Tema: Fobia
Personagens: Um e Outro
(Num
lugar escuro)
Um - Você
tem medo de quê?
Outro – Como
assim? Por que?
Um – Por
nada. Só me veio isso na cabeça. Pra puxar assunto, diz ai. Você tem medo de
quê?
Outro – (reluta) Do que eu tenho medo…não sei. Mas tenho.
Um – Como assim?
Outro – Eu tenho
medo sim, mas não sei. Não sei do quê.
Um – (pensativo) Não sabe…
Outro – Não sei
explicar direito. É uma coisa sinistra inexplicável.
Um – Se não
se explica deve ser fobia. Fobia não se explica apenas se tem.
Outro – Não sei,
mas é como eu soubesse. Eu tenho medo do que pode acontecer.
Um – Acontecer
o quê?
Outro – Qualquer
coisa. Eu fico com um medo terrível de que aconteça algo a qualquer momento, uma
desgraça. Um medo de ter que encarar essa realidade.
Um – Que realidade?
Outro – A da
desgraça que pode acontecer, eu fico esperando momento após momento e nada
acontece. Isso me deixa mais amedrontado ainda. A impressão que tenho é que
quando acontecer vou morrer de susto. Acho que o medo é de tomar esse susto
quando acontecer alguma coisa. Morro de medo.
Um – Você nunca
quis procurar um medico?
Outro –
Tenho pavor de ouvir ele diagnosticar. Sou hipocondríaco. Ia começar um ciclo
sem fim. O dos remédios lembra?
Um – Lembro.
Outro –
Agora estou abstêmio, mas ainda sofro os efeitos colaterais dos abusos. Eu tinha
muito medo e usava os tarja preta pra fugir, mas não adiantava nada. Ficava com
mais medo ainda.
Um – É claro
que não adiantava. Que efeitos colaterais?
Outro –
Tontura, visão turva, distúrbio bipolar, paranóia, síndrome do pânico, falta de
apetite e outras coisas que nem lembro porque me assustam tudo me assusta. E o
pior é que não posso me controlar. É uma compulsão.
Um – Como assim?
Outro –
Agora mesmo estou com medo desse lugar, estou com medo do que falo e estou com
medo de ter me aberto com você. Quando vejo já falei tudo. Tenho medo das
sombras, do passar das horas, dos momentos, do bater das asas, da geladeira.
Um – Você tem
medo da geladeira?
Outro –
Tenho.
Um – Muito doido.
Outro –
Tenho medo de você aqui falando comigo.
Um – Por que?
Outro –
Porque você começou perguntando “você tem medo de quê?” e agora estou
arrependido de ter falado tanto. O que afinal você queria saber?
Um – Do que
você tem medo. Vivemos tanto tempo juntos e na maioria das vezes só eu falo, eu
nunca prestei atenção em como você era tão perturbado.
Outro – Sou sim,
mas meu medo tem um fundamento.
Um – Tem?
Outro – Tem.
Outro dia quando saí do banho estava escrito no vapor do espelho: você vai
morrer.
Um – Eu vi.
Outro – Eu sei.
Tomei um susto tão grande que achei que ia enfartar. Fiquei sentado no canto só
de toalha nem sei quanto tempo esperando. Não morri e nem a morte veio. Só aquele
medo sem fim de não sei o quê. Devo ter apagado, nem sei que dia é hoje. Já te
falei dos apagões? De que as vezes sonho que sou você?
Um – Milhões
de vezes.
Outro – Isso
me deixa apavorado. Não sei nem mais em que dia estamos.
Um – Nem eu,
já estou muito ligado a você.
Outro – Vou morrer.
Estava escrito no espelho.
Um – Também queria
morrer.
Outro – Se eu
morrer você tambem morre. (e puxa uma faca)
Um – Sim. (pega
a faca dele). Mas nenhum
de nós tem coragem de sorrir para a morte.
Outro – (olhando
o tempo passar) O jeito
é esperar. Ficar aqui sentindo esse pavor que não acaba nunca.
Um – Não acaba
nunca. Ter coragem pra morrer. Sorrir. Queria ser livre de você. Mas até quando
falo, é a tua boca que fala e quando morro você também morre.
(e
corta o pescoço. O sangue jorra e ele cai)
(Trevas)
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