terça-feira, 31 de janeiro de 2012

SEM RESPOSTA de Regina Célia Vieira

Tema: Velório.


Personagens:


Henrique
Otávio
Laurinda
Luiz
Décia
Mãe
Pai
Dr. Arnaldo
Filho
Segurança
Homem 
Mulher


( Henrique se aproxima de Otávio) 


Henrique- O que foi?

Otávio- Erro médico.


Henrique- Erro médico?


Otávio- Hum! hum!


Henrique- Como assim? O que ela tinha?


Otávio- Não sei. Só sei que o médico errou.


Henrique- E agora?


Otávio- Agora, o que?


Henrique- Como eu vou saber do que ela morreu?


Otávio- Já disse! Foi erro médico! 


Henrique- Erro médico não é doença, Otávio! Que doença que ela tinha?


Otávio- Pergunta pra alguém da família!


Henrique- Caramba! Eu já dei os pesames pra eles! Agora vou voltar lá pra peguntar isso? É chato, né? Eu não sou amigo da família. Só vim, porque ela era nossa colega.


Otávio- Era uma boa colega. 


Henrique- Era. Mas eu só falava com ela, o essencial.


Otávio- Eu, também.


Henrique- Ela era timida.


Otávio- Muito timida.


Henrique- Quase não conversava.


Otávio- Era muito calada.


Henrique- E agora?


Otávio- Agora, o que?


Henrique- Como vou saber, como ela morreu?


Otávio- Pergunta pra outra pessoa no velório!


Henrique- Boa ideia!


(Se dirigindo a um homem) 


Henrique- Por favor! Meu nome é Henrique! Eu era colega da Laurinda. É uma pena o que aconteceu!


Homem- Lastimável!


Henrique- O senhor sabe do que ela morreu?


Homem- Foi erro médico!


Henrique- Isso eu sei! Mas ela sofria de que?


Homem- Não sei! Na verdade, eu sou amigo do irmão dela. Nem a conhecia.  E eu fiquei sem jeito de falar sobre doença com ele. Mesmo porque, se eu falo neste assunto,  começo a sentir as dores da pessoa e acabo passando mal. Aliás, hoje eu não estou muito bem! É que eu sofro de gota...


Henrique- Estimo suas melhoras, senhor! Obrigado!


Otávio- E então? Descobriu o que ela tinha?


Henrique- Que nada! O homem começou a querer falar da doença dele. É hipocondriaco.


Otávio- Aqui não é o melhor lugar pra um hipocondriaco ficar.


Henrique- Pois, é! E o pior é que eu ainda não descobri o que ela tinha.


Otávio- Mas isto, não importa! O que importa é que ela não tem mais.


Henrique- O que?


Otávio- O que ela tinha. Ela não tem mais, o que ela tinha.


Henrique- (Olhando para Otávio, sem entender)


Otávio- Ela não tem mais, o que ela tinha, porque ela morreu! Entendeu, agora?


Henrique- Ah! Tá! Ih, Otávio! Você não bate bem, não!


Otávio- Você é que não bate bem. Fica aí, querendo saber o que a mulher tinha. Ela se foi. Foi erro médico. É o que importa.


Henrique- Foi erro médico! E alguém vai processar o médico?


Otávio- Bom! Isso, eu não sei!


Henrique- Eles tem que processar o médico! Ele tem que pagar pelo seu erro. Alguém vai ter que indenizar a família! Não é justo que isso fique assim. O que o incompetente desse médico, pensa que é? O Hospital também tem que pagar, porque eles não podem...


Otávio- Para Henrique! Tá ligado no 220? Não para de falar.


Henrique- É que agora, além de eu estar encafifado com a doença dela, eu quero saber, também,  se eles vão processar o médico.


Otávio- Mas, por que você quer saber isso? Não é da sua conta. Foi sua mulher que morreu? Alguém da sua família? Não! Então fica na sua e reza por ela. Que é disso que ela precisa.


Henrique- Não consigo me concentrar na reza! Enquanto não resolver isso, não sossego.


Otávio- Meu Deus! E eu é que não bato bem! 

Henrique- Ah! O Luiz tá alí! Vou perguntar pra ele.


Henrique- Oi, Luiz!



Luiz- Oi, Henrique! Que coisa, hein! Você sabe do que ela morreu?


Henrique- Era isso que eu ia te perguntar!


Luiz- Eu não sei! A mãe e o pai dela estão tão transtornados, a familia toda. Parece que foi muito rápido.


Henrique- Dizem que foi erro médico. Mas pelo jeito ninguém sabe o porque do erro. O que ela tinha de fato, antes do médico cometer o erro. Isto está me deixando louco!


Luiz- Por que?


Henrique- Porque eu quero saber o que ela tinha.


Luiz- Todo mundo quer saber! A curiosidade é geral! Mas pelo 
visto, você está mais curioso que todo mundo!


Henrique- Eu não aguento querer saber uma coisa e não obter resposta. Parece um mistério. Ninguém sabe do que essa mulher morreu!


Luiz- Mas você não falou que foi erro médico?


Henrique- Foi erro médico! Mas ela tinha que ter alguma coisa, antes, pra acontecer o erro médico. Concorda?


Luiz- Nossa! Eu não sabia que você gostava tanto dela, assim!
Pensava que vocês nem se conhecessem direito!

Henrique- Eu não a conhecia direito! Eu não gostava dela. Quer dizer, eu não tinha nada contra ela. É que eu não posso ficar sem resposta. Eu fico muito nervoso, quando quero saber algo e não obtenho resposta.


Luiz- Disso eu sei! Na firma, você é assim! Quando não cosegue resolver algum problema, fica pilhado. Mas não sabia que você era assim na vida, também.


Henrique- Você não me conhece. Eu preciso desvendar os mistérios, se não fico louco!


Luiz- Calma! Alguém deve saber do que ela sofria.


Henrique- A Décia! Ela era amiga dela. Vou perguntar!


Otávio- (Pra Luiz) Ele estava te enchendo o saco com a doença da Laurinda?


Luiz- É! Mas ele não me engana, não! Pra mim ele tinha um caso com ela! Por isso, está transtornado desse jeito!


Otávio- Será?


Henrique- Tá na cara.


Otávio- Menino! Mas ela não era casada?

Luiz- Tava se separando. O marido nem está aqui. Devia ter muita mágoa dela. Também, se ela traía ele com o Henrique...


Otávio- A gente não tem certeza!


Luiz- Mas, deve ser! Olha como ele está!


Henrique- (Balançando Décia pelos braços) Décia! Para de chorar e me responde! Do que ela morreu, Décia?


(Décia só chora. Não consegue falar)


Henrique- Ai! Meu Deus! Não vou saber nunca!


Henrique- (Para Otávio e Luiz) A Décia está em estado de choque. Não consegue pronunciar palavra.  (Procurando algo nos bolsos) Droga! Cadê?


Otávio- O que?

Henrique- Ah! Nada, não!


Luiz- Você tá muito nervoso!


Henrique- Eu preciso convencer a família á processar o médico.


