sábado, 20 de outubro de 2012

RIR É O MELHOR REMÉDIO. OU NÃO. de Regina Célia Vieira



Tema: Rir.
Personagens:
Fernando e Jack

Fernando- (Entra em casa agitado jogando a pasta no sofá.) - Hoje eu quero ver uma comédia! E tem que ser uma comédia rasgada. Daquelas que a gente fica com dor nas costas de tanto rir.  (Abrindo a geladeira e pegando uma água.)- Tem alguma comédia passando no cinema? Preciso rir! Minha vida tá uma merda! Preciso me distrair. E tem que ser hoje! Quero rir de gargalhar!
Jack- (Assistindo televisão sem olhar para Fernando.)- Que humor, hein! Pelo amor de Deus! Sua vida tá a mesma coisa de sempre. Para com isso.  (Olha pra ele.)- E isso são horas? (Volta a olhar pra tv)-  Eu acho que não tem nenhuma comédia em cartaz, não! Tá muito sem graça o cinema ultimamente. Só tem porcaria.
Fernando- Não é possível que não tenha uma comédia sequer. Não tem um Bruno Mazzeo? Um Jim Carrey? Não pode ser.
Jack- Não tem. Tenho certeza. Aonde é que você estava até agora, hein? (Lembrando)- Ei! Você não gosta do Bruno Mazzeo e nem do Jim Carrey. Fala que os dois são canastrões, sem graça. Aliás, o que tem graça pra você? Não é, Fernando?
Fernando- Muita coisa. Muita coisa.
Jack- O que, por exemplo?
Fernando- (Pensando.) Não lembro agora. Mas muita coisa me deixa feliz. E hoje eu quero rir.
Jack- A gente pode ir ao circo. Estreou um aqui perto.
Fernando- Detesto circo.
Jack- Teatro. No teatro tem muita comédia. Deixa eu ver aqui no jornal.
Fernando- Não gosto de teatro. Quero ir ao cinema.
Jack- Mas não tá passando comédia nenhuma no cinema. Já disse.
Fernando- Vou alugar um filme, então, Vamos á locadora.
Jack- A locadora já fechou. São mais de oito horas. Quem mandou chegar tão tarde? Aliás, aonde você foi?
Fernando- Mas não é possível. Eu quero rir e você só fica me deixando mais irritado.
Jack- Ué!? E que culpa, tenho eu, se você vive de mau humor? Eu estou sempre muito bem humorada e de bem com a vida. Meu dia foi ótimo, como sempre. Me diverti á beça no trabalho. Ri muito. O pessoal adora contar piada na hora do almoço. Principalmente quando o foco é o chefe. É uma farra. Você quer ouvir a piada que o Gerson da contabilidade contou pra gente, hoje? É assim, ó...O médico disse pro paciente: - Sinto muito, mas o senhor foi envenenado.- Aí, o paciente...-  Mas doutor, que veneno foi esse? (Jack, já rindo.)- HAHAHAHAHAHA... Saberemos após a autópsia. HaHaHaHAHAHAH...
(Fernando não acha graça.)
 Jack- (Não se aguentando de rir)- HAHaHaHa... Depois da autópsia, hahahahahahahahha... Entendeu? O cara vai morrer, HEHEHEHE... O paciente, Fernando... O paci.... Ah! Deixa pra lá.
Fernando- E onde o chefe entra nisso?
Jack- (Sem paciência.) Chefe? Que chefe, Fernando?
Fernando- Você não disse que o foco é o chefe?
Jack- Que chefe?
Fernando- O seu. Você foi bem clara. Nas piadas o foco é o chefe.
Jack- Nessa piada, exclusivamente, o foco não foi o chefe. É uma piada pronta. Já existe faz tempo. É velha.
Fernando- E que graça tem em contar piada velha?
Jack- A piada é velha. Mas ninguém no escritório conhecia. Só o Gerson conhecia. Ele disse que a piada é velha. Como se por acaso você conhecesse, né!
Fernando- E Nem queria conhecer.
Jack- A piada é boa.
Fernando- Pode ser, mas você como piadista é uma ótima analista de sistemas.
Jack- Ah! Você é que não tem um pingo de humor. Lembra quando fomos assistir ao Top Secret?
Fernando- Faz tempo, hein!
Jack- Pois é! Eu quase me mijando de rir e você com a maior tromba querendo ir embora.
Fernando- Não achava a menor graça naquele Val Kilmer.
Jack- E a Vida de Brian do Monty Python? Você não esboçou um sorriso sequer. Pelo amor de Deus! Quem não ri com Monty Python devia pedir pra morrer!
Fernando- Eu não sei como alguém pode rir com aquilo?
