quinta-feira, 31 de maio de 2012

TODAS AS FOBIAS DO MUNDO de Regina Célia Vieira

Tema: Fobia

Personagens:
Rosa e Jandir


Primeiro encontro oficial de Jandir e Rosa.

(Rosa toca a campanhia com o cotovelo.)

Jandir-(Atendendo a porta) - Olá! (Beijando-a discretamente)- Estava ansioso pra te ver! Entra! Espero que goste do que preparei. Fiquei o dia inteiro neste jantar.

Rosa- Que apartamento lindo!  Que mesa maravilhosa- (Evitando olhar para a mesa).

Jandir- O jantar é uma receita que eu faço há muito tempo. E tem três opções de sobremesa. você vai adorar!

Rosa- Com certeza!

Jandir- Vamos tomar um drink antes de jantar? Você quer?

Rosa- Quero, sim! Obrigada!

Jandir- O que você bebe? Wiski, vodka, cerveja...

Rosa- Suco de quê, você tem?

Jandir- Suco? Bom...(Abrindo a geladeira)- Deixa ver... Tenho suco de abacaxi. Serve?

Rosa- Tá ótimo!

Jandir- (Pega dois copos.) Vou te acompanhar no suco, então!- ( Serve o suco a Rosa).

Rosa- (Exitando em pegar o copo.)

Jandir- O que foi Rosa? Você falou que suco de abacaxi tava ótimo!

Rosa- Não é isto! É que... Você tem copo descartável?

Jandir- Copo descartável?

Rosa- É que eu não gosto de copo de vidro.

Jandir- Tenho copo de plástico.

Rosa- Descartável?

Jandir- Não! Reutizável!

Rosa- Ah! Então deixa! Não vou tomar suco. É que eu não bebo em copos em que outras pessoas já beberam. Me desculpe!

Jandir- Ah! Tudo bem! Manias! Quem não as tem? Não é mesmo?

Rosa- Pois é! Desculpe!

Jandir- Não! Bobagem! A gente conversa! Conversando a gente vai se conhecendoo melhor!

Rosa- Por mim, tudo bem!

(Os dois ficam parados sem assunto.)

Jandir- (Quebrando o climão.)- Vamos comer! É melhor!

Rosa- Também acho!

Jandir- (Cavalheiro. Tira a cadeira para Rosa sentar.)- Agora vou servir minha especialidade...

Rosa- Espera!

Jandir- O quê?

Rosa- Antes de você servir o jantar... Será que poderia me fazer um favor?

Jandir- Pois não, Rosa!

Rosa- Será que você poderia tirar essas velas da mesa?

Jandir- Ãhn?

Rosa- Eu sei que é de praxe, jantar romântico a luz de velas. Mas é que eu não suporto nem olhar para elas. 

Jandir- Mas, por quê?

Rosa- Tenho nojo! O cheiro, a cera, o pavio! tenho ojeriza! Eu não sei porque. Mas se elas permanecerem na mesa, não vou conseguir comer!

Jandir- Você tem mesmo fobia a velas, hein! Por isso não!- ( Apagando as velas).

(Rosa tapa o nariz e se levanta para ficar longe da fumaça. Jandir guarda as velas em uma gaveta.)  

Jandir- Prontinho, Rosa! Sem velas! Vamos comer.

Rosa- Você não lavou as mãos!

Jandir- Como?

Rosa- Você guardou as velas, mas não lavou as mãos. Não posso comer nada que me sirva se não lavar as mãos.

Jandir- Mas que cabeça a minha! É óbvio que tenho que lavar as mãos! Me desculpe, Rosa!

(Jandir vai até a cozinha para lavar as mãos. Da sala, Rosa observa se ele realmente está lavando as mãos.)

Jandir- (Voltando para a sala. Rosa disfarça.) Feito! Podemos comer agora!- (Puxa novamente a cadeira para Rosa sentar. Ela não está nada a vontade.) E agora, minha especialidade! Espaguete a Carbonara! Que aroma delicioso! Deixa eu te servir...

