quarta-feira, 20 de junho de 2012

SORTE LIDA EM POSTS de Ronaldo Fernandes


Temática Junina
DONA CRISALINDA, A CARTOMANTE.
NANA, A CLIENTE.

NANA: (A porta) Ô de casa. Alguém em casa? (Mais alto) Dona Cris a senhora está em casa?
DONA CRISALINDA: (De fora da cena) Crisalinda. Meu nome é Crisalinda. Se quiser pode chamar de Linda, mas nunca de Cris, que eu odeio.
NANA: Desculpe dona Linda.
DONA CRISALINDA: (Entrando em cena) Chegou cedo né filha?
NANA: Não Dona Cris...
DONA CRISALINDA: Crisalinda... Ou Linda se preferir. Mas eu gosto mesmo é de Dona Crisalinda.
NANA: Então Dona Linda, digo, Dona Crisalinda... Eu cheguei na hora marcada. Inclusive hoje é dia de São João... E me disseram que a senhora lê a sorte através dos posts...
DONA CRISALINDA: (De repente começar a cantar) Pula a fogueira Iaiá, pula a fogueira Ioiô, cuidado para não se queimar...
NANA: (Interrompendo) O que é isso?
DONA CRISALINDA: (Parando com a cantoria) É música de são João.
NANA: Vamos parar com a música e ir logo para as cartas.
DONA CRISALINDA: (Corrigindo) Cartas não, posts.
NANA: Posts?
DONA CRISALINDA: Sim. Afinal você deve saber que os tempos são outros.
NANA: Como assim?
DONA CRISALINDA: Só leio cartas através dos posts virtuais.
NANA: Virtuais?
DONA CRISALINDA: Em tempo de redes sociais, eu leio a sorte diretamente do meu perfil no facebook e através dos posts.
NANA: Heim?
DONA CRISALINDA: Dos posts.  Eu me concentro. Conecto. Firmo o pensamento. E logo os posts vêm. Principalmente na noite de São João, quando todos os canais estão abertos.
NANA: E dar certo?
DONA CRISALINDA: Sempre dá. Alguma dúvida?
NANA: Claro que não.
DONA CRISALINDA: Vamos lá.
NANA: Onde?
DONA CRISALINDA: Ao computador.
NANA: Tudo bem.
DONA CRISALINDA: Vamos indo então. (Mostrando duas cadeiras e um computador) Eu sento de frente ao computador e você só ouve. (As duas dirigem-se ao computador e sentam-se. Crisalinda de frente para o monitor) Agora é tirar a sorte. Sorte tirada em noite de São João...
NANA: (Assustada) O que é que tem?
DONA CRISALINDA: Não tem nada.  (Tirando as cartas da manga) Vamos jogar. (Embaralha as cartas) Agora é só cortar.
NANA: Mas a senhora não disse que era a sorte através da leitura dos posts?
DONA CRISALINDA: Silêncio. Corte as cartas.
NANA: (Enquanto corta as cartas) Me disseram que a senhora é uma das melhores cartomantes da região.
DONA CRISALINDA: Uma das melhores não, a melhor. Já cortou? Depois de cortada eu faço a conexão com meu perfil e começo a ler os posts que chegarem. Já cortou?
NANA: Sim.
DONA CRISALINDA: Vamos ler a sorte. Só um minuto que estou entrando no meu perfil... Mas saiba que sorte tirada em noite de São João...
NANA: (Assustada) O que é que tem?
DONA CRISALINDA: Não tem nada.  (Parece está lendo as cartas) Vamos ler. (Clica no mouse)
NANA: O que diz?
DONA CRISALINDA: Calma ae. A conexão está lenta.  (Depois de um pequeno silêncio)
NANA: O que diz?
DONA CRISALINDA: Finalmente conectou. (Entra em um transe)
NANA: O que diz?
DONA CRISALINDA: Ela diz... (Fica olhando para o monitor)
NANA: Meu Deus do céu que demora.
DONA CRISALINDA: É melhor clamar por São João.
NANA: Meu São João que demora... Esses posts não chegam?