Otávio- Vai ver, eles já estão providenciando isto.


Luiz- Sei, não! Quando acontece uma coisa assim, a família não tem cabeça pra pensar nesses detalhes chatos.
  
Henrique- Não é um detalhe! Esse médico matou uma pessoa, tem que ser punido. Mas deixa, eu irei ajudar a família nessa parte.


Otávio- Não se mete.


Henrique- Eu tenho todo o direito de me meter! Ela merece ter sua memória honrada! (Sai de perto dos dois)


Luiz- Eles tinham um caso.


Otávio- Tinham.


Henrique- (Pra uma mulher) Desculpe! Eu preciso saber! A família vai processar o médico?


Mulher- Que médico?


Henrique- O médico que cometeu o erro.


Mulher- Que erro?


Henrique- O erro médico!


Mulher- Eu não sei do que o senhor está falando!


Henrique- Ela estava doente e morreu, vítima de um erro médico. Eu quero saber que doença ela tinha e se a família vai processar o médico.


Mulher- Eu não sei! Sou funcionária do plano funerário. Só vim verificar se está tudo em ordem.


Henrique- Mas não é posssivel?


(Todos olham para Henrique)

Henrique- (Disfarçando, volta a mexer nos bolsos do paleto e da calça. Procura algo no chão)


Luiz- Tá doidinho!


Otávio- Tá!


(Henrique pergunta a todas as pessoas do velório, menos a família de Laurinda, sobre sua doença e o processo contra o médico. Sem resposta.)


Henrique- (Para Luiz e Otávio) - Eu não aguento mais! Ninguém sabe nada na droga desse velório! E a Décia continua se acabando em lágrimas!


Luiz- Mas que coisa! Em algum momento, todos vão acabar sabendo o que ela tinha, mesmo! Sempre a gente acaba sabendo. Espera até amanhã. Lá na firma, com certeza, a rádio peão vai anunciar!


Otávio- Ah! Sem dúvida!


Henrique- Que amanhã! Eu quero saber é agora! Vou perguntar pra mãe dela!


Otávio- Você tá doido? Deixa a mulher sofrer em paz!


Henrique- E o meu sofrimento? Como é que fica? (Vai atras da mãe de Laurinda)


Otávio- Cara! Ele tá sofrendo!


Luiz- Não te falei?


(A mãe de Laurinda está amparada pelo esposo e pelo filho)


Henrique- Me desculpe, senhora! Meu nome é Henrique, eu trabalhava com a Laurinda e eu preciso muito fazer uma pergunta, ou melhor, duas em uma.


Mãe- (Desolada) Pode perguntar? 


Henrique- Qual era a doença de Laurinda? E vocês vão processar o médico pelo erro?


Mãe- Erro? O médico não cometeu erro algum! 


Henrique- Mas está todo mundo falando que Laurinda morreu por causa de um erro médico.


Mãe- O médico de minha filha é o dr. Arnaldo que está bem alí. Ele deu o diagnóstico errado, sim. Mas não foi culpa dele. O erro foi do laboratório, que enviou os exames errados pra ele. No exame dizia, que minha filha tinha um aneurisma inoperável e que tinha pouco tempo de vida. Só que os exames eram de outra paciente com o mesmo nome de minha filha. Minha Laurinda não tinha doença alguma. (Cai no choro)


Henrique- ( Nem aí pro choro da mulher.) Mas e a outra paciente já sabe que tem essa doença?


Mãe- ( Se recompondo) Não! Ela morreu antes dos resultados 
saírem. Me informaram no hospital.


Henrique- Mas se Laurinda não estava doente... Como ela morreu?


Pai- Meu senhor, chega de perguntas.


Henrique- Não! Eu preciso saber! Por favor me responda!


Mãe- (Para o marido) Pode deixar, querido! Eu falo! (Para Henrique) Minha filha, quando recebeu o diagnóstico, não aguentou o choque e teve um infarto fulminante. (Chorando muito)
Dr. Arnaldo tentou reanimá-la, mas não conseguiu! Minha Laurinda!


Henrique- (Fora de si) Yes! Yes! Yes! Agora eu sei o que ela teve! Que alívio!

(Todos o olham atônitos)


Pai- Mas que absurdo é este?


Otávio- Enloqueceu de vez!


Luiz- Eu não conheço, hein!


Henrique- Agora a pergunta que não quer calar! Vocês vão processar o laboratório?


Mãe- Tirem este louco daqui!


(O irmão de Laurinda e um segurança seguram Henrique pelos braços e vão levando-o para fora do recinto)


Henrique- Eu tenho que saber! Eu não vou conseguir dormir sem resposta. Vocês precisam processar...ar, ar... (perdendo a cor) Meu re-me... (Cai desmaiado)


Filho- Por favor, Dr. Arnaldo!


Arnaldo- (Examinando Henrique) Está morto.


(Burburinho)


Otávio- O Henrique? Morto?


Luiz- Não acredito!


Décia- (Chorando)  Achei essas caixas de remédio, devem ser dele!


Otávio- Era isso que ele estava procurando!


Luiz- Pobre Henrique! Que descanse em paz!


Arnaldo- Este é um remédio que controla a ansiedade. É receitado para pessoas que sofrem de Transtorno Obsessivo Compulsivo, mais conhecido como TOC.


Otávio- O Henrique tinha TOC!


Luiz- Coitado!


Arnaldo- E este é um remédio para controlar a pressão. O homem além de ter Toc, era hipertenso. Provavelmente passou, muito, da hora de tomar os remédios, por isso ele estava tão alterado. O pobre 
teve um infarto fulminante. É preciso avisar a família.


Décia- (Chorando) Eu posso avisar a família dele! 


Arnaldo- Ele era seu amigo?


Décio- Não. Eu trabalho no RH.


Luiz- Até que foi um final bonito!


Otávio- Como assim?


Luiz- Ela moreu de infarto. Ele, também. Agora eles podem ser felizes no céu!


Otávio- Mas será que eles vão se encontrar?


Luiz- Não sei. Mas é bonito pensar assim!


Otávio- Assim, como o Henrique, esta história morre aqui.


Luiz- Claro! Não vou passar adiante, não!


Otávio- Mas quem diria? O Henrique e a Laurinda?


Luiz- Pois, é!


Os dois- Quem diria!   





segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

SERVIÇO DE PRIMEIRA de Ronaldo Fernandes

Tema: Velório



Som de telefone. Entra Rivalda correndo. Atende-o.

