eu sou. A boate vira gay, até porque é a boate e não o boate. Entende a minha visão empresarial? Eu só quero que a boate ganhe dinheiro, ou seja, eu vou ganhar dinheiro também, mas porque a boate é gay, não eu. E por isso não quero gay, nada contra, respeito, mas eu sou totalmente não a favor. Eu acho que eu me compliquei um pouco explicando, mas é isso que eu quero. Ou melhor, é isso que eu não quero. Não quero o povo gay na minha boate, porque eu não sou.

PUBLICITÁRIO
Mas como você quer uma boate gay se não vai deixar o público-alvo entrar?

CLIENTE
Espera aí, eu sou cem por cento heterossexual e inteiramente não-gay, mas não significa que eles sejam alvos de alguma coisa. Isso é preconceito da sua parte, não precisa disso. Podemos resolver sem agressão, está bem? Não fala mais em alvo, por favor. Vamos focar na minha boate gay para não-gays?

(Continua falando enquanto a luz apaga aos poucos)

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

PESSOAS de Betinho Neto

Saudade é uma porção de coisas em uma palavra. Saudades é plural. Estar em estado de saudade é estar em plena atitude com você mesmo e quando você se pega em saudades, tem uma dor que corta fundo, sangra e machuca. Essa saudade fio de corte, saudade marcada.

Hoje eu tenho saudades das pessoas, saudade da carne. Saudades carnal, é isso! Saudades de olhar nos olhos, saudades de tocar,saudade de quem se gosta, saudades do que mudaram, saudade de acreditar. Minhas saudades são convictas, são saudades do novo, um novo que não existe, mas eu não desisto, um dia aparecerá! Assim, acredito que um dia qualquer vai haver uma desmistificação do que é viver hoje e eu vou voltar a sentir saudades de quem novo eu conhecer. Aquela saudade de viver uma vida inteira para se entender alguém e não conseguir, saudades daquelas altas gargalhadas, dos gritos, do mau humor alheio e do olhar, o olhar que entrega tudo, é dessa saudade que eu estou falando, essa saudade carnal.

Sabe aquela saudade de compartilhar trinta minutos inesquecíveis com alguém, esses trinta minutos que vão ser uma vida, uma história, uma confissão, uma amizade e um começo? Sabe por quê? Por que assim tudo será infinito dentro de mim e de tantos outros que se compartilhar, boca a boca, tudo será infinito, nossas vidas infinitas e todos nós infinitos até dar saudade. Deu saudade, saudade das pessoas, é... Saudades das pessoas.

Saudade palavra triste quando se perde um grande amor... Saudade palavra triste quando se perde todas as pessoas do mundo, mas eu vou continuar acreditando, acreditando por que uma hora a gente acerta e se não acertar... Não tem problema não, a vida não para, o relógio continua e a sua imagem no espelho muda. E no fim do que você vai ter saudades? De trinta minutos vazios que você passou ou de todos os momentos sublimes que você se entregou a viver?

É saudades. Saudade do presente, saudade de você, saudade de mim.

* A cada despedida que eu, Betinho, tenho dos meus amigos , seja saindo de uma balada ou voltando de um bar ao chegar em casa já tenho saudades e cada segundo compartilhado é a nossa vitoria sobre toda essa coisa ruim que vivemos. Obrigado meu senhor, por colocar em minha vida pessoas que eu amo tanto e sinto tanta saudades, saudades de minutos ou de anos, todas doem iguais. Obrigado meus amigos.

SAUDADE de Marcus Di Bello

TEMA: SAUDADE

(Andrey e Fábio sentados numa mesa de restaurante. Bem vestidos. Bebem vinho. Andrey está com olhar perdido, como se divagasse sozinho. Fábio chega a dar três goles de vinho antes de Andrey suspirar)

ANDREY
Saudade.

FÁBIO
De quê?

ANDREY
Dos anos oitenta.

FÁBIO
É. Foi bom.

ANDREY
Foi mais que bom. Foi do caralho.

FÁBIO
Foi do caralho mesmo.

ANDREY
Teve o primeiro Rock in Rio. Lembra?

FÁBIO
Lembro. O Queen tocou. Eu adorava o Queen. Tinha todos os discos.

ANDREY
Que saudade.

FÁBIO
As bandas nacionais eram boas também. RPM, Barão Vermelho, Titãs.

ANDREY
Titãs era bom. Lembra do Kid Abelha?

