sábado, 19 de novembro de 2011

FOFA de Marcus Di Bello

TEMA: GREVE

(Música sensual. Renata usa espartilho e está com os cabelos soltos. Passa creme no corpo. Entra Ricardo de jeans e camiseta branca. Abraça Renata por trás)

RICARDO
(Sensual)
Olá.

RENATA
Olá, bonitão.
(Beija pescoço dele)

RICARDO
Isso, me beija. Vai, assim mesmo. Vai fofa, faz assim que eu gosto.

RENATA
Fofa? Você me chamou de fofa?

(Entra Tulho)

TULHO
Corta! Porra, Rick, fofa não dá. O que deu em você?

RICARDO
Desculpa.

TULHO
Tá escrito no roteiro “vai, assim, assim que eu gosto”, então ela tem mais uma fala e já começa a transa. É simples. Não tem fofa no texto.

RICARDO
Desculpa, não vai mais acontecer.

TULHO
Então vamos do começo. Sete, oito.

(Mesma cena do começo)

RICARDO
(Sensual)
Olá.

RENATA
Olá, bonitão.
(Beija pescoço dele)

RICARDO
Isso, me beija. Vai, assim, assim que eu gosto.

RENATA
Me põe na caminha, põe?

RICARDO
Então Tulhão, essa fala eu não curto.

TULHO
Parou a gravação de novo, Rick? Por que não curte?

RICARDO
“Me põe na caminha”. Qual é, lembro da minha filhinha com essa fala. Brocha total! Assim não dá.

TULHO
Assim não dá digo eu! Vocês são pagos para seguirem o roteiro, apenas para isso. Tem um texto, vocês falam e fazem.

RICARDO
Mas eu cansei de seguir o roteiro. Por que não posso colocar a minha marca pessoal? Como vou crescer na carreira de ator?

RENATA
Eu faço crescer rapidinho.

RICARDO
Não é isso. Sabe, a gente não pode nem acrescentar uma fala. Preciso sempre seguir essa merda de roteiro. Eu tenho personalidade. Eu fiz teatro, sabe. Eu já montei Brecht, exijo reconhecimento. Quer saber, a partir de hoje estou de greve.

TULHO
Greve de sexo?

RICARDO
Greve de trabalho mesmo. Estou em busca dos meus direitos. Se os bancários podem fazer greve, por que eu não posso?

TULHO
Porra Rick, bancário faz greve porque é babaca. Só começa a trabalhar as nove horas da manhã, tem ar condicionado, segurança, salário bom e todos os direitos possíveis e imagináveis.

RENATA
(Para Ricardo)
A diferença é que lá o banco coloca na bunda da população, aqui você coloca na minha.

RICARDO
Renata, para e pensa um pouco. Não te irrita ficar nessa rotina? Ser um produto ao invés de um ser humano?

RENATA
Sinceramente? Enquanto eu continuar pagando a minha faculdade de relações públicas, estou feliz.

TULHO
Está vendo, Rick? Larga mão dessa greve. Você é o meu melhor homem aqui. Você é, literalmente, do caralho.

RICARDO
Eu não sei, Tulhão. Estou pensando nos meus direitos e na minha liberdade de expressão. O mundo não ‘tá fácil para ninguém. Se eu não pensar nisso agora, o que será de mim em dez anos? Preciso gritar hoje pelos meus direitos, para colher amanhã.

TULHO
O que eu posso fazer? Não podemos alterar as falas, isso realmente não dá para ser feito. Mas Rick, se você finalizar essa greve eu posso inserir uma cena de sexo oral da Renata com você.

(Ricardo olha para Renata, que faz cara de santinha)

RICARDO
Que se foda a greve!

TULHO
Esse é o Ricardão que eu conheço. Os dois, corram para a sala de maquiagem, refaçam tudo em cinco minutos que às vinte e uma e cinquenta quero voltar a gravar.
(Os dois saem)
Pois é. Se boquete fosse usado como moeda de troca ainda estaríamos na porra do feudalismo.

(Fade out)

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