RIVALDA: Alô. Sim. É daqui mesmo. Não diga. Quando foi? Nossa ainda está fresquinho. Desculpe o jeito de falar. Claro. Claro. Aqui nós temos diversos kits e é o freguês quem escolhe.  Sim. Tudo depende de quanto se pode pagar. Nessas horas ninguém está preparado... A gente passa uma vida poupando para aproveitar. Entendo. Quantos anos? Desculpe a pergunta, mas é que alguns kits não combinam com pessoas muito idosas. É que quando se é jovens é mais dolorido. Sim. Entendo. Entendo mesmo. É um momento único na vida da gente.  OK. Só um minuto que vou pegar a agenda para anotar o pedido e a hora. Só um minuto, por favor. (Grita) Ô Elaine, Elaine. Elaine você está me escutando?
ELAINE: (Fora da cena) Só um minuto que to no banheiro.
RIVALDA: Isso são horas de ir ao banheiro?
ELAINE: Como eu seu mandasse no meu fiof... Nada...
RIVALDA: É número dois?
ELAINE: Não. É merda mesmo!
RIVALDA: Que grosseria.
ELAINE: Espera um pouco que to só me limpando. Já vou.
RIVALDA: (Voltando ao telefone) Só um minuto, por favor. Fique tranquila que nosso serviço é de primeira. Só estou pegando a agenda e vendo se tem espaço na data que a senhora precisa... Claro. Claro. Eu entendo. É momento muito importante na nossa vida, por isso prestamos sempre o melhor serviço. Somos certificadas pela ISSO 9000.

Entra Elaine.

ELAINE: Que foi? O que tu quer?
RIVALDA: (Ainda ao telefone) Claro senhora. Claro. Só um minutinho. (Para Elaine) Pega a agenda porque temos uma encomenda.
ELAINE: Mas nós estamos lotadas.
RIVALDA: Pega lá e não discute. Que merda.
ELAINE: Nossa como está bravinha.
RIVALDA: Vai lá e pega a merda da agenda.

Elaine sai.

RIVALDA: (Voltando ao telefone) Não chore fofa. Não chore. Isso é da vida. Dói, mas a gente acostuma.

Volta Elaine com a agenda e caneta.

ELAINE: Aqui está a agenda.
RIVALDA: (Ao telefone) Pra quando? Amanhã às três horas?
ELAINE: Da tarde ou da madrugada?
RIVALDA: (Ao telefone) Da tarde ou de madrugada? Da tarde.
ELAINE: (Olhando a agenda) Só tem pras quatro.
RIVALDA: (Ao telefone) Só tem pras quatro. Pode ser? Pode então? OK.
ELAINE: (Marcando na agenda) Tá marcado?
RIVALDA: (Ao telefone) Qual o endereço? Rua dos ingleses, número 33.
ELAINE: (Marcando na agenda) Rua dos ingleses, número 33.
RIVALDA: (Ao telefone) Claro que sabemos. Nós estamos ai dia sim, dia não. Esse local é muito procurado.
ELAINE: Pergunta logo o nome do que fez a passagem. Que saco.
RIVALDA: (Ao telefone) Querida eu preciso perguntar... Quem fez a passagem? Qual o nome? Ah são dois. É um casal.
ELAINE: Fala então que o valor é dobrado.
RIVALDA: (Ao telefone) Temos que cobrar por dois. Absudo que nada. Sendo dois velórios, temos que cobrar dois serviços.
ELAINE: Claro. Se forem dois mortos, temos que cobrar por dois. Olha só a folgada.
RIVALDA: (Ao telefone) Podemos até negociar um desconto, mas a taxa é pra dois mortos. Por favor...
ELAINE: Que saco. Manda parar de chorar e dá logo o nome dos que fizeram a passagem. Esse povo chora. A morte faz parte da vida. Uns nascem e outros morrem.
RIVALDA: (Ao telefone) Eu entendo querida que é um momento de dor, mas esse é nosso ganha pão, se vamos chorar pra dois mortos, temos que cobrar por dois... Sim. Isso mesmo. Nós temos três kits: Choro contido com soluço. Choro desesperado com gritos. E choro desesperado seguido de desmaio...
ELAINE: Com desmaio é o mais caro e fala que tem que ter espaço. Dá ultima vez, quando fui desmaiar o espaço era tão pequeno que bati com a cabeça numa pilastra e chorei de verdade, de tanta dor que senti.  Puta que pariu.
RIVALDA: (Ao telefone) O choro contido com soluço custa duzentos reais, mas pra senhora pode ficar por trezentos, já que são dois. Nós ficamos por volta de uma hora. Chegamos, cumprimentamos todo mundo que está por ali, depois nos dirigimos às beiradas do caixão, olhamos bem firme pro morto e começamos a chorar baixinho, bem baixinho, depois o choro se transforma em soluços. Sim. Sim. É bem convincente.
ELAINE: Convincente? Fala pra ela que temos registro profissional.
RIVALDA: (Ao telefone) Temos DRT sim. DRT é o registro para atrizes...
ELAINE: Fizemos banca e tudo.
RIVALDA: (Ao telefone) O choro desesperado com grito está por quatrocentos reais, mas pra senhora sai por seicentos... Ué por que são dois lembra?
ELAINE: Não acredito que ela tá achando caro.
RIVALDA: (Ao telefone) Nós ficamos por volta de hora e meia...
ELAINE: É que a preparação desse leva mais tempo, afinal a dor da perda vai num crescendo.
RIVALDA: (Ao telefone) É que esse antes passa pelo choro contido com soluços. É o mesmo processo, só um pouco mais demorado porque precisamos estar muito emocionadas... E o último é o choro desesperado seguido de desmaio que está saindo por oitocentos reais. Nossa. Esse é muito dolorido. Muito. A senhora precisa ver como as pessoas ficam tocadas. ELAINE: Oitocentos reais para um só.
RIVALDA: (Ao telefone) Oitocentos é pra um só. Pra senhora, que são dois mortos, podemos fechar por um mil e quatrocentos...
ELAINE: Não acredito que ela tá achando caro.
RIVALDA: (Ao telefone) Esse é o mais caro porque é que leva mais tempo. Da chegada até o desmaio tem um tempo de concentração grande.
ELAINE: É um tal de trazer água com açúcar, calmante... Da ultima vez tomei um rivotril e comecei a achar que o morto era meu primo. Fico louca. Comecei gritar, chorar, até que desmaie e me levaram para santa casa.
RIVALDA: (Ao telefone) Sim. A senhora entendeu. O choro desesperado seguido de desmaio começa com o choro contido com soluços e passa pelo choro desesperado com grito...
ELAINE: Saímos exaustas. Por isso ele é mais caro. São duas horas de muita dor e sofrimento.
RIVALDA: (Ao telefone) Precisamos saber os nomes...
ELAINE: Como vamos gritar pela pessoa? É importante saber o nome. Lembra que eu gritava Eduardo no velório da Tamires?  Foi um mico.  Mas todo mundo que estava no velório entendeu por que era uma perda muito grande e eu estava muito transtornada. Me deram até um Valium.
RIVALDA: (Ao telefone) Nos apresentamos como primas. Geralmente como primas.  OK senhora. Então a senhora quer o choro desesperado seguido de desmaio?
ELAINE: Fala que tem que pagar cinquenta por cento antes.
RIVALDA: (Ao telefone) A senhora deposita a metade. Banco da cidade - agencia 33, conta 07328-6. E o restante pode parcelar em até três vezes no cartão de crédito. Então tá OK. Confirmado amanhã as quatro. Primeiro checamos o depósito e estando tudo certo, chegamos lá no horário. Sim. Somos extremamente pontuais. Vamos de preto sim senhora. Nos vemos amanhã na rua dos ingleses, número 33...
ELAINE: Qual o velório?
RIVALDA: (Ao telefone) Qual o velório? O de número quatro? OK. Faça o depósito dos setecentos reais e estaremos lá as quatro horas da tarde. Fique tranquila, somos muito discretas. Qual o seu nome? Vanda.
ELAINE: (Anota na agenda) Vanda.
RIVALDA: (Ao telefone) Vai depositar trezentos? Então... A senhora vai contratar só para um?  Nossa. As pessoas vão comentar.  Bom, nesse caso não podemos dar o desconto. O depósito deve ser de quatrocentos reais, pois o choro desesperado seguido de desmaio sai por oitocentos reais. Só dávamos o desconto se fosse pra dois.
ELAINE: Um dos mortos vai ficar sem choro? Credo. Que mulher sem coração.
RIVALDA: (Ao telefone) Tudo bem. Faça o deposito dos quatrocentos reais. Estamos aqui pra fazer nosso trabalho. Muito obrigada Dona Vanda. Fique tranquila. Nosso serviço é de primeira. Beijo. Pode ficar sossegada... Mas qual o nome do morto?
ELAINE: O nome do morto?
RIVALDA: (Ao telefone) Alô. Alô. Alô... IH, desligou.
ELAINE: Puta que pariu, vamos ter que improvisar.