FÁBIO
Lembro.

ANDREY
Eu gostaria que eles tivessem outro nome. Sabe, eu sempre tive preconceito de ouvir. Uma banda que tem abelha no nome não conquista muitos fãs. Mas eles eram bons.

FÁBIO
Eram bons mesmo. Que saudade dessa época.

ANDREY
Saudade mesmo. Era muito mais tranqüilo viver naquela época.

FÁBIO
Que época boa.

ANDREY
Não existiam tantos picaretas na política.

FÁBIO
Não existiam mesmo.

ANDREY
As pessoas eram melhores.

FÁBIO
Saudade.

ANDREY
Elas te cumprimentavam na rua, assim, sem mais nem menos. Falavam que a porta do seu carro estava aberta. Ofereciam-se para cuidar do seu jardim.

FÁBIO
Naquela época as pessoas não saiam por aí fazendo besteira. Eram todos bem mais educados. Sempre convidavam para um jantar em casa.

ANDREY
Naquela época jantar fora era tão seguro quanto jantar em casa.

FÁBIO
Naquela época os restaurantes tinham um atendimento melhor. Diferente desse que nós estamos.

ANDREY
Não, não exagera, esse aqui é bom. Mas naquela época era melhor mesmo. Naquela época não tinha nem assalto.

FÁBIO
É verdade, não tinha mesmo. Que saudade.

ANDREY
Muita saudade.
(Tempo)

FÁBIO
Vamos?

ANDREY
Já?

FÁBIO
Agora.

ANDREY
Está bem.
(Terminam de beber o vinho. Andrey e Fábio levantam. Eles tiram um revolver do bolso do paletó)

FÁBIO
Atenção, isso é um assalto!

ANDREY
Ninguém se mexe! Garçom, abre o caixa!

(Blackout)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

NEUSA DE ALGUM LUGAR de Kadu Veríssimo

Personagem

Neusa

(tema: Saudade)

(casa antiga, paredes descascadas, velhas cadeiras, talvez uma lamparina e um velho tapete empoeirado ao centro)

Neusa

Eu toda vez que entro nessa casa sinto uma emoção tão forte...é ...forte demais, pois foi aqui nessa casa em que vive os melhores e os piores momentos de minha vida, lembro tanto de minha mãe...

(senta emcionada no centro do palco, a cena adquire uma luz âmbar)

De minha mãe eu lembro bem dos olhos, aquele olhão bem do arregalado, eu num pudia faze nada de errado que ela tava lá, atrás de mim cum aquele olhão de cobra

(ri e bate na perna, uma velha mania)

de meu pai não tenho muita lembrança não, ele fugiu com outra mulher, eu era pequena, minha mãe só lembrava dele pra xingar, "aquele corno desgraçado, fio de uma puta"...eu tenho um retratinho, acho que era um dos únicos que tinha na minha casa dele, o resto minha mãe rasgou só sobrou esse porque eu guardei...

(olha o retrato)

ele era bonito, fugiu com uma mulher que tinha o mesmo nome que eu Neusa, minha mãe queria trocar meu nome, que era só me chamar que ela já ficava ardida de ódio, queria colocar o de sua vó, Setembrina, mas graças ao padinho Ciço que não conseguiu, ela num tinha instrução , e acho que naquela época nem podia trocar de nome né?
Mas é tanta lembrança...

(pega uma maçã, descasca)

ia pra escola  pra comer, porque com tanta fome não conseguia guardar o que a professora falava, então enchia a barriga de água, era um conselho da minha vó," ta com fome, bebe água"...um dia depois de tanto encher a barriga de água, quando estava voltando pra casa vi uma menina com uma maçã na mão,  sempre tive o desejo de comer maçã, mas até então nunca tinha comido, apenas senti o cheiro uma vez na venda que tinha no centro da cidade, e desde então morria de vontade de comer...

(vai descascando a maça e comendo, segurando as cascas e falando o texto)

 fiquei espiando aquela menina estranha se deliciando com aquela maçã, e a menina foi comendo, comendo, fui espiando...até que a menina foi até a bica de água, e jogou as cascas da maçã, e saiu correndo pra brincar, devagar vendo se não havia ninguém espiando tentava chegar perto daquelas cascas, mas sempre chegava alguem pra atrapalhar, mas nao arredei o pé dali, e depois de umas horas, ja tava sozinha, fui correndo naquela bica, peguei aquelas cascas de maçã que ja tava tudo escuro, com uns mosquitinho e levei  rapidamente  a boca...