DONA CRISALINDA: Calma. Temos que esperar. O post chega quando menos esperamos... Essa é a vontade dos espiritos.
NANA: E?
DONA CRISALINDA: Está chegando um post...
NANA: E?
DONA CRISALINDA: (Em transe) Estou interpretando.
NANA: E?
DONA CRISALINDA: Agora chegou um.
NANA: Sobre o que ele fala?
DONA CRISALINDA: Sobre como descobrir o nome do seu amor...
NANA: Diga logo. O que eu tenho que fazer?
DONA CRISALINDA: (De forma enigmática) Hoje, dia de São João, as vinte três horas e quinze minutos, ligue o seu computador e conecte-se ao facebook, vá a cozinha pegue uma panela e depois encha-a com água, acrescente três cravos-da-índia e sete gotas do perfume que você sempre usa. Volte imediatamente ao e vá teclando com todas as pessoas que estão on line em seu perfil.  Saia da frente do monitor, mas não avise a nenhum dos seus amigos virtuais on line. Pegue a panela e dirija-se ao fogão e leve ao fogo e, quando a água ferver, jogue na panela um pedaço de linha branca de uns vinte centímetros. Será formada uma letra que será a inicial do nome do seu amor.  Corra ao computador e veja qual foi o último dos seus amigos a deixar uma mensagem. Veja se no nome dele tem a letra formada pela linha na panela. Se tiver, parabéns você achou o seu amor eterno.
NANA: Isso vai dar certo?
DONA CRISALINDA: Claro que vai, mas se não der...
NANA: O que?
DONA CRISALINDA: Silencio!!! Está vindo um outro post...
NANA: Fala qual é.
DONA CRISALINDA: Para descobrir o nome do seu amor...
NANA: Mas esse post já veio...
DONA CRISALINDA: Silencio!!! Você está me atrapalhando.
NANA: Oi?
DONA CRISALINDA: (Misteriosa) Na noite de 23 para 24 de Junho, noite de São João, acesse o site www.enfieumafacanova.com.br e enfie uma faca nova nunca usada no caule da bananeira virtual que está plantada na praça central do site. Faça logout no site e acesse seu perfil do facebook e fique teclando até o dia seguinte com seus amigos que estão on line. Importante: Durante toda a noite você tem que teclar com alguém para não quebrar o link. Na manhã seguinte, acesse o site e retire a faca. A letra que ali aparecer será a inicial de seu futuro companheiro.
NANA: Mas eu não tenho facebook!
DONA CRISALINDA: Nos dias de hoje não ter facebook é o mesmo que não ser ninguém minha filha. Você está sem referencia.
NANA: Minha referência é casar. Eu preciso casar!
DONA CRISALINDA: Olha só que coincidência, veio o post do casamento...
NANA: E o que eu tenho que fazer?
DONA CRISALINDA: (Num transe total) Separe três teclas do seu teclado, uma pinte com esmalte vermelho, outra lixe com a lixa número três, e outra cubra com fita crepe. Tecle com oito amigos virtuais sobre as questões práticas da vida. Depois vende os olhos e aproxime-se das teclas separadas e ponha a mão sobre uma dela: a tecla pintada com esmalte não dá casamento, a tecla lixada indica que o casamento será com um viúvo, e a coberta com fita crepe mostra casamento com um solteiro. Tira a venda e tecle com oito amigos virtuais diferentes sobre questões práticas de casamento.
NANA: Mas assim eu vou estragar o meu teclado.
DONA CRISALINDA: Silencio!!! Os espíritos estão postando...