O VELÓRIO DE MARIA de Marcus Di Bello

TEMA: VELÓRIO

(Velório. Rita de Cássia, Rita de Jesus e Rita de Paula estão de preto. Véu cobre as cabeças. Rezam)

RITA DE CÁSSIA
De que morreu Maria?

RITA DE PAULA
Ouvi dizer que foi suicídio.

RITA DE JESUS
Não. De suicídio foi a Maria dos Prazeres, semana retrasada.

RITA DE CÁSSIA
E por que se matou?

RITA DE JESUS
Dizem que estava devendo quinhentos dinheiros para o padeiro.

RITA DE CÁSSIA
É mesmo?

RTA DE PAULA
Já eu ouvi dizer que ela, na verdade, tinha um caso com o padeiro. O marido que encomendou a morte.

RITA DE JESUS
Que horror!

RITA DE CÁSSIA
E essa Maria então, morreu de quê?

RITA DE JESUS
Essa é Maria dos Remédios. Morreu depois de levar um tombo.

RITA DE CÁSSIA
As pessoas caem com muita facilidade hoje em dia. A vida é assim: aprendemos a andar, andamos até dizer chega e, depois, desaprendemos a ter equilíbrio.

RITA DE PAULA
Tem gente que desanda na vida. Como a Maria dos Prazeres, que se encontrava toda a noite com o padeiro.

RITA DE JESUS
Não fala assim de quem já morreu.

RITA DE PAULA
E vocês não estavam aí falando da Maria dos Remédios?

RITA DE CÁSSIA
Mas eu vi Maria dos Remédios hoje pela manhã.

RITA DE JESUS
É verdade?

RITA DE CÁSSIA
Juro que é verdade. Vi com esses olhos que a terra há de comer.

RITA DE PAULA
Não fale em morte!

RITA DE JESUS
Mas então essa não pode ser Maria dos Remédios. Então, só pode ser Maria da Graça.

RITA DE CÁSSIA
Maria da Graça, aquela que estava com um tumor na perna esquerda?

RITA DE PAULA
Ela tinha um tumor na perna esquerda?

RITA DE JESUS
Ouvi dizer que cancerígeno.

RITA DE CÁSSIA
Se tratava com Maria dos Remédios.

RITA DE JESUS
Ouvi algo sobre isso também.

RITA DE PAULA
Por isso morreu, já que Maria dos Remédios não podia mais tratá-la.

RITA DE CÁSSIA
Mas Maria dos Remédios está viva.

RITA DE PAULA
Verdade.

RITA DE JESUS
Esqueçam. Vejam Maria da Graça ali.

RITA DE CÁSSIA
Perto do padeiro!

RITA DE PAULA
Que descarada.

RITA DE JESUS
Mas se não é Maria da Graça, quem morreu?

RITA DE PAULA
Será Maria das Dores?

RITA DE CÁSSIA
Morria de dor a coitada.

RITA DE JESUS
Encontrei-a semana passada.

RITA DE CÁSSIA
E então?

RITA DE JESUS
Viva como rocha.

RITA DE PAULA
Mas rocha não é viva.

RITA DE JESUS
Maneira de dizer.

RITA DE PAULA
Então, que Maria morreu?

RITA DE JESUS
O velório está no fim.

RITA DE CÁSSIA
Estão levando o caixão.

RITA DE PAULA
Não dá mais tempo de saber.

RITA DE JESUS
Existem tantas outras Marias.

RITA DE PAULA
Não seria Maria da Farmácia?

RITA DE CÁSSIA
Não conheço Maria da Farmácia.

RITA DE PAULA
Eu também não, foi uma última tentativa.

RITA DE JESUS
Não sei que Maria morreu, mas sei quem vai morrer.

RITA DE CÁSSIA
Quem?

RITA DE JESUS
Nós três. Mortas de curiosidade.

RITA DE PAULA
Achei que seria o padeiro. Bem que merece aquele cafajeste.

(Fade-out, enquanto elas continuam discutindo)

sábado, 28 de janeiro de 2012

A MORTA de Kadu Veríssimo

(tema velório)

Personagem

Matilde

(Matilde vê através de um telão o seu próprio enterro, ela deitada no caixão, várias pessoas em volta chorando, flores...Matilde esta sentada em um banco que parece um banco de igreja, há uma grande porta dourada a sua esquerda , um grande telão na sua frente e muito gelo seco no chão)

Matilde
Eu acho muito engraçado isso, olha só quem ta chorando por mim, a tia Isaurinha...aquela desgraçada sempre me judiou, nunca gostou de mim e agora vem chorando essa lágrima de crocodilo? Falsa.... e quem é esse monte de gente? , tem gente que eu nem conheço...(olha pros lados) será que só eu morri hoje é? ...tô sozinha aqui nesse purgatório, com esse telão de Led só pra mim... mas não tem um controle remoto aqui...eu quero ver é minha novela, vou querer ver meu próprio enterro? Eu não... (grita) Ô , alguém aí? Troca de canal pra mim... troca...tá muito chato isso... não tem ninguém pra me atender aqui...vou ter que ficar esperando o que?

(a imagem no telão fica turva)

Matilde
Olha, me ouviram...será que vai passar a novela hein...

(no telão aparece Matilde roubando coisas no mercado)

Matilde
Que isso? Filmaram isso? Mas não tinha nem câmera naquela época...

(a imagem muda, aparece Matilde com um homem na cama)

Matilde
Sérgio? Quanto tempo...