(come as cascas que estava em sua mão)

humm, que gosto maravilhoso tinha aquela maça, foi a coisa mais gostosa que já comi na vida,mas da minha juventude eu tenho uma lembrança até engraçada, lá de onde vim a gente casava era de dia, fazia um almoço grandão num sabe, pra todo mundo pode comer a vontade, e a festança ia até a noite, com muito forró pra todo mundo dança até o amanhecer...

(musica)
Eu casei devia ter se me alembro direito uns 13,14 anos, meu 1° marido tinha seus 48,49, era o Marizo,ele não gostava desse nome, tinha uma irmã chamada Mariza, e ele era o Marizo

(ri)

Ele era bom pra mim sabe,mas num foi sempre assim não, eu odiava ele no começo, quando soube que ia casa com ele eu quis morre, ele foi lá fala com meus pais pra mó de pedi a autorização pro casamento, eles deram e nem falaram comigo, vi Marizo naquele dia, e dezoito dias depois no dia de meu casamento, ele foi paciente cumigo, na nossa lua de mel, eu chorava feito bicho, ele nem buliu cumigo, esperô,esperô....

(tempo)

Foi paciente o bichinho, mas eu fiquei tão comovida com a atitude dele que no outro dia deixei ele me faze um carinho, tava até gostoso quando ele mexia no meu cabelo, me fazia um cafuné danado de bom, mas quando pos a mão debaixo do meu vestido...

(reproduz a cena)
 
...santo deus, dei um pulo e chorei, chorei, e ele se aquietou , mais deu uns quatro dia, o homem tava que não se agüentava, tava percebendo que ele tava ficando bravo, até que um dia ele bebeu um pouquinho a mais e me pegou de força, rasgou minha roupa, mas eu fiquei tão assustada que nem consegui chorar, e  ele me deixou assim...é...assim...pelada...e ficou olhando pra mim, com aquele olho de gente safada...disse que eu era linda, que ele me amava e que eu era a mulher da vida dele...mais ai eu num guentei , pulei pro pescoço dele e beijei ele todinho, se me alembro de tudo que fizemo naquele noite até coro de vergonha, mas olha...foi danado de bom.... ê saudade boa é aquela que dói....

(musica cresce)

quinta-feira, 18 de agosto de 2011


(Luiza sentada numa poltrona. Fica alguns segundos olhando para o horizonte, pensando. Num instante está com o telefone em mãos, discando)

LUIZA
Alô, quem fala? Ô Betinho, querido, como vai essa força?
(Faz careta)
Eu estou ótima. Desculpa o horário que ‘tô ligando, é que esperei a novela terminar. Liguei para te parabenizar, ou melhor, para desejar um feliz aniversário para você, porque acho ridículo dar parabéns a uma pessoa no dia do aniversário dela. Parabéns por quê? Por ter sobrevivido mais um ano? Sou só eu que não entende a razão de se dar parabéns? Se a pessoa vence uma prova de resistência do Big Brother eu até entendo o parabéns, mas qual é o mérito em fazer aniversário? Na verdade nem o Feliz Aniversário eu entendo muito bem. Quer dizer, o aniversário só vai ser bom se for feliz? Existem tantos outros adjetivos bons. Tesudo. ‘Tá aí um ótimo! Tesudo aniversário. Crocante. Outro bom adjetivo. Então um tesudo e crocante aniversário para você.
(Escuta)
Desculpa Betinho, eu sei que passou da meia noite e não é mais o seu aniversário, mas eu tenho culpa se a Globo faz um novela que começa às onze da noite? Eu sei que é desculpa para colocar cena de sexo e falar palavrão, mas eles foram um pouco drásticos. O que eu posso fazer, sou vidrada em novela! Agora que está passando o jornal eu posso te ligar, porque se eu espero mais um pouco você só ouviria a minha voz amanhã de manhã, pois não perco um programa do Jô Soares. Eu me identifico com o Jô, porque ele não tem coordenação motora para tocar aquele tamborzinho e eu sou péssima com isso também e pelo tamanho que ele tem ele deve comer mais que a barriga, e eu gosto de comer. Acho que é por isso que assisto ao programa. Mas Betinho, pensa pelo lado bom. Eu lembrei do seu aniversário.
(Escuta)
Não fiz mais que a minha obrigação? Olha aqui Betinho, não é porque eu sou uma personagem criada por você que eu tenho que ouvir essas baixarias suas. Mas está bem, vou perdoar por ser o seu aniversário. Aliás, Betinho, para mostrar que estou de bom humor e provar que você é muito importante na minha vida, que tal vir em casa amanhã?
(Escuta)
Sim, venha para o almoço. Farei um ótimo risoto para nós. Comemoramos o seu aniversário em grande estilo.
(Escuta)
Quanto amor! Então dorme com os anjos, meu bem. Tesudo aniversário! Até amanhã.
(Desliga)
Preciso preparar a panela. Essa semana o Betinho não me escapa. Vou preparar o arroz que amanhã a carne fresca chega! Me deixa, Betinho, que hoje eu não ‘tô boa. A tua carne eu como o mês inteiro.
(Sai)

