sexta-feira, 13 de julho de 2012

CIGARROLÓGICO de Marcus Di Bello

TEMA: CIGARRO

(Em cena, dois escravos tecnológicos. Os olhos piscam numa velocidade acima do permitido. Barulho de trânsito. Pouca luz. Buzinas. Gritaria. Caos. Buzinas. Faz frio. Agem de maneira mecânica.)

SATIR
Aos treze anos teve seu primeiro porre alcoólico, causado por vodka barata com suco de caixinha.

CARRARI
Nunca saiu de casa durante fins de semana, exceto para visitar a avó nos últimos domingos do mês.

SATIR
Treinava beijo com uma pedra de gelo dentro de um copo d’água.

CARRARI
Jogava GTA Vice City com o padrasto enquanto a mãe esquentava a água do café.

SATIR
Primeira transa aos quinze anos, na casa de um amigo do colégio. Não sabia o que fazer. Suou muito.

CARRARI
Primeiro celular: azul. Primeira internet: America Online. Primeiro contato social: Chat UOL.

SATIR
Se masturbava assistindo desenho japonês na televisão.

CARRARI
Uma vez limpou a bunda com uma revista Veja.

SATIR
Primeiro cigarro: marlboro vermelho, fumado às duas e meia da manhã na esquina daquela estação de metrô.

CARRARI
Estações de metrô preferidas: Trianon, Praça da Árvore e Alto do Ipiranga.

SATIR
Foi Alto do Ipiranga.

CARRARI
Milhões de seguidores no twitter, mesmo sendo um fracassado na vida.

SATIR
Começa a se prostituir aos dezoito para pagar marlboro vermelho que está cada vez mais caro.

CARRARI
Moreno, completo, massagem alto nível.

CARRARI
Presidente da república, em entrevista, diz que uma grande nação deve ser medida por aquilo que faz pelas suas crianças e adolescentes, e não pelo PIB.

SATIR
Caga para o PIB.

CARRARI
O custo das doenças relacionadas ao cigarro reduz a riqueza de um país em 3,6% do PIB.

SATIR
Passa a fumar dois maços de cigarro por dia. 3,6% a mais do que fumava anteriormente.

CARRARI
Compra últimos avanços tecnológicos.

SATIR
Seu corpo é um mouse óptico sem fio.

CARRARI
Bebe uísque quando está sozinho.

SATIR
Assiste lutas de UFC.

(Ficam menos mecânicos. O trânsito aumenta. Caos. Barulhos misturados)

CARRARI
Vinde a mim, todos os nico-dependentes-de-uma-figa!

SATIR
Vai, Anderson!

CARRARI
Por que não fuma lá fora?

SATIR
Perda de sinal. Perda de sinal.

CARRARI
Seu bosta, por que não fuma lá fora?

SATIR
Perda de sinal.

CARRARI
Eu sou obrigado a fumar com você?

SATIR
TV a cabo de merda!

CARRARI
Eu vou fumar do teu! Vai, otário. Eu vou fumar do teu.

SATIR
Fuma ele, vai!

CARRARI
Meu corpo é um mouse ópti/

SATIR
Filtro vermelho!

CARRARI
/com essas vidas entrelaça/

SATIR
Não quero azul!

CARRARI
/dá-me um cigarro, pelo amor de/

SATIR
Sinal recuperado!

CARRARI
/dê-me um cigarro, pelo amor de/

SATIR
Deixa disso, companheiro. Pega essa porra.
(Satir e Carrari começam a fumar. Cada um o seu cigarro. Silêncio. Fumam até o fim. Silêncio. Buzina solitária)
E Anderson ganha.
(Eles se desfazem da bituca. Silêncio. Som de internet discada sendo conectada. Continua fazendo frio. Mais uma buzina solitária. Blackout.)

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