Rosa- Não!

Jandir- O que foi?

Rosa- Você não podia ter feito outro tipo de macarrão? Espaguete eu não como! E este é do mais fininho! Parece lombriga, minhoca! Ai! Que nojo! Tô passando até mal! Desculpa, Jandir! Mas é mais forte que eu! Perdão! Mas eu não quero mais jantar.

Jandir- Agora até eu perdi a fome!

Rosa- Mas ainda tem a sobremesa! Você disse que tem três opções!

Jandir- É melhor, não! Você não vai gostar nada das opções.

Rosa- Como não? Eu adoro doces! Tenho certeza que vou adorar! Vai fala! O que tem? 

Jandir- Um dos doces é ... Doce de banana.

Rosa- Ai! Doce de banana lembra...

Jandir- Eu sei muito bem o que doce de banana lembra. Não precisa falar, não!

Rosa- Segunda opção?

Jandir- Cabelinho de anjo.

Rosa- Credo! Terceira?

Jandir- Baba de moça.

Rosa- Argh!

Jandir- Eu falei!

Rosa- Você caprichou, hein! Bah!

Jandir- Olha, Rosa! Eu tô muito afim de você! A gente não precisa jantar. Eu quero muito ficar com você! Você é linda, gente boa, inteligente, engraçada. Sabe?! Até que eu acho charmoso esse teu jeito, cheia de manias, fobias... Acho engraçado, diferente.

Rosa- É, mesmo? Você não me acha louca, não?

Jandir- Nem um pouco! Vem cá, vem! Vamos fica aqui, juntinhos, numa boa. Eu gosto muito de você, Rosa.

Rosa- Eu também gosto de você.

(Jandir e Rosa estão se beijando, quando de repente ela olha pra cima e grita.) 

Rosa- AHHHHHH!

Jandir- Ah, não! Vai dizer que tem fobia a beijo, também?

Rosa- Não! A beijo, não! Tenho fobia a aranha!

Jandir- Aranha? Onde você está vendo aranha aqui, Rosa!

Rosa- No lustre! Tem uma teia no lustre!

Jandir- Deixa eu ver!- (Pega uma escada e vai verificar o lustre. Rosa fica olhando para cima.)- Eu não tô vendo nada.

Rosa- Pois eu estou vendo daqui. E tô quase tendo um troço!

Jandir- Então não olha pra cima. Olha pra frente. 

Rosa- Se eu olhar pra frente, eu caio.

Jandir- Por que?

Rosa- Tenho medo de escada. Se eu olhar pra frente, dou de cara com a escada e caio. Só de pensar já estou ficando tonta.

Jandir- Cara! fecha os olhos ou olha pro chão!

(Rosa baixa a cabeça rapidamente.)

Jandir- Pronto, Rosa! Já tirei a teia. Era microscópica. E não tinha aranha. Fique calma. Uma coisa é certa, você enxerga muito bem!- (Descendo da escada. Guarda a mesma na cozinha. Quando volta a sala, Rosa ainda está de cabeça baixa.)

Jandir- (Já perdendo a paciência.) Rosa, pode levantar a cabeça! Já guardei a escada!

Rosa- Não consigo! Tô travada!

Jandir- Vem! Eu te ajudo! Senta aqui no sofá. Pronto! Relaxa, agora! Respira fundo! Destravou?

Rosa- Destravei! Ai! Que vergonha, Jandir! Me perdoa, por favor!

Jandir- As suas fobias não vão estragar nossa noite!

Rosa- Você tem razão! Você é tão legal, Jandir!

(Beijam-se apaixonadamente. Deitam-se no sofá. Estão no bem bom, quando Rosa solta um grito ensurdecedor.)


Rosa- AHHHHHHHH!

Jandir- O que foi desta vez?

Rosa- É napa! É napa! Seu sofá é grudento! Quantas pessoas já passaram por aqui? (Sai correndo pro lavabo)- Água, sabão! Água, sabão!- (Lava os braços desesperadamente. Se seca com papel higienico. Volta pra sala.)