( no telão aparece Sérgio pulando a janela e o marido de Matilde entrando no quarto)

Matilde
Mas será possível? Só vai passar as coisas ruins que eu fiz na vida...e as coisas boas cadê? Não passa nada? Mostra aí alguma coisa boa que eu fiz na vida, mostra...

(o telão fica como se estivesse fora do ar, com as listras coloridas)

Matilde
Mas que sacanagem.. eu tô morta e não me aparece ninguém...cade os anjos? Os querubins? Pensei que chegando no céu teria um monte deles tocando a corneta pra mim...
Mas não tem nada...nem ninguém...O inferno é que não pode ser, assim tão tranqüilo, o inferno era lá onde eu vivia ah sim, aquilo que era um inferno, quem pega ônibus cansado na volta do trabalho, lotado, com um suvaco fedido bem na tua cara, algum safado te passando o pinto, ou tentando roubar sua bolsa, sabe bem o que é o inferno...e isso aqui não ta com cara de inferno... viu...eu sofri muito, ta escutando...mostra aí aguma coisa do meu sofrimento...

(continua fora do ar)

Matilde
Eu não sei o que fazer?, não sei pra onde eu vou?O que eu faço?Não tem uma cartilha, um manual de instruções nada, não sei o que fazer...vou esperar...Ainda bem que morri com essa bolsa, porque nela tem tudo o que eu preciso pra esperar nem sei o quê...Essa barrinha de cereais é salvadora, to morta , mas to com fome, como é que pode isso?Ela sempre ficou aqui na bolsa, sempre, deve estar até vencida, mas agora isso não tem um pingo de importância...(come), sempre carrego uma barrinha na bolsa, pra um momento de fome...sempre foi essa mesma, porque sempre quando estava com fome, nunca comia ela, parava numa padaria e mandava ver...porque isso aqui não mata a fome de ninguém, ah não mata...
Eu morri do que mesmo? Será que foi de fome?Não pode ser...eu não consigo lembrar...só sei que estou morta...isso eu sei...

(o telão funciona)

(aparece um anjo de graça com outro anjo)

Matilde
Gente? Que isso? Que pouca vergonha...

(os anjos através do telão olham pra ela, e sem graça saem voando)

Mas ninguém vai me dizer nada, vou ficar aqui esperando, volta pro meu velório então , se não vou dormir aqui...

(telão mostra velório)

Mas já foi quase todo mundo embora...quem é aquela ali...

(aparece uma menina no cantinho, chorando)

Eu não me lembro dela...e ela ta chorando ... quem é ela?

(a menina olha pra Matilde)

Mas ela ta olhando pra cá, como assim será que ela ta me vendo?
Quem é essa menina ? quem é?

( a menina vai se aproximando do caixão, olha para os lados e arranca as jóias e anéis da defunta, vê que não tem ninguém olhando abre a boca da morta e arranca os dentes de ouro)

Matilde
Mas que filha da puta, ela tá me roubando... de que igreja essa desgraçada é...

(põe a mão na boca)

Tô banguela, a filha da puta vai me deixar banguela na eternidade, nunca mais vou sorrir pra ninguém, e quando encontrar São Pedro? , a Nossa Senhora? , como vou pedir a benção? , não vou poder sorrir pra Virgem Maria?

( repara que esta sem jóia também)

(grita)

Minhas jóias, olha isso, to me sentindo nua, mas nem na eternidade a gente descansa... queria estar morta pra não ter visto isso... e nada de alguém chegar...nada se resolve...será que vou ficar aqui pra sempre gente...

(luz vai baixando)

Matilde
Como assim essa cena vai acabar sem resolver nada da minha morte... pode jogar uma luz aí, nada de Black-Out...

(luz vai morrendo mais)

Matilde
Não me deixa aqui sem resolver meu problema por favor, pra onde eu vou? , o que vai ser de mim? Eu vou reencarnar? Vou voltar como rainha? Piranha? Cachorro?  Acende essa luz acendeeeeee !!!!!!!!!!

(grita)

Matilde
Eu vou voltar pra puxar teu pé, por favor, não me deixa nessa dúvida , o que vai ser a minha vida? , quer dizer a minha morte?

(telão apaga, Black-Out)

Matilde
Filho da puta!

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

BUSÃO 33 de Kadu Veríssimo


(Tema Traição)

* baseado em uma história real 

Personagens

Dete
Jurema
Jurandir
Melissa
Motorista


(no ponto de ônibus)

Jurema
Minha filha tu tem certeza que é esse ônibus que a gente pega?

Dete
Claro que é mãe, sempre pego ele, meu marido Jurandir que me explicou, a gente pega o 33  e desce logo em frente ao mercado.

Jurema
Seu marido ta trabalhando?

Dete
Ta sim, ta com um emprego bom, mas ta trabalhando demais, fica sem tempo pra mim, pros filhos, é tudo pro trabalho, ele é esforçado, trabalhador...

Jurema
Que bom né filha, olha ali o ônibus, faz o sinal...

(elas entram )

(dentro do ônibus)

Dete
Vixi Maria mais que ônibus lotado...(vê um moleque sentado na área reservada) ô muleque quer fazer o favor de descer daí que minha mãe já é idosa...

Jurema
Precisa não filha...(sem graça)

Dete
Precisa sim, essa mulecada tem que ter mais educação, vamos muleque, sai daí...

( o menino sai)

(vai reclamando acompanhando o garoto com os olhos até o fundo do ônibus, quando franze seus olhos para enxergar algo de longe)

Dete
Eita, o que é aquilo ali?

Jurema
Aquilo o que minha filha?

Dete
Ali minha mãe, ali no fundo, não é o Jurandir?

Jurema
Onde? (vira) olha é ele mesmo, e ta com uma amiga dele...quem é?

Dete
Amiga minha mãe? que amiga o que , olha ele ta com as mãos na coxa dela

Jurema
Eu não acredito

Dete
Eu vou lá...

Jurema
Não filha fica aqui ... deve ser uma amiga olha lá...(elas olham e ele esta beijando a moça na boca) Crê em deus pai...(pega a filha pelo braço) fica aqui Dete, nem pensa em...

Dete
Me larga mãe que eles vão ver o que é bom pra tosse

(Dete vai passando entre os passageiros no ônibus lotado, sua mãe Jurema espreita tudo de longe, Jurandir e Melissa  a garota que está com ele não percebem a presença de Dete , que está agora ao lado deles)

Dete
Será que eu posso atrapalhar o casal?

Jurandir
Dete???

Melissa
Quem é amor?

Dete
Amor? Eu que te pergunto, quem é essa biscate?

(se altera, todo o ônibus começa a olhar)

Melissa
Ta louca? Nem te conheço pra vir me xingar...

Dete
Pergunta pra esse puto quem eu sou, vai, pergunta sua biscate...

Melissa
Quem é essa louca Jura?

Jurandir
(gaguejando) ela...é...ela...é....

Dete
Fala condenado, fala que eu sou sua esposa... a sua mulher... a patroa

Todos do ônibus
Vixi...

Melissa
Mulher? você é casado?

Dete
Tu além de puta é cega? não viu a aliança grandona no dedo desse cafajeste ?

