segunda-feira, 13 de agosto de 2012

QUANDO AMANHECER de Marcus Di Bello


TEMA: PROSTITUIÇÃO

(Quarto. Cama desarrumada, mesa com alguns pertences e uma cadeira. ELA está sentada na cama. Entediada. ELE está na cadeira, fumando um cigarro. Bate as cinzas num cinzeiro. Silêncio)

ELA
Vou embora, cara.

ELE
Não vai. Eu ‘tô te pagando, porra.

ELA
Tu pagou uma foda. Vou voltar lá pra frente agora.

ELE
Não vai.
(Tempo)
Paguei o momento, não a foda. Quero ter esse momento pós-foda.

ELA
Tu já fumou cinco cigarros aí. Se quiser conversar eu até fico, mas se for pra ficar esse silêncio eu prefiro ir lá pra frente arranjar outro cliente.

ELE
Não sou teu cliente, foi a primeira vez que fiz contigo.

ELA
Tu entendeu.

ELE
Relaxa, baby. Não esquenta a moringa. Eu só ‘tava pensando aqui.
(Tempo)
Nunca conversa com os caras que trepa?

ELA
Não ganho p’ra isso.

ELE
Se pedir uma bebida eles trazem aqui?

ELA
Não, não fazem esse serviço.

ELE
No puteiro da outra esquina fazem.

ELA
(Silêncio. Ela levanta)
Posso ir embora agora?

ELE
Por que a pressa? É o dinheiro? Eu pago a mais, não tem problema.

ELA
Eu só não quero ficar conversando contigo.

ELE
Eu também não quero, mas é a única opção que você tem p’ro momento. Vou te contar uma coisa, gata. Eu odeio as pessoas. Tenho asco, quero que todos explodam. Mas eu não vivo sem trepar, então de vez em quando preciso socializar. Se eu conseguisse viver somente com a minha bebida, os meus cigarros e as minhas lutas de boxe, então eu não precisaria sair de casa.

ELA
Cara, a tua vida é problema teu.

ELE
Tem razão. Mas os meus problemas fazem com que você esqueça os teus. É assim que funciona, baby. É assim que o mundo gira. Quantas vezes eu não fiquei no bar ouvindo mulheres reclamarem do quão fodida era a vida delas, do quanto se sentiam patetas para a sociedade e como aquele papo depressivo me deixava bem. Gata, aquele papo me fazia muito bem, porque eu esquecia a minha vida fodida para ouvir a vida fodida de outra pessoa. E se eu agora falar do quão fodida é a minha vida você vai se sentir mais leve, vai se sentir renovada. Se eu falar que esmurrei meu pai porque ele era um bosta, se eu falar que morei na rua e que hoje ganho um dinheiro escrevendo algumas besteiras, que dá o suficiente para eu pagar meu uísque, meu teto, meus cigarros e a hora extra que estou te pagando, você com certeza vai se sentir muito melhor.

ELA
Tu escreve?

ELE
Romances.

ELA
E o que você sabe sobre amor?

(Silêncio)

ELE
Eu não sei. Mas quem lê meus contos também não.

ELA
Tu é muito do estranho.

ELE
Gostei de você. Você parece ter sensibilidade. Gosto de pessoas assim, mesmo as odiando. Sabe, eu não sei se tenho essa sensibilidade. Acho que odeio a vida também. Às vezes deito a cabeça no travesseiro e não sei se levei o meu dia da melhor maneira possível. Penso que poderia ter feito algo diferente. Mas a vida não me dá o tesão de fazer esse algo diferente. A gente nasce e espera pela morte. Essa espera cansa, baby.

ELA
Eu também odeio as pessoas.

ELE
Eu sei. Sinto isso em você.

ELA
Me dá um cigarro?
(Ele levanta e leva um cigarro a ela. Acende. Fuma)
Eu não queria estar aqui. Mas ou eu faço isso, ou roubo as pessoas. Eu não quero ser uma marginal, mesmo estando em uma profissão marginalizada. É muito foda trepar com um cara que tu não conhece, correndo todos os riscos possíveis. Tu não faz ideia, cara.
(Silêncio)
Quando eu era mais nova eu escrevia. Escrevia poesias. Eu amava os filmes do Tarantino e escrevia poesias. Eram as duas coisas que eu sabia fazer. Hoje eu não faço nada disso. Eu escolhi deixar isso tudo de lado p’ra entrar nessa vida, mas às vezes acho que não tive muito poder de escolha. Eu não consigo nem escolher o homem que vou trepar, imagina se vou escolher a sequencia da minha vida.
(Tempo)
Eu pareço ser fodida, cara? Porque eu tento não parecer, mas não dá. Só quem já provou os dois lados da moeda sabe como é. Já tive tudo na minha vida. Hoje eu não tenho porra nenhuma. Tu me entende? Hoje eu tenho um corpo que me rende uma grana, mas e quando eu não tiver mais esse corpo? Quando o dia raiar e eu perceber que o tempo passou, já vai ter acontecido. O que vai ser de mim? Me responde cara, o que eu vou fazer da minha vida quando amanhecer?

(Silêncio)

ELE
Gata, os filmes do Tarantino são uma bosta.
(Tempo)
Mas o que eu acho é problema meu.

(Continuam fumando. Luz cai em resistência)

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