Jandir- Você é louca, Rosa?

Rosa- Ah, Jandir! Me perdoa! Eu hoje estou pior que nos outros dias. Não consigo me controlar!

Jandir- É melhor você ir embora, Rosa! Não tem mais clima.

Rosa- Também acho! Eu vou indo, então! A gente se vê?

Os dois- Melhor, não!

Jandir- (Abre a porta para Rosa.)- Tchau, Rosa! E vê se se trata! Sim?

Rosa- Já tentei! Mas não tenho coragem de falar sobre as minhas fobias com o psiquiatra. Tenho vergonha!

Jandir- Ah! Mas, você não tem, mesmo!-( Fecha a porta.) 

Rosa- O que ele quis dizer com isto?

(Rosa tenta chamar o elevado com o cotovelo, sem sucesso. Decide descer os dez andares de escada, bem devagarinho.)


                                                                     Fim.

  


 


 







    




quinta-feira, 24 de maio de 2012

TOCOFOBIA de Kadu Veríssimo


(tema -Fobia)

Personagens

CAMILA
MESQUITA

(Camila esta sentada na beira da cama,Mesquita seu marido está ao lado dormindo,a janela do quarto esta aberta, um vento forte adentra o ambiente, Camila chora)

Mesquita
O que foi Camila? Volta pra cama, vem dormir...

Camila
Não consigo, não consigo dormir...

Mesquita
O que aconteceu?

Camila
 Eu tenho que te contar uma coisa...

Mesquita
Você tá me assustando, fala...

Camila
Eu to grávida...

Mesquita
Que? Sério?  Não acredito (levanta da cama cheio de felicidade) sério que você tá grávida?

Camila
Sim, fui no médico e foi confirmado...

(Mesquita a abraça) 

Mesquita
Eu to muito feliz...

Camila
Pois eu não, eu não quero essa criança...

Mesquita
Deixa de falar besteira...

Camila
Eu tenho medo, eu tenho pavor...

Mesquita
Medo de que? Deixa de ser boba, a gente vai ser muito feliz com essa criança...

Camila
Não, não vai, eu já disse que não quero...eu vou tirar...

Mesquita
Você tá louca? Deixa de falar bobagem você deve estar confusa...

Camila
Não, eu sei bem o que eu to falando, a gente pode adotar uma criança se você faz questão de um filho , você sabe que eu até gosto de criança,mas daí a engravidar, gerar um bebê, eu tenho pavor de saber que tem algo dentro de mim, o médico disse que já tem quase dois meses, dois meses e eu não sabia de nada, eu menstruei nesse período, como pode ter acontecido?

Mesquita
Se acalma, você vai se acostumar com a situação...

Camila
Você não entende? Eu não posso sentir que tem algo dentro de mim, eu tenho pavor , medo disso, fico numa angústia tão grande, eu to passando mal...

Mesquita
Você só pode estar enlouquecendo...você nunca me disse nada que tinha pânico de ficar grávida

Camila
Não é pânico, é pior,é muito pior ,  é uma sensação de morte , como se essa criança fosse me comer por dentro, ela vai me matar, escuta o que lhe digo, ela vai me matar eu tenho certeza

Mesquita
Se acalma

Camila
Não encosta em mim, não me toca, você é o culpado por eu estar assim,você é o assassino, eu vou morrer, e é por sua culpa...

Mesquita
Vem aqui, vamos tomar um calmante, algo...

Camila
Não me toca, não põe a mão em mim, me larga...

Mesquita
Calma  Camila...

Camila
Eu não quero parir, eu não quero ter essa criança...

Mesquita
Vamos procurar ajuda, vamos ter esse filho...

Camila
Não, eu não quero...

Mesquita
Mas eu quero

Camila
(parte pra cima de Mesquita)
Faz em outra mulher, eu permito, faz em outra mulher, eu juro que não vou ligar, eu até crio a criança como se fosse minha,(transtornada) agora engravidar eu não quero, eu não vou...você não sabe como eu estou me sentindo com esse monstro aqui dentro...

