segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Um Sopão Natalino de Regina Célia Vieira

Tema: Natal




(Genaro era um homem muito rico, só pensava em trabalho. Um dia ele se encontrou com uma colega da época de colégio, Rute, que não via há muito tempo. No meio da conversa ela falou que participava de programas sociais. E que no dia de Natal, servia sopa aos moradores de rua.)


Rute- Você não gostaria de servir sopa com a gente, no dia 25? Vai ser na hora do almoço. É muito legal! O pessoal fica  muito contente, porque a gente conversa, troca idéias. Então? Você quer? Servir sopa com a gente?


Genaro- Eu não sei, Rute! Tem o almoço em família... Minha mulher não vai gostar nada... Ah! Quer saber? Eu vou, sim!  Nunca faço algo por alguém, só trabalho e esqueço do próximo. Vou lá, ajudar os pobres!


Rute- Ótimo!


(Alguns dias se passaram e Genaro ligou para Rute no dia 24, pela manhã!)


Genaro- Alô,  Rute! Genaro. Tudo bem?... É hoje o dia da sopa?


Rute- Não! É amanhã! Dia 25. Na hora do almoço! Lembra?


Genaro- Ah, é! No almoço!


Rute- Olha! Não vai esquecer, hein! Estamos contando com você!


Genaro- Já me comprometi! Achei muito legal, você me convidar! Quero fazer o bem, neste Natal! Trocar o almoço em família, no conforto do lar, pela dedicação aos pobres!


Rute- Eu vou todo ano e me sinto muito bem. Você vai gostar. A gente conhece pessoas fantásticas que moram na rua.


Genaro- Mas me diz uma coisa. Por que vocês servem sopa? Num calor desse... Não seria melhor servir algo mais refrescante?  Uma salada de bacalhau ou salpicão de frango? Um calor de 41 graus, como o de hoje... Servir sopa?


Rute- Com o dinheiro que a gente arrecada, só dá pra fazer sopa! Mas é uma sopa especial. É o sopão da Cida. Uma sopa caprichada, com todos os legumes. E tem frango também. A Cida faz um tempero gostoso. E ela adora cozinhar. Faz com muito carinho. Todos os anos, o sopão é um sucesso! O pessoal gosta e repete. A sobremesa é uma fruta e damos um mini panetone de presente. Fora a água e o suco.


Genaro- Vocês pedem pouco dinheiro pros voluntários. 20 reais. Pra que serve?


Rute- O pessoal ainda reclama! Acham muito! Dizem que já servem a sopa e não precisavam dar dinheiro. Mas se ninguém der, não tem sopa. Falou em dinheiro, esse povo não abre a mão, não! Claro, que não são todos assim, mas muitos, são.


Genaro- Pois eu tenho dinheiro! E vou proporcionar para essas pessoas carentes, o melhor Natal de suas vidas!


Rute- Genaro! O melhor Natal da vida delas, com certeza aconteceu quando elas tinham casa. Por melhor que seja a comida, elas estão na rua, agora.


Genaro- Não importa! Elas provavelmente nunca comeram o salpicão que eu preparo no Natal! E vou fazer um bacalhau que,  com certeza, nunca provaram.


Rute- Muitos dos que estão na rua, já comeram muito bem, sim. você não sabe da vida deles!


Genaro- Vou por a mão na massa. Vou comprar os ingredientes e preparar um almoço natalino inesquecível!


Rute-Mas nós já compramos tudo pra sopa. O pessoal vai preparar hoje a noite.


Genaro- Pois aproveitaremos os legumes e o frango que foi comprado. Isto não é problema. Todo mundo ajudando, sai rapidinho, o almoço.


Rute- Está bem! Se você pode e quer gastar... A gente agradece! Vamos lá!


Genaro- Até lá, então!


Rute- Tchau!


(No dia 25, os voluntários estavam todos posicionados em seus lugares para servir o almoço de Natal aos moradores de rua. Tinha muito bacalhau, salpicão e sobremesas diversas!)


Rute- Os pratos estão lindos! Você sabe, mesmo, cozinhar!


Genaro- Fiz curso de gastronomia em Paris há alguns anos. Só pra cozinhar pra família, mesmo.


Rute- Quem pode, pode. Olha! Eles já estão chegando! Bom dia, pessoal! Feliz Natal!


Pessoal- Bom dia! Feliz natal!


Genaro- Feliz Natal!


(As pessoas eram servidas pelos voluntários. Quando chegava a vez de Genaro, que estava servindo o salpicão, um comentário sempre se ouvia.)


Genaro- Senhora! Espero que goste deste salpicão. Pode ter um ingrediente que a senhora não indentifique. É funghi.


Rute - (Sussurrando) Que é isso, Genaro?


Genaro- Se livrou de tomar uma sopa quente, hoje! Hein, amigão?


Rute- (Baixinho) Por favor, Genaro!


Genaro- Oi, moça! Você vem todo ano aqui? Espero revê-la no ano que vem!


Rita- (Alto) Chega! (Se contendo) Você está constrangendo as pessoas!


Genaro- Só estou tentando puxar conversa! Você falou que conversa com eles! Só estou ouvindo você desejar, Feliz Natal, e nada mais!


