quarta-feira, 19 de outubro de 2011

CELULAR DO DOCE De Ronaldo Fernandes

Tema: Assalto
NEIDE: (Pra ela mesma) Será que é por aqui?   Será que eu estou perdida meu Deus? Mas eu lembro direitinho. Eu vi no street view com aquele bonequinho que vamos posicionando e ele vai mostrando a foto. Lembro daquela padaria. Daquele banco. Daquela loja. Eu fiz a rota pelo Google maps e fui confirmando rua a rua pelo street view. Eu lembro bem. Eu tenho uma memória fotográfica e ela nunca falha... Bem não é bem assim... Eu sou péssima para fisionomia. Esses dias um cara chegou perto de mim e falava todo sorridente: Oi Neide, quanto tempo. Você continua com a mesma cara. E o Rivaldo como está? E eu com aquele sorriso aberto, sem nem saber com quem estava falando. Eu nunca tinha visto mais gordo, nem mais magro. - Neide você está mais bonita até, esse cabelo ficou ótimo. E eu me perguntando quem era e falando: Que nada, obrigado. Obrigado, nada, eu falei obrigada, porque mulher diz obrigada e homem diz obrigado, e eu disse obrigada. Mas não adiantava dizer obrigada porque eu nem sabia com quem estava falando. Fiquei meia hora conversando com o cara e nem sei quem era. Ele me deu dois beijinhos e foi embora e eu me perguntando quem era. Coisas de dona Neide. Mas porque que eu falei isso tudo mesmo? Ah lembrei. É por causa da minha memória fotográfica. Eu tenho a memória fotográfica. Isso é certo como dois e dois são quatro. Outro dia me levaram o celular. Eu estava no ponto de ônibus, tinha acabado de sair da diária que eu faço. Sim eu sou diarista. Qual o problema? Diarista não pode fazer rota no Google maps e consultar o street view não é? Eu sou diarista e consultei tudo isso no computador da casa de uma diária que eu faço. Eu não gosto de falar faxina. Eu não faço faxina, eu faço diária. Como eu estava dizendo, me levaram o celular. Eu estava no ponto do ônibus...
Um flash back
NEIDE: (No ponto de ônibus) Esse ônibus que não chega. Que saco. Odeio ficar esperando ônibus tanto tempo. Bairro chique é assim, ônibus demora mesmo. Eles nunca se lembram das diaristas, devem pensar que diarista de bairro chique vem trabalhar de carro popular. Carro popular sim meu bem. Porque carro popular aqui eu não vejo nenhum, só carrão. (Toca o celular e ela atende) Oi Luani. Tudo bem menina? Eu tô nesse maldito ponto de ônibus esperando adivinha o que? Adivinha? Não. Não é um táxi. É um ônibus! Essa porra desse busão que não passa. Não menina aqui não tem perigo de ficar no celular, aqui é bairro chique, não é desses lugares que tu freqüenta não. Imagina se um ladrão vai querer pegar esse meu celular do doce. (Risos) Coitado do bichinho. Ele é do doce, mas eu escuto bem. Está bem então Luani. Me liga mais tarde, vamos combinar de assar aquelas carninhas. Falou. Beijos. (Desliga o celular e quando coloca na bolsa surge um ladrão com uma arma)
LADRÃO: Passo o celular ae que você colocou na bolsa.
NEIDE: Nossa, mas esse celular é do doce.
LADRÃO: Que porra do doce que nada. Não fala nada e me passa o celular ae.
NEIDE: Mas moço, esse celular é do doce. Não vale nada.
LADRÃO: Passa a porra do celular e cala a boca.
NEIDE: Nossa, companheiro que jeito de falar.
LADRÃO: Passa a porra do celular.
NEIDE: Tá bom. (Mexe na bolsa)
LADRÃO: (Nervoso) Tá pegando o que na bolsa? Ta procurando o que?
NEIDE: Calma ae. Estou pegando o celular do doce.
LADRÃO: Pára de falar que essa merda é do doce e me passa a porra do celular.
NEIDE: (Tirando um celular da bolsa) Toma. Mas vou falando que esse celular é do doce.
LADRÃO: (Pega o celular) Vai tomar no cu. (Sai correndo)
NEIDE: (Som de um ônibus chegando) Agora chega esse ônibus. Não to nem ae, aquele celular era do doce mesmo.
Volta ao tempo presente
NEIDE: (Mostrando a bolsa com vários celulares dentro) Eu cansei de ter celulares roubados. Nem era pelo celular. Era pela agenda com os números de telefone das minhas diárias. Eu não gosto de falar faxina, falo diária. A partir daí comecei a andar com vários celulares. O meu e o do doce: Eles parecem de verdade, mas não são. E eu sou honesta e sempre digo pro ladrão, mas eles não acreditam.

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