Jack- Nem com o Tv Pirata você ria!
Fernando- Ainda bem que acabou.
Jack- Você tem problema. Deve ser doença. Procura um psicólogo, ou melhor, um psiquiatra. Esse seu mau humor já se tornou crônico.
Fernando- Engraçadinha! Eu já dei muita risada na minha vida, tá! Esse trabalho é que me aborrece.
Jack- Procura outra coisa pra fazer, ora! Algo que você goste.
Fernando- Eu não quero pensar nisso agora, não nesse momento. Queria só me divertir um pouco. Dar gargalhada. Mas não consigo rir de verdade. Dói o maxilar só de pensar em rir um pouco mais forte.
Jack- Ai, Fernando! Você é engraçado! Sem querer, mas é. Sabe! A última vez que te vi dando uma gargalhada com gosto, foi quando meu pai deixou aquela herança pra nós. Você até pulou de alegria. Uma falta de respeito, já que ainda estávamos acabados pela morte de papai. Minha mãe, até hoje, sempre que pode, passa esse fato na sua cara. E olha que ela te adora, hein!
Fernando- Isso faz tanto tempo. Velha rancorosa.
Jack- Você gosta mesmo é de dinheiro. Não é, Fernando? Agora que a gente não tem tanto assim, vive desse jeito, carrancudo, ranzinza... A vida não é só dinheiro, não, Fernando. A vida é muito mais.
Fernando- O que? Por exemplo?
Jack- É a família, os filhos que não tivemos, a natureza, as flores, os animais...
Fernando- Já entendi. A natureza... hã!
Jack- Bruno Mazzeo, Jim Carrey, Monty Python. Isso tudo deixa a gente feliz. Mas eu estou sentindo que você está um pouco mais triste que de costume. O que aconteceu? Por que demorou a chegar em casa?
Fernando- Você quer mesmo saber o porquê de eu ter chegado tão tarde em casa?
Jack- Quero! Quero saber, sim. Tenho o direito de saber. Afinal, somos casados.
Fernando- Então você insiste em saber?
Jack- Fala de uma vez! Que coisa!
Fernando- É que...
Jack- (Sem paciência.) Ai, meu Deus!
Fernando- (Fala rápido.) Perdi o emprego.
Jack- O que?
Fernando- Isso que você ouviu. Perdi o emprego. Fui dar uma volta depois do serviço pra espairecer. Por isso demorei.
Jack- Ah! HAHAHAHAHA! Você é mesmo muito engraçado. HAHAHAHA...
Fernando- É verdade! Eu estou desempregado.
Jack- (Para de rir.)- Você o que, Fernando? Você perdeu o emprego?
Fernando- Mas você não deve se preocupar. Falou que tenho que procurar algo que eu goste. É o que vou fazer.
Jack- (Começa a rir de nervoso)- HAHAHAHAHAHAHAHA... Estamos perdidos! HAHAHAHAHA... Como vamos fazer pra pagar as prestações da casa? HAHAHAHAHAHA... (Gargalhando sem parar.)
Fernando- Calma! Jack! Respira. Para de rir um pouco.
Jack- HAHAHAHAHAHAHA... Não poderemos ir mais ao cinema,  HAHAHAHAHA... nem ao teatro, HAHAHAHAHAHAHA... nem ao circo. HAHAHAHAHA... Vamos ter que comer menos... HAHAHAHAHAHAHA... pra pagar... HAHAHAHAHAHAHA... a prestação da casa. HAHAHAHAHAHA... Se perdermos a casa... HAHAHAHAHA... vamos ter que morar... HAHAHAHAHA... com a minha mãe... HEHEHEHE... e isso vai ser... HEHEHEHEHE... um inferno...HAHAHAHAHAHA... um... HAHAHAHAHA... infer...HEHEHEHE...no...HOHOHOHOHOHO... um inferno...HAHAHAHAHAHA...
Fernando- Para, Jack! Para com essa loucura.
Jack- (Ri sem parar)- HAHAHAHAHAHAHAHAHA...
Fernando- Sinto muito Jack!- (Dá um tapa na cara da mulher.)
Jack- (Para de rir. Olha fixamente para Fernando e retribui o tapa.)- Nunca mais faça isso na sua vida.
Fernando- Desculpa querida! Eu tinha que fazer você parar. Só repeti o que sua mãe fez no velório do seu pai. 
Jack- Minha mãe é minha mãe. Você é só meu marido.
Fernando- Desculpa, bem! Já pedi desculpas. Esse seu desequilíbrio devia ser tratado. Você é que precisa de um psiquiatra.
Jack- Não muda de assunto, não. O que você fez pra isso acontecer? O que você aprontou para ser demitido, Fernando? Fala, homem!