quarta-feira, 17 de agosto de 2011



Homenagem ao Betinho

MIRIAM: Mas menino o que foi que te deu?
BETINHO: Nada. Cansei de fazer flyer, panfleto, ser designer, atender telefone na Mult Imagem. Quero ficar em casa cozinhando, limpando, passando, enfim cuidando de quem amo.
MIRIAM: Mas criatura você é muito novo pra casar.
BETINHO: Me deixa vai.
MIRIAM: Está bem. Quando vai ser o enlace matrimonial?
BETINHO: Quando eu tiver dinheiro pra festa. Estou pensando em fazer na mostra paralela do FESTA.
MIRIAM: Não me fala em festa que eu fico me tremendo toda.
BETINHO: Deve ser crise de abstinência.
MIRIAM: Me respeita.
BETINHO: Será que se eu filmar meu casamento eu posso inscrever na mostra olhar caiçara do Curta Santos.
MIRIAM: É claro que pode.
BETINHO: Mas eu estou tão sem dinheiro pra produção.
MIRIAM: Produção do que?
BETINHO: Do casamento sua burra.
MIRIAM: Olha o respeito.
BETINHO: Voltando a produção...
MIRIAM: Pode deixar comigo: Eu com um telefone na mão e uns pedaços de pano, monto qualquer produção, imagina um casamento...
BETINHO: Não fala assim.
MIRIAM: Me deixa.
BETINHO: E se mandássemos um projeto pro PROAC?
MIRIAM: É só escrever o projeto e mandar. Manda pra tudo: FACULT, PROAC produção, circulação, LGBT. Tem que inscrever em tudo.
BETINHO: Preciso montar a lista de convidados.
MIRIAM: Não pode esquecer-se das cartas de anuência.
BETINHO: Vou pedir o modelo a Renata Carvalho.
MIRIAM: Ela acabou de escrever um projeto no FACULT e no PROAC.
BETINHO: Ótimo.
MIRIAM: A festa bem que podia ser na abertura do Curta Santos... Fala com o Júnior e com o Ricardo.
BETINHO: Será?
MIRIAM: Claro. Olha a mídia que vai ter criatura e você economiza com as filmagens. Fala com o Júnior, já disse.
BETINHO: Eu vou falar sim, eles não vão negar. Estão me devendo os cachês do Curta Santos três, quatro, cinco e seis.
MIRIAM: Gente, essa divida é com Toninho e não com eles.
BETINHO: Queria tanto o Toninho Dantas como o padrinho do meu casamento.
MIRIAM: Mas ele lá vai está filho. Tu acha que aquele lá perde uma festa.
BETINHO: Queria que ele me visse casar.
MIRIAM: Ele verá, pode ter certeza.
BETINHO: E se fizéssemos algo na abertura do FESCETE também?
MIRIAM: Mas o que?
BETINHO: Sei lá... Qualquer coisa. Um djubi djubi
MIRIAM: Já sei. A gente podia fazer o chá de cozinha...
BETINHO: Tu não é fraca não viu?
MIRIAM: Não sou mesmo. Me dá um telefone que monto uma produção em dois minutos. Sabe aquele cortejo que eles fazem...
BETINHO: Aquele cortejo que parte da cadeia velha?
MIRIAM: Sim.
BETINHO: O cortejo pode sair da cadeia e levar até meu chá de cozinha...
MIRIAM: A gente faz lá no teatro aberto. É só falar com a Talita. O chá de cozinha no teatro aberto é perfeito.
BETINHO: Já estou vendo, só vou ganhar coisinhas de 1,99.
MIRIAM: Tá boa?
BETINHO: Adorei o chá de cozinha na abertura do FESCETE.
MIRIAM: Vai ser tudo.
BETINHO: Tem que falar com a Karla Lacerda e com o Pedro Norato. Vou ligar pra Beth.
MIRIAM: Chama ela pra cantar no teu casamento.
BETINHO: Que ótima idéia Miriam.
MIRIAM: Ela canta muito bem. Só temos que tomar cuidado com o repertório.
BETINHO: E quem vai dirigir?
MIRIAM: O chá de cozinha?
BETINHO: Não. O casamento.
MIRIAM: Talvez a Neyde Veneziano. 
BETINHO: Será que ela topa?
MIRIAM: Tem que convidar e ver quanto é.
BETINHO: Vou pedir ao Ronaldo pra falar com ela.
MIRIAM: Fala com o Cláudio ou com o Márcio.
BETINHO: Vou falar com todo mundo. Vai ser um luxo a Neyde dirigindo o meu casamento.
MIRIAM: Será uma produção grande. Meu Jesus, como eu vou estar ocupada com essa produção.
BETINHO: Tem que cuidar de tudo: Luz, som, figurino.
MIRIAM: André Leahun faz a luz...
BETINHO: Sergio Guerreiro o vestido...
MIRIAM: E Belline o som.
BETINHO: E a Renata Carvalho?
MIRIAM: Pode ir de dama de honra.
BETINHO: Poderíamos abrir pra um debate depois.
MIRIAM: Me deixa. Que debate?
BETINHO: Pra os convidados falaram o que achou do vestido, do bolo, dos salgadinhos...
MIRIAM: Pára Betinho. Tá ficando fraca?
BETINHO: Não me chama de fraca. (Numa divagação) Meu Jesus, meu casamento vai ser um acontecimento.
MIRIAM: Vai ser mesmo.