Melissa
(olha para a mão de Jurandir) É verdade, nunca tinha reparado...

Dete
Repara nisso aqui então...

(dá uma bofetada na cara de Melissa) 
( as duas rolam pelo ônibus , todos gritam ,, torcem, Jurema tenta ir acudir a filha mas não consegue passar)

Dete
Abre a porta aí motô, abre a porra dessa porta

Jurandir
Você vai fazer o quê dete, para com isso...

(O Motorista abre a porta, Dete joga Melissa pra fora do ônibus em movimento)

Jurandir
Meu Deus, o que você fez?

Dete
Essa não mexe mais com marido das outras , agora é com você

Jurandir
Olha Dete não é nada disso que você ta pensando

Jurema
(grita ) Para filha pelo amor de Deus...

Dete
Não te mete minha mãe, agora esse cafajeste vai ter o que merece...

Todos do ônibus
Mata! Mata! Mata!

(Dete se atraca com Jurandir, Jurema sua mãe tenta apartar e leva um bofetão, confusão geral, pancadaria dentro do ônibus, o motorista para)

Motorista
Como é que é? vamos acabar com essa palhaçada!

(Jurandir aproveita pra correr)

Dete
Corre seu cagão filho da puta, corre que tuas coisas vão estar no lixo quando chegar em casa...vou fazer fogueira com tudo seu cafajeste, seu broxa ruim de cama.

( o ônibus aplaude Dete)

Dete
(arrumando os cabelos como se nada tivesse acontecido) Segue aí ô motorista que minha mãe tem que fazer compra no mercado... anda logo vai ficar aí olhando...

Motorista
Não, não...vamos embora...

Dete
Bora, segue aí com esse 33, mas vamos rápido que eu tô com pressa...

Motorista
Sim sra

( a viagem segue tranqüila, silêncio absoluto)
(Dete chora baixinho)

Black-out

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

CLIENTE ANSIOSA. CABELEIREIRO SENSÍVEL de Regina Célia Vieira

Tema: Traição




(Salão de cabeleireiro lotado. Julia entra.)




Julia- Oi, Toninho!




(Toninho está fazendo uma escova.)




Toninho- Oi, Ju! Como vai? Veio marcar hora?




Julia- Pra hoje! Dá pra ser?




Toninho- Claro que não! Né, nega? Não tá vendo que eu tô lotado? Só pra semana que vem. Tô com essa semana cheia!




Julia- Pô, Toninho! Eu tenho um evento amanhã! Me encaixa aí!




Toninho- Te encaixo, sim! Pra semana que vem, que também tá lotada, mas vai dar pra te encaixar. Eu te disse, que comigo já tem que deixar marcado pro próximo mês. Fez o cabelo, já deixa marcado pro

mês que vem. Eu sou um sucesso. Não sabe disso?




Julia- Mas eu sou sua cliente antiga! Não é possível, que entre uma escova de chocolate e outra, você

não possa me atender.




Toninho- Se fosse só o corte, tudo bem! Mas nesse traste aí, tem que fazer tudo. Hidratar, colorir,

cortar e fazer um penteado. Não é pra um evento

que tu vai? Demora pra vir aqui, deixa o cabelo ficar horrível, e depois, quer hora pra ontem? Faça-me um favor!




Julia- É! Mas também, você cobra uma fábula pra fazer o cabelo da gente. Não dá pra vir sempre.




Toninho- Ainda vem falar do meu preço! Olha, só não te dou um supapo, porque tô com a mão na

cliente, se não tu ia ver, Julia. Marca pra semana

que vem, que eu te atendo. Vai lá e marca com a Leilinha. Anda.




Julia- E eu vou pro meu evento, como?




Toninho- Poe uma peruca. Aquela que eu te vendi no ano passado. É belíssima! Muito mais bonita que esse teu cabelo. Aliás qualquer piaçava é melhor

que isso aí. Nem pra fazer a manutenção na obra da gente. Dá raiva, viu!




Julia- Como você é grosso, Toninho!




Toninho- Vai Julinha. Não me atrapalha, que eu não quero fazer merda na cabeça da cliente.




(Julia sai sem marcar hora)




Toninho- Ô! Julinha! Tu não vai marcar hora? Foi embora! (Para a cliente) Não liga não, Izildinha! A gente é que nem irmão!




Julia- (Fora do salão)- Ele vai ver só! Vou no maior concorrente dele. Deixa!




(No concorrente)




Julia- Nelsinho! Tudo bem?




Nelsinho- Oi, querida! Eu já te conheço? Já fez cabelo aqui?




Julia- Meu nome é Julia. Várias amigas minhas te indicaram. Me disseram que você é o melhor cabeleireiro da cidade.




Nelsinho- Olha! Modéstia á parte, sou mesmo! Mas o que você quer fazer?




Julia- Quero cortar, só um pouco, pintar, escovar e fazer um penteado bem chic. Pode ser, hoje? É que eu tenho um evento amanhã e quero ficar bonita.




Nelsinho- Faremos o possível! Tenho vários assistentes. Mas o único que está disponível, agora, é o Edinho. Vou te deixar nas mãos dele. Edinho! Venha!




Julia- Não poderia ser você, mesmo? É que....




Nelsinho- Infelizmente, neste momento, não posso! Estou ocupado com outra cliente. A não ser, que você queira marcar pra semana que vem.




Julia- Não! Tem que ser hoje. O evento é amanhã. Deixa! Pode ser o Edinho, mesmo.




Edinho- Senta aqui. Qual o seu nome?




Julia- Julia.




Edinho- Então, Julia... Vamos lavar?




(Já na tintura.)




Edinho- (Tomando café com Nelsinho, enquanto suas clientes esperam a tinta agir)- Mas você sabia que ele era casado?




Nelsinho- Claro que eu sabia!




Edinho- E continuou saindo com ele, mesmo assim?




Nelsinho- E daí? Ele é que é casado, não eu!




Edinho- Destruidor de lares!




Nelsinho- O que é que eu posso fazer? O homem resolve sair do armário. E a culpa é minha?




Edinho- Tu não presta! Tu não presta!




Julia- Edinho!




Nelsinho- Você é que tá demorando pra se libertar!




Edinho- Que é isso? Eu sou hetero, você sabe muito bem!




Julia- Edinho! Acho que já tá bom!




Nelsinho- A gente tem radar! Eu sei que você é gay!




Edinho- Isto é preconceito! Não é porque eu sou cabeleireiro, que sou gay! Se a minha mulher te ouve falar assim, não me deixa mais, trabalhar aqui.




Julia- Edinho! Oh! Edinho!




Edinho- O que foi? Minha nossa! Já passou da hora! Vamos lavar!




(Depois da lavagem)




Edinho- Ai! Minha Nossa Senhora!




Julia- O que foi? (Se olhando no espelho) Aaaaaaaahhhhhhh!!!!!!!! Tô parecendo uma cenoura!




Edinho- Eu dou um jeito...




Julia- Não ouse tocar em mim! Pra que, que eu fui deixar o meu cabeleireiro? Meu Deus!




