segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

NUNCA ESTAMOS SÓS de Regina Célia Vieira

Tema: Praia


Personagens:


Tancredo
Menino
Ambulante
Mulher
Homem
Balconista


(Em uma praia no litoral de São Paulo em plena temporada de verão)


Tancredo- (Declamando) "O mar quando chega na praia é bonito, é bonito."  
Grande Dorival! Sabia das coisas!
Hoje eu só quero é relaxar! Seis horas da manhã... Neste cantinho 
esquecido da praia..., só com algumas pessoas espalhadas ao redor...
Sol morninho, ainda..., admirando o mar. E o melhor, posso falar sozinho, a vontade, sem ninguém pra me aporrinhar. Isto é que é vida. Posso ficar até as dez,  sossegado, até os turistas insuportáveis pararem aqui, por não ter mais nenhum lugar na praia pra ficarem.
Até lá, já peguei uma cor, já li o meu jornal inteirinho, meu livro de auto ajuda, já bebi minha aguinha de coco, já... (Uma bola bate no seu guarda sol)-  O que foi isso?


Menino- Desculpa aí, tio!


Tancredo- Que tio? E eu lá sou seu tio? Sou irmão da sua mãe, por acaso?  Se essa bola parar aqui de novo, eu furo ela! Entendeu?


Menino- Eh, tio bravo! Eu, hein!


Tancredo- Eu não sou seu tio! Já disse! (Se recompondo) Calma, Tancredo! Calma! Relaxa! Sente o sol! A brisa! Ai, Ai! Que bom! Rei Sol! Revigora a alma da gente!
Vamos ver o que tem na sessão de esportes... Não! Primeiro vou 
tomar minha água de coco, antes que esquente.


Ambulante- Olha a cerveja! Vai uma cerveja aí, tio!


Tancredo- Eu não quero cerveja nenhuma! E eu não sou seu tio! Se eu quisesse cerveja, não estaria tomando água de coco. Que ideia! Por que não vai pro outro lado da praia? Não vê que não tem quase ninguém aqui? Quer ganhar dinheiro ou não quer?


Ambulante- Nossa! Eu só perguntei se queria cerveja. Calma, tio!


Tancredo- Tio é a mãe!
Mais será o Benedito? Todo ano, quando venho pra esta cidade, este cantinho da praia é sossegado a esta hora. Que chatice! (Olha para os lados)- Bom! Acho que agora não vai aparecer mais ninguém pra me tirar do sério. Assim espero!
Ô marzão de meu Deus! Me protege dessa gente chata!
Vou dar uma lida nas charges primeiro, pra descontrair. Bom humor é tudo na vida!


Mulher- Tio!


Tancredo- (Fingindo não ouvir!) Não é comigo! Não é comigo! 


Mulher- Tio, por favor!


(Tancredo continua não dando ouvidos)


Mulher- Meu senhor! Eu tô falando com o senhor!


Tancredo- O que a senhora quer?


Mulher- Estou procurando meu filho! Ele desapareceu! Estou desesperada!


Tancredo- E eu é que tenho que tomar conta do seu filho? A senhora é irresponsável, perde um menino e eu é que tenho que saber onde ele está? Poupe-me, minha senhora! Poupe-me! (Volta a ler o jornal)


Mulher- O senhor não pode ser tão insensível! Uma pobre criança está perdida e o senhor não quer dar uma simples informação? Ele tem oito anos! Estava brincando de bola por aqui, tenho certeza.


Tancredo- (Olhando o jornal) Se era um menino que jogou uma bola no meu guarda sol, quero mais é que ele suma, mesmo. Pretendo ler este jornal, sem criança, nem adulto nenhum pra me atrapalhar.


Mulher- Seu...


Menino- Mãe! Ô mãe!


Mulher- Menino! Onde você estava? Vem cá, moleque! (Dá uns petelecos no filho) É pra ficar perto de mim, menino! (Vai levando o filho)


Tancredo- (Aos berros) Se a bola dele cair aqui de novo, eu furo! Já disse. E toma conta do seu filho! Irresponsável!


Mulher- Vai a merda! Velho gagá!


Tancredo- Velha é você! Caída! 
Não suporto gente mal educada! Chega de jornal! Vou passar para o meu livro de auto ajuda. Só um Roberto Shinyashiki pra me manter no eixo.