terça-feira, 16 de agosto de 2011


Personagens

Betinho ( o aniversariante)
Miriam ( a mãe)

Os amigos :

Rosane
Junior
Luiz Fernando
Ricardo
Renata

(  Festa de oito anos de Betinho, festa infantil de subúrbio, muita coxinha, falatório alto, crianças correndo, e a mãe do aniversariante como se tivesse acabado de chegar da guerra, está na cozinha repondo uns pratinhos de salgado que choram óleo)

Miriam- Betinho vem aqui, quem são esses amiguinhos?

Betinho- conheci todos na escola mamãe...

Miriam- escuta bem uma coisa, mas escuta bem o que a mamãe vai te falar, nunca, nunca mais traga essas crianças aqui de novo, você ouviu bem?

Betinho- mas mamãe são meus amiguinhos...

Miriam- só Hoje Betinho, só hoje já disse, olha lá aquela sua amiguinha, não para de beber todo o refrigerante da festa...


Betinho- quem? A Rosane?

Miriam- aquela loirinha, já bebeu não sei quantos copos e cada vez quer mais, mais, mais...olha lá fez xixi na calça...liga pra mãe dela vir buscar...

(entra Junior)

Junior- Tia, tem brigadeiro?

Miriam- é só na hora do Parabéns...

Junior- eu quero brigadeiro Tia

Miriam- eu acabei de dizer que é só na hora do Parabéns!

Junior- não grita comigo...

Miriam- Eu não gritei com você

Betinho- Gritou sim mamãe, dá um brigadeiro pra ele...

Miriam- pega então, pega o brigadeiro...

Junior- agora eu não quero mais...

Miriam- então não come seu malcriado

Junior- sua mãe é louca Betinho?


(aparece Luiz Fernando, Ricardo e Renata correndo)

Miriam- sem correr aqui na cozinha crianças...

Renata-(chorando) Tia, eles me chamaram de sapatão

(Betinho e Junior riem)


Luiz Fernando e Ricardo- Sapatão! Sapatão! Sapatão!

Miriam- que coisa feia...não pode xingar a amiguinha...


Luiz Fernando- e quem disse que ela é minha amiga?

Ricardo- minha também não é...


Betinho- tu é sapatão Renata?

Renata- olha aí Tia, olha aí...

Miriam(belisca Betinho) – tu se comporta , não foi essa a educação que eu te dei...


(Betinho chora)

Ricardo- ta vendo Renata por sua causa a Tia Miriam bateu no Betinho...