Nelsinho- Você não é gay, mesmo! Uma bicha

decente, jamais faria uma trabalho de porco como esse. Você está no olho da rua! Fora!




Edinho- Você vem me contar da sua vida, me atrapalha. E me poe na rua?




Julia- Eu vou processar vocês! (Sai com a toalha na cabeça.)




Nelsinho- Julia! A toalha!




(Julia corre até Toninho Cabelereiro. Ele já está fechando o salão.)




Julia- Toninho! Me salva! Me salva! Toninho!




Toninho- Que é isso, criatura? Que tá fazendo, com essa toalha na cabeça?

Não! Não me diga que você teve a coragem de me trair com outro cabeleireiro?




Julia- Tive! Fui no Nelsinho.




Toninho- Nãaaaaaaaaaaaaaaao!!!!! No Nelsinho, não!!!!!

E o que você veio fazer aqui, hein?

Me mostrar a obra prima do Nelsinho? Cara de pau!




Julia- Que obra prima? Olha o que o Edinho, assistente dele, fez!




Toninho- Credo! Esse evento que você vai, é alguma festa folclórica? Caipora! Hahahahahaha!




Julia- Muito engraçado! Arruma meu cabelo, Toninho! Por favor!




Toninho- Mas eu posso com isso? Eu já estava fechando o salão. Como você pode ver, não tem mais ninguém. E eu estou morto de cansaço. Por que eu iria perder meu tempo, com uma traidora feito você?




Julia- (Ajoelhando-se)- Me perdoa, Toninho! Eu sei que errei! Mas quebra essa pra mim, vai!

Eu não posso ficar com o cabelo desse jeito.




Toninh- Ai, meu Deus! Vou mudar a placa, de Toninho Cabeleireiro, pra Toninho Funilaria.

Eu mereço consertar a cagada que outros fazem em clientes duas caras como você!

Entra, vai! Vou ver o que posso fazer. (Pra si) Você vai ter o que merece, traíra.




(Outro dia)




Toninho- Então, Cacildinha... Eu tenho várias

perucas lindíssimas, mas eu não entendo pra que você quer uma. Com esse cabelo maravilhoso que Deus lhe deu! Não tem porque!




Cacilda- Sabe como é Toninho! Ás vezes, aparece uma festa de última hora, o cabelo não tá legal... Uma peruca bem feita engana todo mundo. Mas onde estão suas perucas?




Toninho- Aí do lado! Vê?




Cacildinha- Nossa! Incrível!




Toninho- São lindas! Não são?




Cacilda- Não! Quer dizer! São! Mas eu estou espantada é com o porta perucas com aquele cabelo

ondulado. Parece gente, mesmo!




Toninho- Além das perucas, eu confecciono os porta perucas, também. Esse manequim é a cara de uma

amiga minha. Parece gente, né? É uma técnica nova. Material importado.




Cacilda- Não é bonita. Mas, em compensação, é mais perfeita que as outras.




Toninho- É que é só essa que é feita com esse material diferente. E a perua não era bonita.

Eu queria deixar como a pessoa era de fato. Sem photoshop.




Cacilda- Era? Por que? Ela morreu?




Toninho- Morreu. Tá mortinha.




Cacilda- Bela homenagem!




Toninho- Não é?




(Entra Julia com uma bandeja de café. Está completamente careca)




Julia- (Pra cliente) Aceita um cafezinho?




Cacilda- Ai!!!!!




Julia- O que foi?




Cacilda- Você é a cara da manequim com a peruca ondulada!




Toninho- É ela, a homenageada, sua boba! Só que sem a cabeleira! Hahahahaha!




Cacilda- Mas você não disse que ela tinha morrido?




Toninho- Morreu! Pra mim! Mas eu estou dando uma última chance pra ela ressucitar e voltar a

ser minha cliente e amiga.




Cacilda- E por que, isso?




Julia- Porque ele está me castigando! Me colocou pra trabalhar um mês de graça, nas férias da

Leilinha, só porque eu fui fazer o cabelo com outro cabeleireiro. E ainda por cima, me deixou careca, fingindo que ia consertar o cabelo que o outro estragou.




Toninho- Fingindo, não! Eu primeiro demorei um tempão consertando o estrago, aí sim, eu raspei.

Se não eu não poderia por pra vender! Né?




Julia- Vai vender o meu cabelo e nem permite que eu use peruca.




Cacilda- Esse cabelo ondulado é o dela? Tá lindo!




Toninho- Pois é, Julinha! Se você quiser voltar a ser minha cliente e amiga, vai ter que provar que merece. E eu não volto atrás!




Cacilda- E por que você aceita isso, menina?




Julia- Porque eu adoro o meu cabelo! E o Toninho é o melhor cabeleireirio da cidade e, é meu amigo

querido, apesar de tudo.




Toninho- E apesar de tudo, depois de você cumprir o castigo direitinho, eu vou te aceitar de volta.




Cacilda- Nossa, Toninho! Como você é mau!




Toninho- É como eu digo; Traia o seu marido, mas jamais o seu cabeleireiro. As consequencias poderão ser nefastas.




Cacilda- Toninho! Quero morrer sua amiga!




Toninho- Não é?




(Julia varre os cabelos do salão)

domingo, 22 de janeiro de 2012

“UM ESPIRITO BAIXOU EM NÓS”, de Junior Texaco


Tema: Traição
Personagens : Nivaldo, o marido
                           Dagmar, a esposa
                           Claudio, o amante/anjo
                            Clorinda, a traida

