quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A CULPA É DO VOVÔ de Regina Célia Vieira

Tema: Greve.



Orlando- Como ele está?
Cacilda- Mal! Muito mal! Vovô Antares está morrendo!
Orlando- Há dois meses que ele está morrendo!
Cacilda-  Que falta de respeito! É nosso avô!
Orlando- Ah! Cacilda! Me poupe! Vovô já tá nesse morre, não morre, há um tempão! Aposto que ele tá louco pra ir embora e você é que não deixa! Fica aí chorando, pedindo pra ele ficar. Desapega mulher!  
Cacilda- Você não tem sentimentos? Só pensa na herança que ele vai deixar!
Orlando- Que herança?  Aquele fusquinha 68? Pode ficar pra você! Aproveita e fica com as dividas, também! Essa herança, sim, é bem valiosa.
Cacilda- Fica quieto Orlando, ele tá ouvindo!
Orlando- Oh! Minha irmã! Ele já se desligou daqui! Ele quer mais é descansar das suas lamurias! E é bom ele ir embora hoje mesmo, porque os coveiros estão ameaçando entrar em greve.
Cacilda- Orlando, por favor!
Orlando- Só estou sendo prático!  Se os coveiros entrarem em greve antes dele desencarnar, aí sim, teremos problemas!
Cacilda- Parte pra cima dele. Seu desgraçado!  Eu aqui sofrendo pelo vovô e você preocupado com greve!
Orlando- Cacilda!  Tenha dó! O vovô tá com 105 anos! Não sei como alguém aguenta viver tanto! Eu já estaria enjoado! Daqui a pouco ele entra pro Guinness!
Cacilda- (Se aproxima do avô)- Vovô! Ele não sabe o que diz.  Perdoa ele, vô! Perdoa...  Vovô! Vovô Antares!  Enfermeira! Enfermeira!
Orlando- O que foi?
(A enfermeira entra correndo.)
Cacilda-  Meu avó!  Parece que parou de respirar!
(Enfermeira verifica o estado do paciente.)
Enfermeira- Vou chamar o médico!
(Médico entra e examina Antares. Balança a cabeça!)
(Cacilda se desespera.)
(Orlando fica em silêncio.)
(Enfermeiros levam o corpo de Antares.)
(Orlando e Cacilda se abraçam.)
(Antônia, a outra irmã, entra no quarto.)
Antônia- Oi gente! Oi vovô...  Não!
Orlando- Sim! Vovô se foi.
Antônia- Meu Deus! Que o senhor faça uma boa passagem, vovô! Mas foi melhor assim...
Cacilda- Melhor pra quem? Pra você, Antônia? Pra você, Orlando? Só se for pra vocês que foi melhor! Pra mim, que cuidei dele esses anos todos, está sendo difícil demais! Eu é que levava ele ao médico.
Orlando- Eu é que dirigia o carro!
Cacilda- Eu dava a comida dele!
Antônia- Eu fazia a comida!
Cacilda- Eu dava os remédios!
Antônia e Orlando- Nós comprávamos os remédios!
Cacilda- Eu sempre me dediquei muito mais a ele, seus egoístas!
Orlando- Tá bom, Cacilda! Você é ótima! Só que agora o vô Antares partiu e todos nós estamos desolados, mas já esperávamos por isto! O que temos que fazer agora é cuidar do enterro.  Entendeu?
Antônia- Vai ser difícil!
Orlando- O que?
Antônia- Quando estava vindo pra cá, deu no rádio que os coveiros acabaram de entrar em greve!
Orlando- Não! Eh! Vô! Enrolou, enrolou...
Cacilda- Você é inacreditável, Orlando!
Orlando- Vai te catar Cacilda! O vovô tinha senso de humor! Não enche? O que vamos fazer?
Cacilda-  Nosso avó vai ser enterrado no jazigo da família! Fica no necrotério até a greve acabar.
Antônia- A greve é por tempo indeterminado! Nossa mãe não vai gostar nada, nada, de deixar o pai dela na geladeira por tempo indeterminado!
Orlando- Podemos leva-lo para outra cidade.
Antônia- A greve é nacional!
Cacilda-  Então a única solução viável vai ser cremá-lo!
Antônia- Esqueceu? Vovô sempre dizia que tudo menos ser cremado! Morria de medo de ir pro outro lado e ver o corpo dele pegando fogo!
Orlando- O vovô era ateu!
Antônia- Sabe como é, né?! Ateu, graças a Deus!
Orlando- Estamos num impasse!
Antônia- Eu estive pensando... O vovô era médico. Bebia e fumava. Só deixou esses vícios quando soube que estava doente. Ainda assim,  viveu até 105 anos. Vovó morreu, bem antes, como fumante passiva.  Vovô Antares é um caso a ser estudado pela ciência. Tenho certeza que ele ficaria muito feliz se doássemos seu corpo para a faculdade de medicina, mais precisamente, a faculdade onde se formou.
Orlando- Nossa! Que ótima ideia Antônia! O que acha Cacilda?
Cacilda- Se não tem outro jeito!
Orlando- E como a gente faz? A gente leva pra faculdade?
Antônia- Não precisa! Eles retiram no local.
Cacilda- Que maneira de falar!