Mesquita
Não fala assim, você tá me assustando

Camila
Eu vou arrancar essa criança com a minhas mãos , eu não quero, não quero(começa a rasgar a roupa enlouquecida, bate na barriga, Mesquita a segura com força)
Mesquita
Para com isso, cala a boca e para de falar tanta merda, eu realmente desconheço você Camila, você não é a mulher que eu casei...para com isso, esse momento era pra ser de felicidade...de alegria...de...

Camila
Cala a boca, me larga, me larga (chuta Mesquita) será que você não entende, é mais forte do que eu... o médico me disse que tem alguém aqui dentro a oito semanas, oito semanas que estou morrendo por dentro , eu tava me sentindo fraca e não sabia porque, é ele, esse monstro que me devora aqui dentro, ele vai me matar,  eu vou tirar, eu vou tirar...

(corre e se tranca no banheiro)

Mesquita
(batendo com força na porta) Abre essa porta agora, abre Camila, não vá fazer besteira, por favor Camila, para com isso, saia daí, vamos conversar...

(ouve-se gritos de Camila, Mesquita se desespera e esmurra a porta, vai ao telefone)

Mesquita
Pra quem eu ligo? o que eu faço? O que é isso que esta acontecendo, parece um pesadelo, não dá pra acreditar...

(Camila abre a porta vem cheia de sangue)

Mesquita
Camila, o que você fez? 

(Camila esta delirando)

Mesquita
Fala, o que você fez?

Camila
Acho que não consegui, sinto ele aqui dentro ainda, me devorando..., eu vou morrer...

Mesquita
Para, para , cala a boca, eu vou te levar daqui, vamos no médico...eu não acredito no que esta acontecendo, eu não acredito...

(mesquita vira pra colocar uma calça e sente a falta de Camila)

(Camila esta em pé na janela)

Mesquita
Desce daí, desce daí ,vem Camila....

Camila
Você nunca vai me perdoar né?

Mesquita
Perdoar de que ? vem pra cá, não faça uma besteira, vamos no médico...

Camila
A gente podia ter um filho sim, mas não meu, você não entende? Eu não posso ser mãe, não posso...

Mesquita
Tudo bem, vem pra cá... a gente resolve (vai se aproximando)

Camila
Fica aí, não se aproxima de mim ...

(mesquita tenta se aproximar, camila pula)

Mesquita
Camilaaaaaaaaa....

(ouve-se um estrondo forte, Mesquita grita sentado no chão)

Trevas

segunda-feira, 14 de maio de 2012

ARACNOFOBIA de Marcus Di Bello


TEMA: FOBIA

SAULO
Arac o quê?

BETO
Aracnofobia. Medo de aranha.

SAULO
Quer dizer que a Rita tem essa tal de aracnofobia e você tem a inteligente ideia de alugar Homem Aranha 3 para assistirem?

BETO
Eu não sabia que ela tinha medo de aranha. E eu queria ver o terceiro filme.

SAULO
E como foi?

BETO
O filme? Uma bosta.

SAULO
Digo, com a Rita. Como foi?

BETO
(Hesitando)
Foi diferente.

SAULO
Diferente como? Assistiram ao filme de cabeça para baixo? Você beijou o dedão do pé dela?

BETO
Nada disso. É que aconteceu algo muito estranho.

SAULO
Do que você está falando?

BETO
Estávamos lá, eu e ela, assistindo o filme, quando decidimos rachar um baseado. Até então tudo certo, o filme nem estava tão interessante mesmo. Talvez assim achássemos melhor, talvez assim achássemos engraçado. E eu nem me importei de estar na casa dela, lembro-me de ter perguntado se tudo bem e como ela concordou, lá estávamos, fumando e assistindo Homem Aranha. Eu tinha bolado logo dois, porque sabia que o filme era longo e que a Rita fumava para caralho. Guardei um no maço de cigarros e o outro acendi , que era o que estávamos rachando. Ela já nem estava mais com medo. E foi surreal, porque senti algo que nunca havia sentido antes.