Fernando- Calma! E eu lá sou homem de aprontar. Pelo amor de Deus! Eu dei a minha vida por aquela firma. Pra quê? Pra eles me dispensarem pra colocar um tal de Dalto, sobrinho do dono, que estudou em Harvard, no meu lugar? Ainda tive que ensinar o serviço todo pra ele durante um mês. Ninguém me falou nada. Me demitiram hoje e disseram que eu nem precisaria cumprir aviso. Ainda bem! Eu já estava bem desconfiado. Ainda perguntei pro chefe, há alguns dias atrás, se eles estavam pensando em me mandar embora. Mas ele disse que não, que o Dalto ia se juntar a mim na equipe, já que a empresa está cada vez crescendo mais. Safados! Ingratos! Tomara que ele seja bem incompetente. Grande coisa estudar em Harvard! Grande porcaria!
Jack- É grande porcaria, sim senhor! Não é qualquer um que se forma em Harvard, imbecil!
Fernando- Agora eu sou imbecil? Falou! Bem humorada e de bem com a vida! Ao invés de me dar força, fica aí acabando comigo ainda mais. Muito obrigado!
Jack- Desculpa! Desculpa! Mas como vamos fazer agora? Na sua idade é bem mais difícil arrumar emprego. Eu, com o salário que ganho, não consigo pagar todas as contas. Não dá!
Fernando- Calma! Ainda tem a indenização, seguro desemprego. Vamos ter fé!
Jack- Faltam só dois anos pra acabar de pagar a casa. Agora que a gente conseguiu reconstruir nossa vida, depois que o restaurante que compramos com a herança de papai faliu... Ah, não! Eu não vou começar do zero de novo.
Fernando- Deixa de ser louca, Jack! Depois eu é que sou pra baixo! Que pensamento é esse, mulher? Eu vou arrumar outro emprego. Tenho bastante experiência. Calma! Até posso abrir um novo negócio com a indenização. Quem sabe... um barzinho, uma lanchonetezinha... Coisa pequena, pra começar.
Jack- Você nem ouse fazer uma bobagem dessas. Pra quê? Pra falir de novo? Já tá mais que provado que você não tem o menor talento pra ser empresário. Você é um ótimo administrador de empresas. Dos outros. Não, não, não, não, não! Vamos economizar esse dinheiro. E antes que ele acabe você vai ter que ter arrumado outro emprego. Amanhã mesmo, você já sai distribuindo curriculum.
Fernando- Mas agora vai dar certo, Jack. Já quebrei a cara uma vez. Não vou cometer os mesmos erros de novo. Vou receber uma bela grana. Afinal, meu salário era razoável e tenho muitos anos de firma. Só com o fundo de garantia já dá pra abrir um pequeno negócio.
Jack- Com o dinheiro do fundo de garantia a gente vai é quitar a casa. Isto, sim, é um bom negócio.
Fernando- Mas eu quero ser comerciante.
Jack- Aqui não tem essa história de eu, Fernando. Aqui somos nós. Nós. Entendeu? Não é só o seu futuro que está em jogo, não. Temos que garantir o nosso teto. Teto, que já perdemos, para quitar as dívidas do seu tão sonhado restaurante. Poe uma coisa na tua cabeça, Fernando. Pra ser comerciante tem que ter muito dinheiro em caixa. Só com o que você vai receber não dá pra sustentar um comercio, não dá. Se antes, quando tínhamos uma vida melhor, não deu. Imagine agora. Não, não podemos arriscar. (Debochando.)- A não ser que você invista num carrinho de pipoca ou de milho. HAHAHAHAHAHAHAHAHA...
Fernando- Boa ideia!
Jack- O que?
Fernando- Por que não? A gente faz o que você falou. Pega a grana do fundo de garantia, quita a casa, e com o que sobrar da rescisão eu compro um carrinho de pipoca ou de milho. Conseguir a licença que é mais complicado. Mas não deve ser tão difícil assim.
Jack- Por favor, Fernando! Não viaja! De administrador de empresas pra pipoqueiro. Era só o que me faltava. Não me faça rir.
Fernando- Para de ser preconceituosa. Pipoqueiro é uma profissão digna. Pelo menos eu não teria que aguentar patrão.
Jack- Desisto. Você que faça as suas loucuras. Quitando a casa é o que me interessa.
Fernando- Você nunca acredita em mim. Não é, Jack? Nunca acredita nos meus sonhos. Custa torcer um pouquinho por mim? Custa?
Jack- Não se faz de vitima, não, Fernando. Eu sou prática. Temos que acabar de pagar uma casa que depois de muito tempo conseguimos comprar. E não é só isso. Temos muitas contas. Carrinho de pipoca não vai ajudar a pagar todas as nossas contas.