NANA: Fala qual é.
DONA CRISALINDA: Para descobrir com quem vai casar...
NANA: Esse que quero compartilha. Fala logo.
DONA CRISALINDA: (Numa voz de suspense) Na noite de São João, passe um ramo de manjericão no monitor do computador, em seguida, atire-o ao telhado de sua casa, ou apartamento, ou de onde você está. Tecle com trinta amigos virtuais sobre as novidades dos vegetais orgânicos. Na manhã seguinte trepe no telhado da casa ou apartamento, se o manjericão ainda estiver verde, o casamento é com moço. Se murchar, é com um velho. Tecle no facebook sobre juventude com oito amigos virtuais e sobre velhice com trinta e sete amigos virtuais. 
NANA: Eu não tenho perfil no facebook?
DONA CRISALINDA: Então fica difícil.
NANA: Tenho Orkut.
DONA CRISALINDA: É coisa de pobre.
NANA: O que eu faço então?
DONA CRISALINDA: Silencio!!! Os anjos postam um...
NANA: Agora são anjos?
DONA CRISALINDA: Sim. Eu tenho conexão com eles através do meu perfil.
NANA: A senhora é poderosa heim?
DONA CRISALINDA: Eu sou apenas um instrumento.
NANA: Do que fala esse post?
DONA CRISALINDA: É um post do anjo Gabriel e diz como obter proteção e alegria...
NANA: Do anjo Gabriel? Então é bom. O que eu preciso fazer?
DONA CRISALINDA: (Enigmática) No dia 23 de junho, dia de São João,  junte em uma bacia com água, cravos e folhas de alecrim e manjericão e deixe descansar. Conecte-se ao facebook e mande mensagens pra vinte contatos que estejam off line. Na manhã seguinte, tome um banho e jogue a mistura no corpo, do pescoço para baixo, invocando a proteção dele. Enxugue-se apenas de leve. Vá ao computador ainda sem roupas e veja quais dos vinte amigos que estavam off line responderam a você: Se nenhum respondeu você não terá proteção e alegria, se ao menos um respondeu você terá boa sorte, se mais de cinco respondeu você estará protegida e com alegria garantida no ano corrente.
NANA: Mas eu não tenho perfil no facebook? Como eu vou fazer isso tudo?
DONA CRISALINDA: Mas até o anjo Gabriel tem...
NANA: Eu preciso ter um... Quero obter as graças do anjo Gabriel.
DONA CRISALINDA: (Marota) Eu posso pedir licença aos espiritos... E aos anjos e fazer um bem abençoado pra você.
NANA: Graças a Deus... A senhora pode fazer um pra mim?
DONA CRISALINDA: Sim.  (Disfarçando) Só que tem que pagar mais cinquenta reais...
NANA: Eu pago. Mas eu quero as bênçãos.
DONA CRISALINDA: (Marota) Me dê o dinheiro que eu faço agora mesmo. (Nana abre a bolsa que carrega e tira duzentos reias da carteira)
DONA CRISALINDA: Com a construção do perfil fica duzentos e cinquenta...
NANA: E se eu mesma fizer o perfil?
DONA CRISALINDA: Será apenas mais um perfil no facebook...
NANA: E?
DONA CRISALINDA: Ele não será abençoado pelos espíritos... E pelos anjos... E você não terá os posts da sorte.
NANA: (Tirando mais cinquenta da carteira) Está bem. (Dando o dinheiro) Eu quero um perfil com muita luz Dona Crisalinda.
DONA CRISALINDA: (Pegando o dinheiro) Luz não vai faltar... Você tem e-mail?
NANA: Sim. Meu e-mail é...
Luz vai morrendo enquanto as duas vão conversando como se a Crisalinda fosse criando o perfil da Nana.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