SAULO
Cara, é maconha. Essa porra é forte mesmo.

BETO
Você não está entendendo. Foi algo de outro mundo. Nunca havia acontecido. Eu via coisas. Via pequenas aranhas jogando teia contra mim. Bebi um gole de água e senti a água descendo pela minha garganta como se fosse uma cachoeira, sabe, eu senti mesmo. Eu vi na minha frente, a queda d’água, o barulho, o cheiro, a sensação, a adrenalina. Sabe o que é sentir as bolhas subindo?

SAULO
Comprou onde essa porra?

BETO
Fornecedor novo.

SAULO
Deve ser misturada.

BETO
Não sei. Mas eu estou com o efeito até agora.

SAULO
Que porra é essa, Beto? Isso foi sábado passado!

BETO
Eu sei!

SAULO
Você fumou de novo.

BETO
Não! Juro que não. Esse é o problema. O outro está guardado, mas eu não quero fumar. Eu estou sentindo o efeito do outro ainda.

SAULO
Isso é impossível.

BETO
É verdade. E o que devo fazer? Não quero ficar pior do que já estou. E se o efeito for permanente? Tenho medo, Saulo. Mas, ao mesmo tempo, não quero jogar fora. É baseado, cara. Que desonra seria jogar fora. Não sei o que fazer agora. A Rita ficou de boa, o problema sou eu. E se meu cérebro tiver sido afetado de maneira irreversível? Saulo, eu preciso de ajuda.

SAULO
Para e pensa. O que o homem aranha faria nessa situação?

BETO
Homem aranha não pode fumar. Ele erraria os prédios.

SAULO
Para isso que ele tem o sensor aranha.

BETO
Faz sentido.

SAULO
E a Mary Jane é atriz, não é? Certeza que ela fuma também.

BETO
Fumam até juntos.

SAULO
Onde está o baseado?

BETO
Aqui no meu bolso, junto com os cigarros.
(Pega o maço de cigarros e coloca sobre a mesa)

SAULO
Grandes poderes exigem grandes responsabilidades.

BETO
Sábio homem aranha. Louvado seja.
(Acendem. Luz em fade-out)

terça-feira, 1 de maio de 2012

EU, EU e EU! de Regina Célia Vieira


Tema: Mistério!



Personagens:


Jéssica e Jorge

Jéssica- Cadê?

Jorge- O que?

Jéssica- O meu anel de formatura!

Jorge- E eu sei lá?

Jéssica- Eu coloquei na caixa de jóias ontem, antes de dormir, e agora não está mais!

Jorge- Tem que estar aí! Eu não mexi! Se você deixou aí, aí tem que estar.

Jéssica- Eu deixei. Mas cadê? Evaporou? Eu quero meu anel!

Jorge- Eu não posso fazer nada! O máximo que eu posso fazer é procurar com você!

Jéssica- Pra que eu vou perder meu tempo procurando algo que eu sei que deixei no lugar?

Jorge- Mas se não está mais nesse lugar, só pode estar em outro.

Jéssica- Só se você pegou?

Jorge- Eu já disse que não peguei coisa alguma! Pra que eu iria pegar o seu anel de formatura? Um anel horroro daquele! E o meu dedo é muito grosso para usá-lo.

Jéssica- Não se faça de besta!  Você pode ter pego pra vender.

Jorge- Você está louca, Jéssica?  E eu lá preciso vender anel de alguém?  Pra que?  Pra comprar crack?  Você não pode me acusar!  Sou seu, marido! Isto é um absurdo!  Tal pensamento jamais poderia ter passado pela sua cabeça!

Jéssica- Ah! Então me explica! Como uma coisa que eu tenho certeza que coloquei nesta caixa de joias, pode não estar mais aqui?

Jorge- Provavelmente, porque você colocou em outro lugar e não lembra! Você já não é, assim, tão jovem!  A memória pode falhar as vezes.  Eu não acredito que você está me acusando! Eu estou te desconhecendo!