 Antônia- (Discando o celular) - Aquele corpo que saiu daqui, não é mais o vovô! Ele está em um lugar muito melhor agora! Ele não acreditava, mas eu acredito! Alô! Boa tarde! Eu preciso de uma informação. Meu avô acaba de falecer e o grande desejo dele, era doar seu corpo para faculdade de medicina onde ele estudou e se formou. Você deve até conhecer, o Dr. Antares... Pois, é !... É, foi hoje, sim... Obrigada!  Nós já estávamos preparados... Bom,  eu gostaria de saber se vocês poderiam pegar o corpo aqui no hospital! Qual o procedimento?... Sei... Entendo... Certo.... Muito obrigada pela sua atenção! Até logo!
Orlando- E aí?
Antônia- Ela disse que justamente hoje, várias pessoas tinham familiares que desejavam doar o corpo á ciência após a morte e que até depois de amanhã não teriam mais horário para buscar corpo algum. Mas que poderíamos entrega-lo lá.
Orlando- Vou cuidar da burocracia.
Cacilda- Que situação! Não podemos nem nos despedir de nosso avô direito!
Antônia- Eu já me despedi dele há dois meses, atrás, desde que ele entrou em coma e não se podia fazer mais nada! Temos que aceitar!
Cacilda- A mamãe é que não vai aceitar o fato de não poder dar adeus a ele, temos que falar com ela.
Antônia- Vou ligar pra ela! Alô mãe! Tenha calma, mãe! Mas, o vovô não está mais aqui no quarto!... Não! Ele não foi fazer nenhum exame!... Não! Ele não foi tomar banho!... Não! Ele também não foi transferido de quarto.  Então...!  Como, o que aconteceu? Ele morreu, mãe! Morreu!... Eu tentei te contar com jeito, mas a senhora também... Não, mãe! Não chora... Calma, desculpa! Olha! Presta atenção! Está tendo uma greve dos coveiros! A greve é nacional e por tempo indeterminado! O vovô não queria ser cremado. E como a senhora não gostaria que ele ficasse numa geladeira por muito tempo, a gente decidiu doar o corpo dele á ciência.  Tudo bem?... Então? A senhora quer vir aqui no hospital se despedir dele?... Tá bem, mãe!... Não, pode deixar.  A gente vai mesmo doar pra faculdade. Ele não vai ficar na geladeira, não. A senhora vai ficar bem?... Desculpa, mãe! Te amo, viu! Tchau! (Desligando o telefone)  Ela não vem! Diz que prefere lembrar do vovô, vivo! Acho que ela quis dizer, vegetando! Enfim...!
(Cacilda olha para Antônia com ar de reprovação.)
Antônia- O que?
Cacilda- Definitivamente você e o Orlando não são meus irmãos!
Antônia- Bom, acho que você tem que checar isso com a mamãe e não comigo.
Orlando- Tudo certo! Podemos ir!
Cacilda- Vamos os três?
Antônio- Claro, até o fim.
Já no carro a caminho da faculdade.
Orlando- Ainda bem que eu vim com a van hoje. Parece que estava adivinhando. Mas que trânsito é esse?  Será que Aconteceu algum acidente?
Cacilda- Logo agora que a gente está quase na porta da faculdade.
Antônia- Espera aí! Parece que essa fila de carros dá na faculdade! Vou perguntar pro motorista da frente. (sai do carro) Esperem!
Orlando- Nem que a gente não quisesse, tinha que esperar né, Cacilda?
(Cacilda olha com desdém pra Orlando.)
Antônia- O cara da frente disse que não sabe dos outros, mas ele quer deixar o corpo do amigo na faculdade.
Cacilda- Não é possível que todos esses carros tenham gente morta dentro!
Orlando- Mas, metade do planeta resolveu morrer logo hoje?
Antônia- O jeito vai ser esperar!
Cacilda- Me acorda desse pesadelo, meu Deus! Me acorda desse pesadelo!
Orlando- Eu estou aqui pensando... Como alguém consegue colocar uma pessoa morta dentro de um carro pequeno?
Antônia- Não sei, mas o cara da frente tava com o amigo sentadinho do lado dele. Levei até um susto!
Cacilda- (Chorosa)- Ainda bem que o nosso avô tá esticadinho!
Antônia- Olha lá! Alguém da faculdade vai falar no microfone!
Homem- Senhores! Por favor, ouçam! Não poderemos mais aceitar corpos aqui na faculdade!
(Burburinho.)
Homem- Não! Não é por causa da superlotação e sim pelas péssimas condições de trabalho. O sindicato dos cientistas determinou em assembleia extraordinária, que entrássemos em greve a partir de agora.  A greve é nacional e por tempo indeterminado!
Orlando e Antônia- Essa não!
Cacilda- Pesadelo! Pesadelo!
Homem-  Os corpos que já estão aqui, ficarão. Aconselho que os demais retornem de onde vieram! Sinto muito!       
Antônia- Não acredito que o nosso avô vai ter que ficar na geladeira! Mamãe não vai gostar nada, nada, disso!
Cacilda- Pelo menos vovô será enterrado no jazigo da família!
 Orlando- Música é o que me resta pra salvar este dia!
Rádío-  Plantão extraordinário! Operários das companhias elétricas acabaram de entrar em greve. A greve é nacional e por tempo indeterminado! Voltaremos a qualquer mo....(Blecaute) 
Os três _ NÃÃÃÃÃÃO!!!!!






 
 




Nenhum comentário:

Postar um comentário