(Dagmar e o amante Claudio, estão na maior farra na cama, quando entra Nivaldo , o marido)
Nivaldo – Daguinha meu bem, tive que vir antes do fim da missa, você nem sabe, começou a me dar uma dor de barriga e ei, mas o que é isso?
Dagmar – Calma Nivaldo, não é nada disso que você esta pensando meu amor.
Nivaldo – Mas eu não estou pensando nada eu estou vendo, está aqui na minha cara pra eu ver. Você com esse cara na nossa cama Dagmar, que que é isso? Vai dizer o que?
Dagmar – Anjo Nivaldo. Ele é um anjo
 Nivaldo – Como é que é?
Claudio (Enrolado no lençol como que uma roupa de anjo e fazendo uma voz angelical)– Sim irmão sou seu anjo da guarda e estou aqui, porque és um católico bom, puro e fervoroso.
Nivaldo – Anjo?
Dagmar – É Nivaldo, anjo . Sabe aquele centro espírita que eu tenho ido? Aquele lá na encruzilhada, lembra? Então…
Claudio – E então que eu atendi as suas preces. As suas orações não foram em vão meu irmão…
Nivaldo – Mas…é fascinante! Um anjo na minha casa! Um anjo! E tão nítido, tão…físico.
Dagmar – Você vê Nivaldo, que coisa? Ele estava me explicando justamente isso quando você chegou. Vê se você entende, os meus fluidos espirituais, sabe, fazem com que ele se materialize assim tão perfeito. É cientifico. Meus fluidos são poderosissimos Nivaldo, muito, mas muito magnetizantes. Por isso que ele é tão perfeito. Parece gente de carne e osso.
Claudio – Pois é irmão, fico igual a vocês. Até pra me locomover, saca? Abrir e fechar as portas, tocar nas coisas, beber cerveja, tudo humano, tá ligado?
Nivaldo – Deus seja louvado! É um milagre Um anjo na minha casa! Um anjo. (e cai de joelhos e começa a rezar baixinho)  
(Dagmar tentar se recompôr, veste qualquer coisa e Claudio faz o mesmo)
Claudio – É isso aí, irmão. Estou aqui pra trazer muito amor pra sua Daguinha. Muita luz e muita paz pro casamento de vocês é claro. Muitas bençãos, tá ligado?   
Nivaldo – Amem seu anjo.
Claudio – Claudio, me chamo Claudio terceiro ancanjo da arcada superior.
Nivaldo – Sabe Claudio, ando precisando de uns conselhos… (e saem os dois)
Dagmar – Como tem homem trouxa nesse mundo meu Deus.
(outro dia qualquer – o anjo agora mora com o casal, esta vendo novela e tomando cerveja, Dagmar preparando o jantar la dentro. Nivaldo chega do trabalho)
Claudio – Grande Nivaldino, como é que foi o seu trabalho hoje?
Nivaldo – Foi meio estressante viu?
Claudio – Mas porque, irmão? Que houve? Meus conselhos deram certo, você melhorou de vida.
Nivaldo – Sim, sim mas não é isso, é outra coisa que está me incomodando muito
(entra Dagmar)
Dagmar – Oi o jantar está pronto.
Claudio – Um momento irmã, estou ouvindo o irmão Nivaldo que tem o coração oprimido…
Dagmar (de saco cheio) Tá.
( Dagmar sai)
Nivaldo – É que eu comentei com meus amigos lá no escritório essa estória de ter um anjo morando aqui em casa sabe? E eles acabaram me irritando. Disseram (fica nervoso) me disseram um monte de besteiras (olha meio sem jeito) de você estar comendo minha mulher (e levanta rápido) mas eu sei que não verdade eu sei que você é anjo não é? (se aproxima e senta ao lado de Claudio encarando-o nos olhos) você é anjo não é?
(Claudio levanta e se aproxima por trás de Nivaldo, e pega em seus ombros)
Claudio – Irmão, não se deixe levar por comentários maldosos, o demônio tem muitas línguas.
Nivaldo – Ah, mas as pessoas quando querem são muito maldosas, sabe que disseram? Que tiveram a coragem de dizer? Que o anjo comia minha mulher ia acabar me comendo também, me deu ódio pensei que ia matar um. Já se viu me dizer uma coisa dessas na minha cara (vai se deixando abraçar e fica nas mãos do anjo) vou a missa todo domingo de manhã e de tarde, cumpro minhas obrigações de marido, ai que massagem boa, to relaxando, sabe? Estava tão tenso… vem cá vamos conversar lá dentro, quero conhecer mais seus poderes de anjo.
(Entra Dagmar)
Dagmar – Mas e o jantar…
Claudio – Depois irmã, agora preciso resolver uma importante questão luminosa e transcendental…
(Entram os dois para o quarto)
Claudio – Vou te ensinar os misterios sagrados da masculinidade…o relax sagrado dos homens espiritualizados e conectados com as forças masculinas, saca…vamos nessa Nivaldino, que a vida é uma só.
(Dagmar fica desconfiada)
Outro dia:
(Nivaldo está sentado lendo o jornal – entra Dagmar)
Dagmar – Vamos ter uma conversinha?
Nivaldo – Algum problema, meu bem?
Dagmar – Que historia é essa de ficar pra cima e pra baixo com o anjo hein? E eu?
Nivaldo – Você o que?
Dagmar – Se faça de besta que eu…nem sei, viu?
Nivaldo – Que é isso? porque está assim?
Dagmar – Estou assim porque vocês agora não desgrudam. Primeiro você sempre ia à feira comigo no sábado, agora se arranca com ele lá pra ilha das palmas e só volta na segunda feira!
Nivaldo – Daguinha não precisa ficar assim meu anjo, olha eu não fiz por mal.
Dagmar – (alterada) Ah vá, não fez por mal, né Nivaldino? Não é assim que ele te chama?
Nivaldo – (Alterado)Não precisa gritar! Pra que tanta histeria por causa de um anjo que é meu amigo.
Dagmar- Olha, a gente tem que resolver essa estória, porque sabe, esse anjo me cansou a beleza, parece até que eu estou sobrando nessa casa, minha vida ficou vazia, Nivaldo (abana-se entre as pernas) vazia, eu sinto um oco por dentro, tá me entendendo?
(Entra Claudio de cerveja na mão)
Claudio – Opa, mas porque tanto stress, olhem a aura de vocês, ficou toda cinza de repente, vamos clarear isso aqui, que está acontecendo?
Nivaldo – (sério) O negócio é o seguinte, Claudio, nossa relação chegou num impasse, eu queria permissão celeste para te fazer uma proposta, por mim continuava tudo como está, mas, já que ela faz questão.
Claudio – (sempre angelical) Pode dizer irmão sou todo ouvido, manda aí, papo reto.
Nivaldo – (abraça a esposa) Eu e a Daguinha queremos que você seja (pausa) nosso marido.
(Claudio toma um susto, mas logo se recupera e solta: )
Claudio – Aceito sim, irmão, os céus não condenam o amor livre saca? E a missão de um anjo é sempre acompanhar os seus protegidos, tá ligado?
(Toca a campainha)
Dagmar – Mas quem será justo agora…(e vai a abrir a porta. Abre. Entra Clorinda disfarçada de peruca loura e oculos escuros)
Clorinda – Sai da frente que eu sei que ele está aqui…
Dagmar – Mas o que é isso?
Clorinda (para ao ver Claudio) Seu maldito! Peguei você no pulo. É aqui que você trabalha agora? É aqui que você fica quando está muito ocupado e sem tempo pra mim?
Dagmar e Nivaldo assistem a cena espantados
Claudio – Meu amor deixa eu te explicar…
Clorinda – Explica isso seu cachorro traidor de uma figa…(e chora) me fez trair o meu marido, me deixou louca por e você e você aqui na casa dessa vagabunda enganando o marido dela também…não. Para. Não adianta mais me enrolar eu estou sabendo tintin por tintin o que está rolando aqui (puxa um revolver) vou acabar com a sua raça.
(Clorinda dispara o revolver e sai correndo nem dá tempo de prestarem atenção na perua de peruca loura e oculos escuros)
Dagmar chora abraçada ao corpo de Claudio, ao longe ouve-se uma sirene.
Nivaldo abraça Dagmar junto ao corpo.
Dagmar – Maldita. Assassina…fugiu… (e soluça).
Nivaldo – (abraçado à esposa) Não fica assim minha flor. Aquela moça é materialista. Atéia. Não acredita em anjo.

E a luz vai se apagando.