Junior- e no dia do aniversário dele


Luiz Fernando- é tudo culpa sua...Sapatona!

Miriam- saiam daqui crianças vai, já me aborreci o suficiente por hoje, festa dos infernos...

Renata- Festa dos infernos tia?

(Betinho chora mais forte)

Miriam- foi jeito de dizer, eu estou cansada...

Luiz Fernando- então nem vai pro pagode hoje Tia?

Miriam-(desconcertada) pagode? Que pagode?


Luiz Fernando- Minha mãe viu a senhora no pagode ali que tem perto do Mingo, disse que a senhora tava animada e que tinha um monte de gente em volta...um monte de homem

Betinho-(para de chorar) o quê?

Miriam- mentira desse muleque, sai daqui muleque, tua mãe anda vendo muita coisa viu, eu vou ter uma conversa com ela

Junior- tia, eu posso pegar cajuzinho também?

Miriam- muleque esganado

Renata- eu quero pipoca

Luiz Fernando-(grita e sai correndo) Renata quer piroca...Renata quer piroca!

(Renata chora) 

Miriam- que moleque malcriado, favelado dos infernos...

Ricardo- eu vou falar pra mãe dele, que a sra chamou ele de favelado e ela de vagabunda...

Miriam- mas eu não disse isso...ah  vai pro inferno você também...e abaixa essa blusa, com esse umbigo de fora ta parecendo uma bichinha  

( Miriam esta descontrolada)


(Ricardo chora)

Junior- Tia posso comer o quindim?

Miriam- morto de fome, esfomeado, miserável...eu não agüento mais essa festinha...

(Rosane entra mijada)

Rosane- tia eu mijei de novo, to toda mijada....

Miriam- pois que fique mijada...

Rosane- mas tia, eu mijei no bolo...

(Miriam senta no chão e chora, Renata para de chorar e sai correndo depois de bater na testa de Ricardo, que sai correndo atrás, Junior esta ao lado da mesa de doces comendo, Luiz Fernando esta dançando na pista de dança improvisada na garagem, grita pedindo um funk, Betinho pega a velinha)

Betinho- mamãe, vamos cantar Parabéns?





Seria cômico se não fosse trágico - da vida real - relatado por Kadu Veríssimo

 Personagem

Ator

(tema- Longo Prazo)

(ator entra com um jornal nas mãos, ao chegar no foco lê)

Funerária é acusada de retirar caixão durante velório na Bahia

Um velório na Bahia virou caso de polícia. A Polícia Civil de Ilhéus ouviu ontem o dono da funerária Árvore da Vida, Sivaldo de Jesus, acusado de retirar o corpo do aposentado Carlos Antonio da Silva Bonfim de dentro do caixão, durante velório há três semanas, sob a alegação de que a família não teria R$ 210 para a primeira prestação do caixão -o valor total, R$ 630, foi dividido em três vezes.

(larga o jornal)


Filha do aposentado, Karina Oliveira Bonfim disse que seu pai estava sendo velado na sala de casa quando um funcionário da funerária cobrou a primeira prestação.

Ator de Filha
"No dia anterior, eu havia ido à funerária e acertado os detalhes do pagamento. Foi muita humilhação ver o funcionário da empresa tirar o corpo do meu pai do caixão e colocá-lo em cima da cama. E ele só colocou na cama porque apelamos muito, ele queria colocar o corpo no chão."

Ator
Bonfim morreu de parada cardíaca no dia 14 e enterrado no dia seguinte. A família comprou, por R$ 500, um caixão de outra empresa.Em depoimento, Avelino negou ter mandado retirar o caixão.

Ator de Avelino
Isso é armação" de um concorrente que ofereceu um caixão mais barato, o que fez a família desistir do pagamento.


Ator de filha
"Não houve má-fé. Estávamos com os cheques pré-datados."

Ator
Segundo a polícia, a funerária é investigada sob suspeita de perturbar e atrasar o velório.
É a realidade superando a ficção.
Sete de setembro de 2007.