“UM CONTO JUNINO”, de Junior Texaco.



Tema:  Festa Junina


Personagens:     Noêmia
                        Marilu
                        Carne Seca
                        Santo Antonio

Noêmia – Eu odeio festa junina!
Marilu – Mas porque?
Noêmia – Acho uma chatice! Coisa mais sem motivo.
Marilu – Não entendi.
Noêmia (mais irritada) – Porque festa junina? Pra quê? Coisa mais idiota!
Marilu – Mas foi você quem quis vir e agora está reclamando dessa bosta de festa, devia ter ficado em casa vendo a minha novela,viu. Já vi que vou me aborrecer.
Noêmia – Veio porque quis.
Marilu – Vim porque você me encheu tanto que nem sei. Está uma merda essa festa só tem gente bêbada.
Noêmia – Mas então pra você está ótimo daqui a pouco você começa a encher a lata também.
Marilu – Melhor do que ficar com essa cara, reclamando, xingando e dizendo eu odeio.
Noêmia – Ah, mas claro né, você faz o tipo arroz de festa, se tiver bebida e homem, você está dentro.
Marilu – Mas o que é isso? Sou casada me respeite. Está com raiva de estar aqui e ainda desconta de mim, eu hein. Vou pegar mais vinho quente quer?
Noêmia – Não quero nada, quero é que essa merda acabe logo, já me arrependi de vir aqui, odeio Santo Antonio, odeio dia dos namorados!
Marilu – Então porque veio?
Noêmia – Porque também não queria ficar sozinha.
Marilu – Olha dá uma animadinha vai, dá uma olhada nos bofes menina, olha só o volumão daquele ali olhando pra cá.
Noêmia – Está louca se acha que vou ficar olhando pro meio das pernas dos homens.
Marilu – Pois devia. Aquele ali promete. Olha o tamanho da pistola.
Noêmia – Quer parar
Marilu – Mas é pistola mesmo agora que vi. Ele está armado, e os outros com ele também.
Noêmia – Era só o que me faltava meu Deus! Festa junina com bandido, onde é que vamos parar!
Marilu – Olha, vou buscar vinho quente, vamos beber que é pra ver se acontece alguma coisa. Fui. (e vai)
(Carne Seca se aproxima)
Carne Seca – Peitinho solitário está sozinha? Sua amiga fugiu?
Noêmia – Peitinho solitário é a puta que te pariu, respeite meu problema. Queria ver se fosse a sua mãe que tivesse um peito só e um cafajeste falasse assim com ela.
Carne Seca – Corta essa de problema. Não vejo problema nenhum, mas sim inúmeras possibilidades.
Noêmia – A única possibilidade nesse momento é de eu meter a mão na sua cara. Te furo um olho, olha só o tamanho da minha unha.
Carne Seca – Adoro unha de piranha. Quer fumar um?
Noêmia – Vou estar aceitando.  (e saem os dois)
(Marilu volta com as bebidas)
Marilu – Ué! Mas quedê? (olha e não vê Noêmia em lugar nenhum) Bom, vou beber os dois (e bebe os dois copos) e agora? O que faço da minha vida? Essa festa está uma merda e esse forró me dando nos nervos ai ai se eu te pego eu te mato desgraçado, você nunca mais canta essa música. (e ri alto)
(aparece Santo Antonio)
Santo Antonio – Oi
(Marilu olha, dá um oi e cai na gargalhada)
Santo Antonio – Ria. Pode rir. Sou eu mesmo.
Marilu – Santo Antonio! Tua festa tá uma merda!
Santo Antonio – Pois é filha, o que vale é a intenção de comemorar.
Marilu – Intenção de encher a cara, e nem assim melhora.
Santo Antonio – Exato. Veja você por exemplo. Já está bêbada e o que acontece? Quem apareceu pra você?
Marilu – Quem?
Santo Antonio – Eu. Seu santo protetor.
