terça-feira, 4 de setembro de 2012

POR AMOR E POR DINHEIRO de Regina Célia Vieira


Tema: Prostituição.

Personagens:
Ednardo e Soraya

Num flat.

(Ednardo entra mudo.)

Soraya- E então?

(Ednardo entrega um envelope a Soraya.)

Soraya- (Abre o envelope. Lê. Comemorando.)-  Eu sabia que você iria conseguir ! Não te falei?

Ednardo- A que custo!

Soraya- (Ignorando-o)- Todas as vias assinadas. Muito bem! Agora sim, podemos tirar o pé da lama.

Ednardo- Ou enfiar mais.

Soraya- (Sem dar ouvidos.) Amanhã, logo cedo, vou  ao banco ver como estão as contas. Dentro de pouco tempo vamos recuperar todos os nossos bens. Podemos fazer aquela viagem pra França. Hein? Que maravilha, hein? Hein? E com este contrato milionário, a gente tá é bem demais! Vê? Eu te disse que te daria uma vida de rei novamente.

Ednardo- Graças a mim você conseguiu esse contrato. Graças a mim!

Soraya- E eu tô negando isso? Você fez a sua a parte! Eu faço a minha. Você seduz e eu sustento a gente com a minha inteligência e astúcia. Quem administra os negocios sou eu. Quem trabalha, sou eu.

Ednardo- Eu tive que transar com aquela mulher. Você não podia ter me obrigado a isso.

Soraya- Eu não te obriguei a nada. Você foi, porque quis. Porque não queria morar em um kitnet ou debaixo da ponte. Foi por isso que você foi pra cama com ela, meu querido! Eu não te obriguei a nada. Ela gostou de você. Deixou bem claro que só fecharia o negócio se você saisse com ela. Eu te propus este sacrificio, você aceitou, todo ofendido, mas aceitou. Te obriguei? Não.  Eu não te obriguei. Você foi, porque não é burro. Pelo menos burro, você não é. Que bom!

Ednardo- Você não sente ciumes? Nem um pouquinho?

Soraya- Se fosse em outros tempos, sim. Mas hoje em dia, penso mais em mim. Pra que é que eu vou sentir ciumes de uma pessoa que nunca teve nenhum afeto por mim? Que se casou comigo por interesse? Não, meu bem! Não sinto ciúmes de você. Não mais.

Ednardo- E porque ainda está comigo? Porque não me manda embora?

Soraya- Porque você é um gato. Eu gosto de te exibir por aí. É por isso.

Ednardo- Quer dizer que eu não passo de um troiféu pra você? Como pode me humilhar desse jeito? Como pode?

Soraya- Ah! Ednardo! Não vem com drama, não! Você nunca gostou de mim. Casou com o meu dinheiro e eu sempre soube. Não pense você, que me enganou ou que me engana. Sei que não me suporta. Que me acha uma velha caída. Mas saiba, que se você se aproveitou de mim, gastando minha grana como bem queria. Eu também me aproveitei muito bem de você, bonitão!

Ednardo- Eu só fui pra cama com aquela mulher, por você, só por você, porque estava falida e precisava desse contrato pra se reerguer. Era sua última chance. Eu te ajudei por amor.

Soraya- HA! HA! HA! HA! HA! Essa é boa! Faça-me rir! Você fez, por você! Só por você! Não seja sínico!

Ednardo- Foi por você! Por sua causa. E agora estou me sentindo péssimo!

Soraya- Você fez o que está acostumado a fazer. Foi pra cama com uma mulher por dinheiro. Há dez anos você faz a mesma coisa. E daí?

Ednardo- Eu não sou um prostituto.

Soraya- É sim, meu bem! É sim! Alguém que se casa, só por dinheiro, é o que? Prostituto. Vendido.  Mas tudo bem! Não se sinta só! Nós dois ganhamos muito com isso. E vamos continuar ganhando. Eu gosto da sua companhia. Ainda gosto. Agora que vamos voltar as vacas gordas, posso te sustentar como sempre fiz. Você fica feliz, eu fico feliz. Enquanto você é jovem, posso te exibir para as minhas amigas falsas e estamos outra vez na crista da onda.  A cinquentona com o, agora, trintão, de volta as altas rodas. Vamos comemorar os seus trinta anos no Copacabana Palace. O que me diz?

Ednardo- Você não acredita que eu te amo, né?

Soraya- (Cai na gargalhada.) Você iria ganhar a vida como comediante se não fosse eu, né, bem?