(black-out)



PRIMEIRA HORA de Ronaldo Fernandes

TEMA: LONGO PRAZO

DEPOIS DO AMOR. SANDRINHO DEITADO NO PEITO DO NELSON. NELSON ESTÁ COM UM RELÓGIO.
SANDRINHO: Você é muito gostoso, tesudo. Adoro fazer sexo com você.
NELSON: Eu sei disso.
SANDRINHO: Convencido.
NELSON: É que eu gosto de dar prazer a uma pessoa. É minha função.
SANDRINHO: Também com as coisas que eu falo enquanto nós estamos lá no bem bom.
NELSON: (Rindo) Você é muito engraçado.
SANDRINHO: Eu?
NELSON: (Rindo) Bem bom?
SANDRINHO: É que eu fico um pouco sem graça.
NELSON: Tá bom.
SANDRINHO: (Num outro tom) É que quando estamos fazendo sexo, lá no bem bom, eu falo muita safadeza...
NELSON: Você é muito safado meu amor.

Um silêncio.

SANDRINHO: Você me chamou de meu amor?
NELSON: Chamei?
SANDRINHO: Sim. Eu ouvi bem.
NELSON: Incomoda?
SANDRINHO: Sei lá. É que chamar alguém de meu amor depois do sexo...
NELSON: Qual o problema?
SANDRINHO: É que nós dois aqui depois do gozo...
NELSON: Qual o problema meu amor?

Um outro silêncio.

SANDRINHO: Você me chamou de meu amor de novo?
NELSON: Acho que sim.
SANDRINHO: Eu ouvi claramente.
NELSON: Pode ser.
SANDRINHO: Eu adoro quando você me chama de meu amor.
NELSON: Mas eu acho você um amor.
SANDRINHO: Quando você me chama assim eu quase derreto.
NELSON: Assim que é bom.
SANDRINHO: Enquanto estou aqui deitado no seu peito, eu fico pensando como seria bom ficarmos mais próximos, mais ligados um ao outro.
NELSON: Não está bom assim?
SANDRINHO: Está sim. Mas é que nós nos encontramos de quinze em quinze dias e é só pra sexo.
NELSON: Não é só sexo. Sempre jantamos, conversamos um pouco...
SANDRINHO: (Rindo) E trepamos.
NELSON: Mas não é gostoso?
SANDRINHO: Sim. Mas eu sinto a sua falta. Queria compartilhar mais coisas com você.
NELSON: Mas é tão gostoso quando estamos juntos, passa tão rapidinho.
SANDRINHO: Mas é só sexo. Quero uma coisa mais de longo prazo.
NELSON: (Rindo) Longo prazo? Faz umas prestações nas casas Bahia.
SANDRINHO: Eu não achei graça nenhuma.
NELSON: Desculpe. Mas você quer que eu diga o que? O que é que você quer no longo prazo?
SANDRINHO: Uma relação mais duradoura.
NELSON: Um namoro?
SANDRINHO: É que o sexo entre nós é gostoso, mas sexo é de curto prazo.
NELSON: Fazer o que?
SANDRINHO: No longo prazo vale mais a parceria, a cumplicidade, o apoio, construir coisas juntos, chegar em casa e ter alguém para conversar...
NELSON: E o sexo?
SANDRINHO: O sexo é importante sim. Mas no longo prazo ele é complementado por outras coisas...
NELSON: Você acha que pode haver relação de longo prazo entre dois homens?
SANDRINHO: Claro que sim.
NELSON: Os homens agem mais pelo instinto, são mais sexuais, querem fazer sexo com pessoas diferentes, buscam o risco e a adrenalina... Estão sempre atrás do prazer.
SANDRINHO: Nossa! Nem todo mundo é assim. Eu acredito que pode haver uma relação duradoura, mais de longo prazo entre dois homens sim. Tem que ter sexo, afeição, cumplicidade, safadeza, putarias e amor. Eu acredito nisso.
NELSON: Tudo isso só porque te chamei de meu amor? (Olha o relógio)
SANDRINHO: Sim. É que bateu uma vontade de ficar “namorandinho”.
NELSON: (Risos) “Namorandinho”?
SANDRINHO: Sim. E quando você me chamou de meu amor, eu fiquei querendo isso.
NELSON: Você quer namorar comigo?
SANDRINHO: Quem sabe morar junto, casar, ter uma relação de longo prazo sabe?
NELSON: (Olhando no relógio e levantando-se bruscamente) Cara, infelizmente seu tempo acabou.
SANDRINHO: Oi?
NELSON: O programa dura só uma hora.
SANDRINHO: Já passou?
NELSON: Que ficar um pouco mais? Estou com a próxima hora livre.
SANDRINHO: Quanto é?
NELSON: Conforme combinado, a primeira hora sai por cento e cinqüenta reais..
SANDRINHO: E a segunda?
 NELSON: Duas horas eu até posso fazer por duzentos e cinqüenta. Topa?