Marilu – Meu? Mas quem disse que eu preciso de santo protetor? Nem acredito nessas coisas. Que porra de colocação é essa? Chispa vai! Suma e desapareça!
Santo Antonio – Olha, não faz assim. Que coisa feia, só quero conversar. Te ajudar. Santo serve pra isso.
Marilu – Podia começar arrumando uma comidinha porque nessa porra dessa festa não tem nada. Nadica. Tem um cuzcuzico muito xoxo, uma carne moida gordurenta e um monte de pão. Pão até dizer chega. E cachaça né porque cachaça não pode faltar, Santo Antonio, disso todo mundo gosta.  Pode se comer mal, mas deixar de beber ninguem deixa viu? É fato. Aprende uma coisa, Santo Antonio, chega um momento na vida que as pessoas não te enxergam mais. Te olham, olham pra você  assim como eu estou te olhando agora, mas não te enxergam. As pessoas enxergam só o que querem ver, que nem essas bandeirinhas, olha que horror, tudo feito de jornal, não tiveram a decência nem de fazer umas bandeirinhas coloridas e sabe porque? Porque sabiam que ninguem ia reparar. Não reparam. Ninguem olha essas coisas, não estão nem ai Santo Antonio, ninguem nem lembra que você existe, ninguem te respeita. Você acha que isso aqui é festa junina de verdade?  Afinal, que que você veio fazer aqui? Passar vexame?
Santo Antonio – Vim constatar o que eu já sabia e você acabou de me dizer tão delicadamente.
Marilu – Eu?
Santo Antonio – Ninguem mais lembra de Santo Antonio, nem das festas tradicionais de junho. Acho que nem as velhas beatas não lembram mais.
Marilu – Acho que não existem mais.
Santo Antonio – Umas chatas as velhas beatas, faziam umas trezenas monótonas, um saco.
Marilu – Estou boiando. Mas gente velha é chata mesmo. Não suporto gente velha. Atrasam a vida. E se forem crentes pior ainda. Não vê os do governo? Só gente velha. E crente o que é pior. Será que é por causa dos crentes?
Santo Antonio - O que?
Marilu – Essa falta de fé. Nos Santos.
Santo Antonio – A falta de fé minha filha, é característica dos egoístas, tomados pela sensualidade das coisas materiais.
Marilu – Ih Santo Antonio, eu então já nasci sensualizada nem me fale nisso, eu mal queria vir pra essa festa, eu vim mais porque minha amiga me encheu o saco. Maior baixo astral isso aqui viu? Eu odeio o dia dos namorados. Essa festa junina não tá com nada, tá uma merda. Eu já falei da carne moída gordurenta? Pior é ficar bêbada num canto sem saber onde a sua amiga se enfiou e ficar conversando as frustrações com uma alucinação fantasiada de Santo Antonio. 
Santo Antonio – E o pior é dar ouvidos a essa alucinação. Mas escuta minha filha, a falta de fé a gente pode observar aqui mesmo no comportamento das pessoas nesta festa.
Marilu – Que está uma porcaria.
Santo Antonio – Houve uma época em que as crianças sabiam as cantigas juninas. Sabiam o significado de pular a fogueira ou soltar balões que eram pequenininhos feitos de papel marchê não grandões e exagerados como hoje que põem em risco a vida das pessoas quando incendeiam algum lugar onde caem.
Marilu – E qual é o significado?
Santo Antonio – Nem eu lembro mais. E as simpatias então? A mais conhecida era a de um bolo que tinha uma aliança dentro e a menina que achasse a aliança iria se casar em breve.
Marilu – Nunca ouvi tanta besteira dita por um santo.