(Um homem se aproxima de Tancredo e arma sua cadeira bem ao lado da dele.)


Homem- Se importa se eu me sentar aqui?


Tancredo- Se eu responder que sim, você vai embora?


Homem- Ha!Ha!Ha! Você é engraçado! Gosto disso!


(Tancredo continua a ler)


Homem- Roberto Shinyashiki? Já li todos os livros dele.


Tancredo- Verdade?


Homem- Claro que é verdade! Por que eu haveria de mentir? Ele me ajuda a superar minhas dificuldades. A acreditar em mim. Antes de Shinyashiki, eu não tinha auto estima. Agora sou outro homem.


Tancredo- Sabe, que depois que comecei a ler Shinyashiki, eu notei que melhorei como pessoa! Aprendi a ser mais tolerante, a ter bom humor, a ser mais generoso com o meu próximo.


Homem- Com certeza, o senhor vai se sentir outro, quando ler toda obra de Shinyashiki.


Tancredo- Eu já estou me sentindo!


Homem- Nossa! Ainda é cedo, mas a praia já tá cheia!


Tancredo- Nem me fale! Há poucos minutos atrás não tinha quase ninguém. Aliás, eu costumo vir todo ano, nas minhas férias, pra esta praia, justamente porque este cantinho aqui é deserto. Quer dizer, era. Invadiram aqui também. A gente não tem mais paz em lugar nenhum.


Homem- Pois é! Eu também gosto deste pedaço, porque é mais sossegado, mas pelo jeito, isto é passado. 


Tancredo- Definitivamente, é! 


Homem- Onde o senhor comprou coco? Estou com uma sede insuportável!


Tancredo- Tá vendo aquele quiosque ali? Foi lá. É o mais próximo.


Homem- (Procurando a carteira) Mas que droga! Esqueci minha carteira no carro. Vou pegar.


Tancredo- Não se preocupe! Vou no quiosque rapidinho e compro pra você!


Homem- O senhor é muito gentil!


Tancredo- Por favor! Você! 


Homem- O que tem eu?


Tancredo- Não! Me chame por você. Senhor está no céu!


Homem- Ah! Claro! Você! Você é muito gentil! Obrigado!


(Tancredo está a caminho do quiosque, mas lembra que esqueceu o dinheiro)


Tancredo- Ah! Cabeça! Como eu vou comprar o coco sem dinheiro?
(Quando está voltando, vê o homem roubando suas coisas)- Ei! Seu ladrão sem vergonha! Larga as minhas coisas! (Corre pra pegar o ladrão, mas este é mais rápido)


Homem- Perdeu, tio otário! Perdeu!  


Tancredo- Eu não sou seu tio, desgraçado! Eu queria matar quem inventou esse negócio de tio! (Inconformado) Meu dinheiro, meu celular, minha camisa, o guarda sol! Até o livro do Shinyashiki ele roubou! Até o jornal! Ah, mas o sol ninguém pode roubar de mim! Eu vim aproveitar o astro rei e vou sair daqui com uma cor descente! Ah se vou! 


(Tancredo se estica na cadeira. De repente escurece e começa a cair uma chuva torrencial)


Tancredo- Essa não! O que mais falta me acontecer, meu Deus?


(Estrondo de trovão, Cai um raio próximo dali. Tancredo tenta fechar sua cadeira, mas se atrapalha todo. O menino da bola, passa correndo por ele com sua mãe)


Menino- Corre, tio!


Tancredo- Tio é... 


(Outro estrondo mais forte, seguido de raios próximos)


Tancredo- Socorro! (Larga a cadeira e sai correndo agitando os braços no ar desesperado em meio à multidão que já lotava o cantinho da praia)


(As pessoas se abrigaram nos bares e restaurantes mais próximos)


Tancredo- (Na porta de um bar, olhando a chuva cair)  Eu prometo, nunca mais passar as férias nesta cidade, na minha vida!


Balconista- Eh, tio! Tá falando sozinho?


Tancredo- Eu não sou...Ah! Deixa pra lá!


(Entre mortos e feridos, salvaram-se todos)

Um comentário:

  1. Não tenho nada contra o "tio ou tia", mas vamos combinar que isso é bem comum, acho que é por isso que é engraçado.

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