Jéssica- Eu preciso desse anel! E não me chame de velha! Hoje é o dia da reunião de turma da faculdade! A gente não se vê desde a formartura, há dez anos! Todos irão com seus aneis. Eu não posso aparecer com os dedos nus.

Jorge- Você me acusou de ladrão! Não posso acreditar!

Jéssica- Mas se não foi você,  estamos diante de um mistério. Eu juro que eu coloquei ontem a noite nesta caixa. Eu lustrei o anel, conversei com ele...

Jorge- Conversou com o anel?

Jéssica- Ah..., eu fiquei falando dos velhos tempos! Que iria rever os amigos e inimigos, e iria passar na cara de todos eles, o meu sucesso. Você sabe, vários deles estão desempregados, trabalhando em outra área,  não deram certo na profissão... Mas eu, não! Sou bem sucedida, bem casada, rica. Eles vão ver...! Aquela mocinha de aparelho, cheia de sardas, não existe mais! Meus dentes estão perfeitos e meu lifting, também! Cadê meu anel? Para de brincadeira, Jorge! Eu sei que você escondeu meu anel!

Jorge- Ah! Agora eu escondi?  Antes eu havia roubado pra vender! Como você muda de opinião rapidamente! Não é Jessica? Eu nunca vou esquecer que você me chamou de ladrão. Eu nunca vou te perdoar!

Jéssica- Ah, meu amor! Desculpa! Não foi isso que eu quis dizer! É que eu estou nervosa! Faz tempo que não vejo essa gente! Preciso estar com tudo em cima , inclusive o meu anel!  Então!? Onde está?  Vai, Jorge! Eu sei que você só está brincando!  Você gosta de me deixar nervosa, né?  Devolve o anel e fica tudo bem!

Jorge- Está tudo acabado entre nós!

Jéssica- Ah! HAHAHAHAHAHA! Para com isso, Jorge! Que bobagem! Você está muito brincalhão, hoje!  Já está passando do limite. Meu anel!

Jorge- É impressionante, como você não se importa com ninguém!  Magoa as pessoas numa facilidade... e depois fica tudo bem! Eu estou cansado de ser seu capacho, Jéssica! Você me chamou de ladrão!  Desconfiou de mim! Eu não quero uma pessoa ao meu lado que não confia em mim! Tenha a santa paciência!

Jéssica- Jorge! Para de drama, Jorge! Me devolve o anel. Tenho muita coisa pra fazer ainda hoje antes de ir a festa.

(Jorge olha para Jéssica, incrédulo.)

Jéssica- Por que está me olhando desse jeito?  Eu já pedi desculpas. Você não é ladrão, eu sei! Mas me devolve o anel, agora. Eu perdoo a sua brincadeira de mal gosto. Dá!

Jorge- Eu não estou com o seu anel! E EU NÃO QUERO MAIS SABER DE VOCÊ!

Jéssica- Chega, Jorge! Já estou ficando irritada!

Jorge- Eu estou falando sério! Como eu pude me enganar, assim, com você? Tanto tempo se passou! No primeiro ano de casamento foi tudo tão maravilhoso. Parecia que eu tinha encontrado a mulher da minha vida. Todo mundo me dizia que você era chata, insuportável! Que se eu me casasse com você seria a maior burrada que eu faria na vida. Mas eu nem ligava. Achava que você tinha aquele jeitão destemido e imponente, porque era forte,  tinha uma personalidade marcante. Os anos foram passando e eu fui perdendo o encanto.  Sua máscara foi caindo aos poucos.  Demorou, mas eu fui percebendo quem você realmente era. Todos temos defeitos. Eu, também.  Sei que que não sou perfeito! Mas sempre te respeitei, apoiei. Queria continuar tentando ter uma vida com você. Queria que desse certo. E você sempre me pisando, passando na minha cara que ganhava mais que eu, que praticamente sustentava a casa sozinha. Mas eu fui aguentando calado, porque eu te amava, eu sempre de amei!

Jéssica- Meu Deus! Tudo isso por causa de um anel?