Santo Antonio – Mas a fé era forte e muitas vezes funcionava. Mas isso foi num tempo onde ainda existiam corações puros. Hoje é coisa muito rara. Eu me sentia tão bem com as preces de agradecimento. E olha que eu nunca fui Santo casamenteiro!
Marilu – Como é que é? Que novidade é essa?
Santo Antonio – É verdade.
(voltam Noêmia e Carne Seca rindo)    
Noêmia – Conhecem o Carne Seca? Ele estava me mostrando seus domínios.  É dono de tudo aqui. Olha só (apresenta) Marilu, Carne Seca, Carne Seca, Marilu.
Marilu – Prazer.
Carne Seca – Prazer.
Noêmia – E o teu padre ai? Quem é? Vai ter casamento? Quadrilha? Não apresenta?
Carne Seca – Quadrilha só a minha hehehehe!
Marilu – Que padre?
Noêmia – Esse aí do teu lado, tá louca?
Marilu – Não tem padre nenhum.
Noêmia – Como não tem? E eu não estou vendo?
Carne Seca – Eu também vejo.
Marilu – Pensei que estivesse louca, mas estou vendo que a alucinação continua aqui.
Noêmia – Oi?
Marilu (apresenta) – Santo Antonio, Marilu, Carne Seca, Carne Seca, Marilu, Santo Antonio.
Santo Antonio – Oi. Tudo bem?
(Carne Seca olha o baseado e cai na risada)
Noêmia – Mas é Santo Antonio mesmo, igualzinho. Aceita um baseado Santo Antonio?
Santo Antonio – Vou estar aceitando.
Noêmia (se aproximando mais) – Me diga Santo Antonio, é ele o homem da minha vida com quem vou casar? Vou ser a rainha do crime? Você me acha louca?
Santo Antonio – É justamente sobre isso que eu estava falando quando vocês chegaram. Na verdade nunca fui Santo casamenteiro.
Noêmia – Como é que é?
Marilu – Pois eu perguntei a mesmíssima coisa!
Carne Seca – Mas então você trabalha de quê?
Santo Antonio – Pouca gente se lembra hoje em dia que Santo Antonio é o santo dos objetos perdidos. Só porque uma doida no século dezoito arrumou um marido depois que rezou pra mim, me arrumaram esse posto de casamenteiro e inventaram um tal de São Longuinho que eu nunca ouvi falar que pra achar os objetos perdidos tem que dar três pulinhos, onde já se viu?
Marilu – Mas olha, sempre que fiz pedido pra São Longuinho logo eu consegui a o que pedi.
Noêmia – Pois eu não lembro de nada. Nunca liguei pra festa Junina, a única musiquinha que sei é da capelinha de melão é de são João. De Santo Antonio não sei nada. Só sei que serve pra arrumar marido. E esse troço de São Longuinho ai não lembro se conheço ou não. Estou louca.
Carne Seca – Pô Santo Antonio você podia achar uma coisa pra mim que eu perdi. Você acha?
Santo Antonio – O quê?
Carne Seca – Uma arma. Uma metralhadora UZI – k 47 ganhei de um amigão meu do exército israelense, cem tiros por minuto, faz uma desgraça. Sumiu assim do nada. Não sei onde larguei.
Santo Antonio ( tira a arma não sei de onde) Pois aqui está. Viu como acho?
Carne Seca – Show de bola meu camarada e quer saber? Fica pra você. De presente.
Santo Antonio – Tá aí gostei. Sempre ganhei muita vela, preces, festa celebrada com missa diária, barracas com comidas típicas, quadrilha, shows ruins mas metralhadora nunca. Gostei.
Carne Seca – Valeu.
Marilu – Então Santo Antonio acaba logo com esse maldito dia dos namorados! Acaba com essa festa!
Santo Antonio – E olha só, é tão leve que parece de brinquedo, se eu quisesse acaba com essa festa mesmo, festa junina ruim dos diabos. É aqui que destrava?
(e dispara a arma ferindo muitas pessoas, acerta sem querer um botijão de gás e vai toda a casa pelos ares numa forte explosão)
(trevas)