Rute- A gente conversa depois! Agora o que eles querem, é comer! Parece maluco...(Para os sem teto) Feliz Natal! Feliz Natal!


Genaro- Feliz Natal!


(Todos foram servidos e alguns repetiam.)


Rute- Podemos comer agora. Estou louca para experimentar esse salpicão!


Genaro- Você vai adorar! E pessoal! Tem muito salpicão. Sobrando, vocês podem levar pra casa!


Rute- (Sempre sussurrando) Mas que casa! Eles não tem casa! Genaro você tá louco!


Genaro- Você tem razão! Desculpa, gente! Eu esqueci que vocês não tem casa! Então é melhor comer tudo aqui, mesmo!  Ou então, levem pra onde vocês forem!


(Rute não sabe onde enfiar a cara)


Cida- (pra outra colega) Quem mandou desprezar o meu sopão!


(Uma pessoa começa a passar mal. Com a mão na barriga, geme desesperada. Outra vomita. Um homem corre pro banheiro.)


Rute- Meu Deus! O que está acontecendo? O senhor está bem?


Homem- Minha barriga tá doendo muito.


Cida- Vou ligar pro Pronto Socorro!


Rute- É melhor a gente levar todos, nos nossos carros. É mais rápido!


Genaro- Mas por que eles estão assim? A comida foi preparada com o maior cuidado!


Rute- Agora não adianta procurar a causa do problema. Vamos correr.


(Todos seguiram para o hospital mais próximo. Alguns estavam em estado mais grave e precisaram de internação.)


Rute- O médico disse que foi intoxicação alimentar. Graças a Deus estão todos fora de perigo!


Genaro- Não sei o que aconteceu, mas tudo vai ficar por minha conta. E os que estão internados só saem daqui quando estiverem totalmente curados!


Rute- É o mínimo que você pode fazer! Os que estão melhor, vão passar a noite na associação. E vamos preparar uma canjinha pra eles!


Genaro- Nesse calor?


Rute- Me poupe! Se eles tivessem tomado a sopa não estariam aqui a essa hora!


Genaro- Eu tive a melhor das intenções! Não vem me acusar, não!


Rute- Você com a sua arrogância, só fez humilhar as pessoas que já vivem numa situação mais que humilhante. Só quis aparecer, deixando o almoço, todo, por sua conta. Não se doou com sinceridade. Por isso, sua comida fez mal.


Cida- por isso e por causa do creme de leite que ele usou no salpicão. Voltei na associação para verificar o que poderia ter acontecido. Olhei as embalagens vazias e descobri que o creme de leite está vencido há mais de um mês. Tá aqui a embalagem.


Rute- Que absurdo, Genaro! Você, quando faz compras, não olha a validade dos produtos, não?


Genaro- Eu estava com pressa! Puxa vida! Eu vou indenizar as pessoas. Pode deixar! Eu tenho dinheiro!


Rute- Sempre assim, desde a escola. Esfregando o seu dinheiro na cara de todo mundo! Só eu sei o que passei com você no colegial. Você e seus amigos zombando da minha condição de bolsista. Era só eu chegar na escola e vocês gritavam; -Lá vem a bolsista! Trouxe a marmitinha, bolsista? Ela veio de taxi! Claro, o pai dela é o motorista!- E caiam na gargalhada! Pois fique sabendo, que tenho muito orgulho do meu pai taxista e da minha bolsa de estudos. Foi graças aos meus pais e a minha bolsa, que eu consegui entrar em uma boa faculdade e me formar jornalista. Posso não ser milionária, como você. Mas o pouco que tenho, foi conquistado com muito trabalho e talento.


Genaro- Nossa! Quanto rancor! Eu nem me lembrava disso. Me desculpe!


Rute- Tá desculpado! Eu só não fico com raiva de você, porque do seu jeito torto, vai acabar ajudando, sem querer  a essas pessoas sem teto. Eu vou ficar no seu pé. Você vai indenizar esse pessoal com uma casa pra cada um. Se não eu te processo. E o seu nome vai ficar bem sujo. Você é um empresário famoso, não vai querer que isto aconteça. E também, quero sua ajuda, para recolocá-los no mercado de trabalho. Se não nas suas empresas, nas empresas de seus conhecidos. Afinal,  tem contato com muita gente influente.


Genaro- Você é quem manda! Mas eu quero que vocês saibam, que eu iria reparar o meu erro com essas pessoas, mesmo sem a sua ameaça. Eu não sou um sujeito ruim!


Rute- Eu sei disso. Eu só queria te dar uma lição. Tô leve! Agora vamos, Cida! Vamos dar a boa notícia pra turma! Finalmente eles vão ter um feliz Natal! Até logo, Genaro!


Genaro- Até logo! (Baixinho) Bolsista!
(Para a atendente) Mocinha! Por favor! Quanto está a minha conta, por enquanto?


Atendente- Aqui está, senhor!


Genaro- Uau! Desse jeito, eu é que vou acabar sem teto!


Moral da história:
Mais vale um sopão com fé, que um salpicão com soberba.


Feliz Natal!

Nenhum comentário:

Postar um comentário