Ednardo- No começo foi por interesse, sim, confesso. Mas com o passar dos anos, eu fui gostando de você de verdade. Do seu jeito destemido, da sua personalidade marcante, da sua alegria... Já fiz tanto por você, também, Soraya. Sempre estive do seu lado nos momento mais difíceis. Como agora. Te ajudei sempre com as suas depressões. Aguentei as suas bebedeiras, seus escandalos. Dediquei dez anos da minha vida a você. Acredita em mim, por favor!

Soraya- (Não querendo levar a conversa adiante.) Eu quero é jantar fora pra comemorar este feito. Quero comer no melhor restaurante o melhor prato que tiver. Se arruma. Quero festejar!
 
Ednardo- Você não me ouve, Soraya? Você não quer me ouvir. E eu não vou a lugar algum.

Soraya- Ah! Vai sim! Eu é que não vou aparecer sozinha nos lugares. Era só o que faltava. Além de pobre, vão pensar que fiquei sem marido, também. Nada disso. Quero que me vejam gastando e com o meu belo marido do lado. Vou torrar o cartão de crédito que sobrou. Vamos gastar por conta. E você! Faça o seu papel de esposo feliz, bonitinho. Não seja rebelde. Você nunca foi de me contrariar. Vai começar agora?

Ednardo- Eu estou cansado!

Soraya- (Procurando roupa pra sair.) Tá cansado? Eu também, de ficar em casa.

Ednardo- Estou cansado do seu deboche, da sua falta de respeito comigo. Eu faço de tudo pra você notar que eu quero ficar com você pra sempre e você não acredita. Se fosse só por dinheiro, eu já teria me mandado há muito tempo. Você já tá dura há mais de dois anos. Mas eu continuo contigo. Eu te amo Soraya! Quantas vezes tenho que te dizer isto? Por  que não acredita em mim?

Soraya- Você ficou comigo, porque não tinha opção, porque não tem mais ninguém neste mundo além de mim. Antes mal acompanhado do que só. Não é, baby?

Ednardo- Eu podia dar outro golpe numa ricaça qualquer. Não podia?

Soraya- Ih! Essas ricaças que você está falando, são como eu. Gostam de garotos de vinte anos, trinta já tá velho pra elas.

Ednardo- E por que você não foi atrás de outro de vinte? Por que ainda está comigo?

Soraya- Porque eu não  tenho dinheiro pra comprar mais nenhum garotão de vinte. E porque já me acostumei com você, me acomodei, é isso. E chega de papo. Vamos jantar que estou com fome.

Ednardo- Por que não acredita que eu te amo?

Soraya- (Irritada.) Para com isso! Chega desse romantismo barato. Não me interessa mais o que você sente por mim.  Eu não sinto mais nada por você. No máximo, quero a sua amizade. E o seu corpo, é claro.

Ednardo- Não vou deixar que fale mais assim comigo.

Soraya- Ah! Tá! E vai fazer o que,meu filho?

Ednardo- (Tira uma arma da cintura.)

Soraya- (Grita assustada.) O que é isso Ednardo? Tá maluco guarda esta arma, pelo amor de Deus?

Ednardo- (Com a arma apontada pra baixo.) Você nunca me ouviu. Dediquei minha vida a você. E você nunca deu valor. Perdi minha juventude ao seu lado. E você me desprezando, sempre. Me usando como um mero pedaço de carne. Por que nunca reconheceu o meu valor, Soraya? Por que?

Soraya- Você tem valor. Eu te dou valor. Eu gosto de você, Ednardo. Larga essa arma,meu filho...

Ednardo- Você é que só pensa em dinheiro! Só pensa em gastar, em torrar a grana. É por isso que faliu. E se voltar a ter dinheiro, vai falir de novo. Porque só pensa nas aparencias,  só quer se mostrar. Quer sempre parecer que esta por cima. Estou cheio. (Pegando o contrato em cima da mesa.) Este contrato é tudo que você tem. É isto que tem importância pra você. Eu não significo nada.

Soraya- Não é verdade. Você é tudo o que eu tenho nesta vida. Eu preciso de você. Deixa de bobagem. Deixa essa arma de lado e vamos nos divertir. Por favor, Ednardo, não faça nada que possa se arrepender depois, meu querido.

Ednardo- Eu não vou me arrepender. (Atira contra a própria cabeça e cai da janela do décimo quinto andar junto com o contrato que se espalhou pela rua na noite chuvosa.)

(Soraya grita desesperada da janela. Vizinhos entram para acudi-la.)
    

                                                       
                                                              Fim.