F I M

   

terça-feira, 12 de junho de 2012

TEM MAIS QUENTÃO AÍ? de Marcus Di Bello


TEMA: FESTA JUNINA

(Ele e ela sentados em uma mesa. Festa de São João. Ela bebe quentão. Ele come doce. Faz frio)

ELE
Eu tinha certeza que ficaria deslocado, não falei para você? Essa festa é para gente jovem. Quer dizer, quando digo que estou deslocado não quer dizer que eu não seja jovem. Não sou, mas também não tenho espírito de velho. Sabe que tenho uma alma de criança. Mas não me sinto bem em festa junina. E quando falo isso, não estou me referindo apenas a essa festa. Falo de todas as festas juninas do mundo! Essa festa existe em outras partes do mundo? Eu não sei, mas você entendeu o que eu quis dizer, não é? Não me olha com essa cara. A festa até que está boa. Tem doce, eu gosto bastante desses doces. Sabia que eu pensava ser alérgico a amendoim quando criança? Besteira minha, nunca fui alérgico. Por que as pessoas falam que odeiam algo sem experimentar? Odiar é uma palavra tão forte.
(Tempo)
Quem inventou essa palavra? Odiar. É uma palavra que não faz sentido. Sabe, não falo só do sentimento, mas a palavra mesmo. Quem definiu que esse sentimento receberia esse nome? Qual é o sentido? Eu não sou obrigado a usar esse termo. Ou sou? Mas onde eu estava mesmo? Ah, sim... a razão de odiarem algo sem experimentar. Então, eu odiava amendoim, falava até que tinha alergia, mas quando experimentei passei a adorar. Mas festa junina é coisa diferente. Já experimentei várias, durante toda a minha vida, e não há nada que me faça gostar. Eu me sinto deslocado. Não é o fato de ser para gente jovem e sei que eu disse isso, mas analisando melhor, o que me faz odiar festa junina é o fato de sempre ter odiado. Espera, a palavra odiar é forte. Não gostar. Isso, fica mais leve e dentro do que realmente quero dizer. Não gosto de festa junina. Acho sem sal, sem graça. Não vejo motivos para gostar. Toda essa coisa de tradição não me convence. Não gosto de fogueira, não gosto desse clima caipira, não gosto de quadrilha. Nem do poema do Carlos Drummond eu gosto. Mas estou aqui, não estou? Estou aqui por você, pelo nosso relacionamento, pela sua filha, que eu estou aprendendo a amar como se fosse minha também.
(Breve pausa)
Não estou jogando isso na sua cara, pelo amor de Deus, não é nada disso. Estou apenas deixando claro que o que me faz estar aqui é o meu amor por você. Não me olha assim, estou falando a verdade. Estou abrindo o meu coração com você e em troca recebo esse olhar. Isso me deixa puto. Você não acredita em mim? Olha, eu sei que às vezes passo dos limites e falo umas bostas, mas é porque sou desse jeito. Sou meio descontrolado às vezes, mas quem não tem o seu momento de descontrole? Nós já estamos acostumados. Eu sei que foi errado eu ter reclamado da sua demora hoje. Eu só não consigo entender como você consegue enrolar tanto para escolher uma roupa. Desculpa, não queria voltar no assunto. Sei que é uma vitória das mulheres, esse lance de poder escolher a própria roupa, depois de anos de submissão, de inquisições, todas aquelas baboseiras antigas. Sabe, quando jogavam as mulheres na fogueira. Olha só, fogueira, por isso não gosto de fogueira. Lembro-me da inquisição. Deve ser por isso.
(Silêncio)
Desculpa se te chamei de vadia ontem, foi no calor da discussão. Nem acho essa palavra tão forte assim. Quem inventou essa palavra? Parece tão mais forte do que realmente é. Às vezes considero até um elogio, sabia? Tem uma sonoridade tão boa essa palavra. Vadia. Se não conhecesse a palavra acharia até ser uma coisa boa. A palavra possui um significado pejorativo, mas eu não dei esse significado. Esse significado foi criado há anos, eu não tive participação nisso. Mesmo eu conhecendo o seu significado hoje. Realmente, tenho uma parcela de culpa nisso. Sei que não gostou, então me desculpa por isso. E o fato de estar aqui, nessa festa junina, não é como um pedido de desculpas. Não leve por esse lado. Estou aqui por amor a você e não para me redimir de algo. Só acho que está chato. É isso! Essa é a palavra. Não é que eu odeio e nem que não goste. Eu acho festa junina algo chato.
(Tempo)
Que horas começa a dança da Clara?
(Tempo)
Está chato ficar aqui.
(Tempo)
Tem mais quentão aí?

sexta-feira, 1 de junho de 2012

“VOCÊ TEM MEDO DE QUÊ?” de Junior Texaco.



