quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

PORTO DA MORTE de Marcus Di Bello

TEMA: PRAIA

(Homem e mulher sentados. Luz clara. Expressão de cansaço)

HOMEM
Não tem nada que possamos fazer.

MULHER
Nada.

HOMEM
O mar continua agitado.

MULHER
Sempre agitado.

HOMEM
Sei que existia um navio.

MULHER
O navio partiu, mas ninguém viu.

HOMEM
Por quê?

MULHER
O quê?

HOMEM
Por que é que nunca aproveitamos quando o navio está atracado? Digo, ele fica tão próximo e só nos damos conta da importância quando está de partida.

MULHER
Por quê?

HOMEM
O quê?

MULHER
Por que nos conhecemos aquele dia? Não é muita coincidência duas pessoas se encontrarem tão casualmente?

HOMEM
Acho que ninguém acreditaria se contássemos que nos conhecemos assim, na praia, observando os navios passarem.

MULHER
Não mesmo.
(Tempo)
Olha ali.

HOMEM
O quê?

MULHER
Mais um navio de partida.

HOMEM
É de carga.

MULHER
Leva café.

HOMEM
(Admiram o navio. Se despedem. Tempo)
Já visitou a Bolsa do Café?

MULHER
Uma vez...

HOMEM
Nunca entendi essa sua admiração.

MULHER
Por café?

HOMEM
Por navio.

MULHER
Gosto de despedidas.

HOMEM
Olha, mais um.

MULHER
Um transatlântico. Você já parou para pensar que hoje em dia ninguém viaja de navio? As pessoas apenas passam um tempo dentro dele. Se o navio for para o outro lado do mundo, isso pouco importa. O oceano continua sendo o mesmo. As pessoas entram, desfrutam de tudo o que o navio pode proporcionar, e voltam para as suas casas. Entende o que quero dizer? Não é uma viagem. É como se hospedar num hotel e não poder sair dele.

HOMEM
É engraçado pensar assim. Você tem razão. Mas eu prefiro é ficar aqui, na praia, apenas observando. Enquanto o navio se afasta, a impressão que tenho é de que eu que estou me afastando. A viagem é inteiramente minha.

MULHER
Em pensar que aqui já foi chamado de Porto da Morte.

HOMEM
Porto da Morte?

MULHER
Por causa da febre amarela. Foi no século XIX.

HOMEM
Porto da Morte.

MULHER
Despedidas acabam tendo o mesmo peso.

HOMEM
Da morte?

MULHER
É. O sentimento é o mesmo.

HOMEM
Acha que morremos?

MULHER
Talvez.
(Tempo)
Desculpa.

HOMEM
Por quê?

MULHER
Sempre me despeço dos outros. Quando o nosso próprio navio está de partida acabo não percebendo.

HOMEM
Sem problemas.

MULHER
Me desculpa por todos os dias do nosso relacionamento.

HOMEM
Não peça desculpas, por favor.

MULHER
Você precisa me desculpar. Esse é o problema de um relacionamento. Nunca termina bem. Não é como atravessar o oceano, porque tudo bem, um navio pode afundar, mas, na maioria dos casos, sempre chega são e salvo.
(Tempo)
Às vezes, acho que seria melhor se não tivéssemos nos conhecido.

HOMEM
Como você sabe que o mar é perigoso?

MULHER
Perigoso?

HOMEM
É. É fundo. Mas como você sabe?

MULHER
É o que dizem.

HOMEM
Você sabe porque falaram para você. Mas você nunca pulou. Você não sabe se ele é perigoso. Então, há momentos em que é preciso escolher. Continuar com a dúvida ou pular.

MULHER
Eu pulei.

HOMEM
Nós pulamos. Juntos.

MULHER
É assim que acaba? É essa a sensação quando o navio está de partida? É isso que os outros sentiam quando eu observava?

HOMEM
O navio não está de partida. Ele continua atracado. O navio só está partido.

MULHER
Um navio partido.
(Tempo)
Boa viagem.

HOMEM
Adeus.

(Blackout)

Um comentário:

  1. "Então, há momentos em que é preciso escolher. Continuar com a dúvida ou pular." sniff
    Já perdi as contas de quantas vezes deixei de pular por medo.

    ResponderExcluir