Fernando- Muita gente que começou com um negócio pequeno assim, se tornou dono de lojas.
Jack- Quantos? Você pode me dizer?
(Fernando não responde.)
Jack- A vida é muito dura pra maioria, são poucos os que chegam longe, meu caro.
Fernando- E eu não posso ser um desses poucos? Você fala que eu não rio. Que vivo de mau humor. Mas como eu posso ser feliz com uma mulher que não acredita em mim. Que não me dá força pra realizar os meus sonhos.
Jack- Ah! Agora eu sou a culpada pelo seu mau humor! Eu já acreditei no seu sonho uma vez e olha no que deu! Eu acredito nos meus sonhos. E realizo todos. E os meus sonhos são muito básicos. Como uma casa, por exemplo, um lar. E disso, eu não abro mão.
Fernando- (Determinado.) Eu vou compra o carrinho de pipoca!
Jack- (Sem paciência nenhuma)- Aiiiiiiiiiii! Compra, Fernando! Compra o que você quiser. Mas o dinheiro da quitação da casa eu quero aqui, na minha mão. Entendeu?
Fernando- (Ignorando-a) Quem sabe dá pra comprar dois!
Jack- Fernando você me ouviu, Fernando?
Fernando- Um carrinho de pipoca e outro de milho.
Jack- Fernando!
Fernando- Contrato um rapaz pra trabalhar pra mim. Eu fico com o de pipoca e ele como de milho.
Jack- Você tá delirando.
Fernando- Ou vice versa.
Jack- Desisto. Vou subir. Daqui a pouco vai dar A Grande Família. Não tava a fim de rir? (Sobe pro quarto.)
Fernando-(Falando sozinho.) A Grande Família perdeu a graça faz tempo! (Fernando coloca a mão no peito e geme.)- Ai! Que dor! Aiiiiiiiiiiiii! Jack! Acuda!, Jack! Socorro!
 Jack- (Descendo as escadas correndo.)- O que foi, Fernando? Tá se sentindo mal?
Fernando- Acho que estou tendo um infarto.
Jack- Tem certeza que não são gases?
Fernando- AAAAAAAAAiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!
Jack- Ai, meu Deus! Fica calmo, meu amor! Tô ligando pra ambulância! Por favor! Meu marido tá tendo um infarto.
(Já no hospital.)
Fernando- (Acordando.) Jack! O que aconteceu? Só lembro de ter sentido uma forte dor no peito.
Jack- Calma! Querido! Foi só um susto. Mas agora tá tudo bem. A ambulância chegou a tempo. Você vai ficar bem. Me perdoa se eu te aborreci com essa história do emprego. Não vou mais reclamar do seu carrinho de pipoca. Dou a maior força. Tá bom? Não queria te aborrecer.
Fernando- A culpa não foi sua, Jack. E você tá certa. A gente tem que acabar de pagar a casa mesmo. Com o que sobrar eu compro o carrinho. Eu só não entendo porque eu tive esse infarto. Sempre fui estressado. Será que é por isso?
Jack- Saberemos após a autópsia.
Fernando- O que?
Jack- A piada do Gerson! Saberemos após a autópsia.
Fernando-Ah! É ! HA...HA..HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA...
Jack- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA! HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA...
Fernando-HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA...(Se acabando de rir.) HAHAHAHAHAHAHAHAHA... Ai que dor nas costas...HAHAHAHAHAHAHAHA... HAHAHAHAHAHAHAHA... Ai que dor... HAHAHAHAHAHA...
Jack- HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA...
Fernando- HaHAHAHAHA... Ai que dor!
Jack- HAHAHAHAHAHAHAHA... Ai, Ai... HAHAHAHAHA...
Fernando- Ai! Tá doendo mesmo! AAAAAAAAiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
Jack- O que foi? (Corre pra porta.)- Doutor! Doutor!
Médico- (Entrando com a enfermeira.) Para trás, senhora. (Socorre Fernando que desmaia.)
Jack- Ai, meu Deus! Ajuda, meu Deus, por favor!
Médico- (Tenta ressuscitar Fernando, sem êxito.)- Sinto muito! Tudo idicava que ele estava fora de perigo. Sinto muito, mesmo!
Jack- (Fica como se estivesse em estado de choque por um instante. De repente começa a rir.)- HAHAHAHAHA... Fernando! Não! Fernando! NÃÃÃÃÃÃÃÃÃO! HAHAHAHAHAHA! (Cai sobre o corpo do marido enquanto gargalha e chora ao mesmo tempo, sob os olhares compassivos do médico e da enfermeira.)

                                 Fim