Jorge-  Pois, é! Tudo isso por causa de um anel, Jéssica? Você acaba com o meu dia, acaba com um resto de respeito que eu ainda tinha por você, por causa de uma porcaria de anel de formatura?

Jessica- Porcaria, não! É cravejado de brilhantes!

Jorge- Pois você pega esse cravejado de brilhantes e...

Jessica- Jorge? Você nunca me xingou!

Jorge- Nem agora! Sempre me cortando! Não me deixa nem me expressar direito! Cansei Jéssica! Cansei!

Jéssica-  (Fica olhando um tempo para Jorge. ) Então tá! Agora, olha dentro dessa caixa de joias e vê! Será que eu estou ficando louca? Revirei as joias todas e não achei o anel! Veja você, mesmo! Eu deixei aí e agora não está mais! Eu não estou te acusando. Mas só estamos os dois aqui! Quem pegou o anel, então?

Jorge- (Olhando para dentro da caixa.) Ninguém, Jéssica! Ninguém!

Jéssica- Como assim...

Jorge- (Retira de dentro da caixa de joias, o anel de formatura, intacto.) -  Aqui está o seu precioso anel! No mesmo lugar que você disse ter colocado.

Jéssica-Mas não é possível! Eu olhei tudo aqui dentro e não vi o anel!

(Jorge começa a arrumar uma pequena mala.)

Jéssica- Jorge! O que você está fazendo? Já encontramos o anel.  Eu devia estar muito ansiosa!  A ansiedade faz a gente não enxergar as coisas com clareza. ( Pega no braço de Jorge.)-  Jorge, para com isso, Jorge!  Me perdoa! Não faz assim! Olha! Só pode ter sido um espírito brincalhão que fez isso. É comum acontecer um fenômeno assim! Quando eu era criança, procurei uma boneca minha por toda parte da casa e briguei com uma amiguinha. Achei que ela havia roubado a minha boneca. Quando eu a expulsei de casa e ela foi embora, olhei para o canto perto da cama e a  boneca estava lá,  no mesmo lugar que eu a deixava sempre. Se uma boneca, eu não fui capaz de enxergar, imagina um anel que é infinitamente menor!  Os espiritos zombeteiros adoram fazer essas brincadeiras e colocar as pessoas umas contra as outras. Eu nunca mais vou desconfiar de você! Eu juro!

Jorge- (Continuando a fazer a mala.) E essa sua amiguinha de infância? Você se desculpou com ela?

Jéssica- Claro! Eu pedi desculpas, sim! Não tenho nenhum problema em pedir desculpas, quando reconheço meu erro! Ela me perdoou, mas disse que não seria mais minha amiga, porque não confiava mais em mim, só porque desconfiei... (caindo em si) ...dela!

Jorge- Pois é! Essa sua amiguinha de infância é muito sábia! E eu também te perdoo! Mas não dá mais pra gente ficar junto! O resto das minhas coisas eu pego depois. Se divirta na sua festa! Amanhã ou depois  a gente vê a papelada do divórcio, essa burocracia toda!

Jéssica- Divórcio? Que divórcio? Você vai me deixar por causa de uma bobagem de anel?

Jorge- Não é o anel! É tudo! Você não entende! Só pensa em si! Tem o ego do tamanho do mundo! Não liga pra ninguém! Eu não quero falar mais nada! Só quero ir embora! Pensa na sua vida, Jéssica! O mundo não gira ao seu redor, não! Acorda!  (Sai batendo a porta).

Jéssica- (Abre a porta e chama por ele.)- Jorge, volta! VOLTAAAAA!!!!! Não vai embora! (Chorando copiosamente.) Foi o espírito zombeteiro! Não é culpa minha! E agora? Quem vai comigo a festa? Vão pensar que eu não tenho marido! Volta Jorge! AAAAAAAAAAH! AAAAAAAAAAH! (Fecha a porta e, chorando desesperada, vai deslisando as costas contra a mesma até o chão, alla Malu Mader em "Anos Rebeldes").


                                                           Fim