Tema: Fobia
Personagens: Um e Outro
(Num lugar escuro)

Um - Você tem medo de quê?
Outro – Como assim? Por que?
Um – Por nada. Só me veio isso na cabeça. Pra puxar assunto, diz ai. Você tem medo de quê?
Outro – (reluta) Do que eu tenho medo…não sei. Mas tenho.
Um – Como assim?
Outro – Eu tenho medo sim, mas não sei. Não sei do quê.
Um – (pensativo) Não sabe…
Outro – Não sei explicar direito. É uma coisa sinistra inexplicável.
Um – Se não se explica deve ser fobia. Fobia não se explica apenas se tem.
Outro – Não sei, mas é como eu soubesse. Eu tenho medo do que pode acontecer.
Um – Acontecer o quê?
Outro – Qualquer coisa. Eu fico com um medo terrível de que aconteça algo a qualquer momento, uma desgraça. Um medo de ter que encarar essa realidade.
Um – Que realidade?
Outro – A da desgraça que pode acontecer, eu fico esperando momento após momento e nada acontece. Isso me deixa mais amedrontado ainda. A impressão que tenho é que quando acontecer vou morrer de susto. Acho que o medo é de tomar esse susto quando acontecer alguma coisa. Morro de medo.
Um – Você nunca quis procurar um medico?
Outro – Tenho pavor de ouvir ele diagnosticar. Sou hipocondríaco. Ia começar um ciclo sem fim. O dos remédios lembra?
Um – Lembro.
Outro – Agora estou abstêmio, mas ainda sofro os efeitos colaterais dos abusos. Eu tinha muito medo e usava os tarja preta pra fugir, mas não adiantava nada. Ficava com mais medo ainda.
Um – É claro que não adiantava. Que efeitos colaterais?
Outro – Tontura, visão turva, distúrbio bipolar, paranóia, síndrome do pânico, falta de apetite e outras coisas que nem lembro porque me assustam tudo me assusta. E o pior é que não posso me controlar. É uma compulsão.  
Um – Como assim?
Outro – Agora mesmo estou com medo desse lugar, estou com medo do que falo e estou com medo de ter me aberto com você. Quando vejo já falei tudo. Tenho medo das sombras, do passar das horas, dos momentos, do bater das asas, da geladeira.
Um – Você tem medo da geladeira?
Outro – Tenho.
Um – Muito doido.
Outro – Tenho medo de você aqui falando comigo.
Um – Por que?
Outro – Porque você começou perguntando “você tem medo de quê?” e agora estou arrependido de ter falado tanto. O que afinal você queria saber?
Um – Do que você tem medo. Vivemos tanto tempo juntos e na maioria das vezes só eu falo, eu nunca prestei atenção em como você era tão perturbado.
Outro – Sou sim, mas meu medo tem um fundamento.
Um – Tem?
Outro – Tem. Outro dia quando saí do banho estava escrito no vapor do espelho: você vai morrer.
Um – Eu vi.
Outro – Eu sei. Tomei um susto tão grande que achei que ia enfartar. Fiquei sentado no canto só de toalha nem sei quanto tempo esperando. Não morri e nem a morte veio. Só aquele medo sem fim de não sei o quê. Devo ter apagado, nem sei que dia é hoje. Já te falei dos apagões? De que as vezes sonho que sou você?
Um – Milhões de vezes.
Outro – Isso me deixa apavorado. Não sei nem mais em que dia estamos.
Um – Nem eu, já estou muito ligado a você.
Outro – Vou morrer. Estava escrito no espelho.
Um – Também queria morrer.
Outro – Se eu morrer você tambem morre. (e puxa uma faca)
Um – Sim. (pega a faca dele). Mas nenhum de nós tem coragem de sorrir para a morte.
Outro – (olhando o tempo passar) O jeito é esperar. Ficar aqui sentindo esse pavor que não acaba nunca.
Um – Não acaba nunca. Ter coragem pra morrer. Sorrir. Queria ser livre de você. Mas até quando falo, é a tua boca que fala e quando morro você também morre.  
(e corta o pescoço. O sangue jorra e ele cai)   
(Trevas)