PRAZO EXTRA de Marcus Di Bello

TEMA: LONGO PRAZO

(Jesus esperando, demonstrando impaciência. Gabriel chega quase sem ar, apressado)

GABRIEL
Desculpe, eu tentei chegar o mais rápido que pude.

JESUS
Sem problemas. A minha pressa é por ser caráter de urgência.

GABRIEL
Eu teria chegado mais cedo se eu não tivesse me perdido na entrada de Jerusalém. O trânsito aumentou absurdamente desde a última vez que estive aqui.

JESUS
Vamos ao que interessa, Gabriel. Acho que posso ser claro e direto com você.

GABRIEL
Pois não, Jesus.

JESUS
Preciso de um prazo maior na Terra.

GABRIEL
Não, Jesus.

JESUS
Mas Gabriel...

GABRIEL
Ordens são ordens. Seu pai que mandou, nem se eu quisesse eu poderia te ajudar.

JESUS
É que você estava presente no meu nascimento, achei que poderia me dar uma força.

GABRIEL
Seu pai escreve certo por linhas tortas. Se ele planejou a sua morte é porque é o melhor a ser feito.

JESUS
Mas eu preciso de um prazo maior, ainda não consegui fazer tudo o que tinha para fazer.

GABRIEL
E isso é culpa de quem, Jesus? Se você focasse nos seus objetivos isso não estaria acontecendo. Mas ao invés de pregar a palavra ao redor do mundo, o que você faz? Fica aí transformando água em vinho, andando sobre a água...

JESUS
Espera um pouco, transformar água em vinho foi uma vez só e apenas porque a festa estava meio sem graça. Quanto a andar sobre a água, eu peço desculpas. Foram algumas poucas apresentações.

GABRIEL
Poucas? Lá no mediterrâneo estão o chamando de Jesus Crist’Angel, o ilusionista.

JESUS
Mas Gabriel, eu parei com isso! Eu juro. Acredite em mim.

GABRIEL
Está bem, Jesus. Mas por que você quer um prazo maior na Terra? Você sempre soube que esse era o plano de seu pai, desde o princípio.

JESUS
Eu estou abalado, Gabriel. Entenda as minhas razões. Confesso que estou muito chateado com a minha última ceia.

GABRIEL
Algo errado aconteceu?

JESUS
Algo muito errado. Apenas os doze apóstolos apareceram. Eu queria um grande evento. De nada adiantou a promoção “sandália franciscana até meia noite não paga”. Eu quero mais tempo aqui na Terra para realizar uma mega última ceia com mais de dez mil convidados.

GABRIEL
Jesus, isso está errado.

JESUS
Errado, Gabriel? Errado foi ter nascido numa família de carpinteiros. Passei toda a minha adolescência fazendo escrivaninhas. Eu tenho direito a mais uns dez anos por isso. Deixa-me viver até quarenta e três, pelo amor de Deus!

GABRIEL
É pelo amor a ele que digo não.

JESUS
Que inferno.

GABRIEL
Vira essa boca para lá!

JESUS
Por favor, Gabriel, tenta convencer meu pai. Pelo menos mais alguns meses, para que eu consiga me valorizar. Ninguém merece ser vendido por trinta míseras moedas de prata.

GABRIEL
Jesus, entenda uma coisa. Você precisa morrer por toda a humanidade. A sua morte salvará o pecado de todos.

JESUS
Precisa ser morte?

GABRIEL
Sim.

JESUS
Não dá para ser braço amputado?

GABRIEL
Não.

JESUS
Nem uma disfunção urinária?

GABRIEL
Crucificação e morte. Sem direito à negociação.

JESUS
(Tempo, pensando)
Eu posso voltar e mostrar para os apóstolos fotos da viagem ao paraíso?

GABRIEL
Isso a gente vê com o seu pai, acredito que não haja problema. Mas só se você prometer não esfregar as feridas na cara do Tomé.

JESUS
(Desapontado)
Então está bem. Eu morro, fazer o quê. Vou lá, orar, fingir surpresa quando me pegarem. Obrigado, Gabriel. Você é um anjo.

GABRIEL
Às suas ordens.
(Jesus saindo. Gabriel o acompanha. Antes de sair olha para cima)
Desculpe, Senhor, ele não sabe o que faz.