domingo, 6 de novembro de 2011

“O FEIO NÃO É BONITO”, de Junior Texaco

Tema: vaidade


Personagens :    Noêmia
Clorinda

 (Clorinda e sua prima Noêmia passeiam e conversam sobre sua deformidade que as pessoas olham e sussuram. Noêmia tem um seio só devido ao câncer)
Noêmia – É uma estupidez as pessoas ficarem me olhando desse jeito.
Clorinda – Mas querida assim também quem não olharia? (e aponta o único seio da prima, sob a blusa justissima)
Noêmia – Como se a aberração fosse eu.
Clorinda – Mas para mim você é. E olha, se me contassem sobre você não acreditava.
Noêmia – Olha lá aquela (aponta uma qualquer) se acha linda e fica me olhando. Julgando. Só porque é perfeita. Será que ela é linda mesmo?E por dentro? O que essa atitude demonstra sobre ela?
Clorinda  – Que você está dizendo? Para de viajar.
Noêmia – (encarando as pessoas)Que por dentro muitas pessoas são mais feias do que eu é isso o que eu estou pensando.  O que você quis dizer?
Clorinda – O que?
Noêmia – Sobre se te contassem sobre mim você não acreditava.
Clorinda – Ah, pela sua coragem de andar por ai assim como se fosse normal, eu jamais teria coragem.
Noêmia – Mas é escolha minha. Se perdi um seio é porque Deus quer que eu tenha só um.
Clorinda – Pois eu jamais cortaria o meu. Foda-se o que Deus quer, cortar meu peito jamais. Nasci perfeita, morro perfeita. Comida pelo câncer, mas perfeita, linda.
Noêmia – Pois eu ainda me acho bonita. Me sinto renascida. Pura.
Clorinda – Pois eu, no seu lugar me sentiria deformada ou então procuraria um programa de televisão, desses que contam os dramas das pessoas.
Noêmia – Eu hein. Pra quê?
Clorinda – Pra faturar algo. Um comercial, uma participação num programa de humor. Quem sabe um reality show? Mostrar a sua atitude pras pessoas.
Noêmia – Mas é justamente isso que não quero. Estou bem assim. Se é pra ficar à  mostra para o escárnio da choldra fico assim. Levando minha vida normalmente.
Clorinda – Ah mas eu não escarneço, só te julgo. Não me conformo. Tão esquisito te olhar e reparar logo no seio.
Noêmia – Não ligo, não tenho mais sentimentos Clorinda. Foram-se com o seio que a doença me levou. O do coração.
Clorinda – Que horror. Você é muito dramática. Poderia tentar o teatro.
Noêmia – Quem sabe? Seria um meio de mostrar às pessoas o quanto elas tem a alma deformada. Me agradaria muito.
Clorinda – Garanto que agradaria. E olha, sabe que só essa sua postura já me fez ver a mim mesma como sou?
Noêmia – É mesmo?
Clorinda – Não acabei de confessar que preferia morrer a ter um peito decepado? Pois então, me abri com você de coração. Pronto, falei. Sou feia por dentro.
Noêmia – Que é isso? Está louca.
Clorinda – Pois olhe em volta e veja. Todos te olham mas não olham nos olhos. Miram discretamente o seio, mas passam. Como se você não existisse.
Noêmia – Eu sei, eu vejo. Mas não me preocupo com isso.
Clorinda – Pois devia se preocupar. Quando as pessoas te encaram discretamente mas não te olham nos olhos é porque silenciosamente você já foi excluída, entendeu?
Noêmia – Eu já senti isso. É ser diferente isso, sabia? Passar por isso. Não fazer parte do mundinho perfeito e confortável.
Clorinda – Sabia sim. Eu já fui diferente.
Noêmia – Foi? (e espera que a outra conte)
Clorinda – Antes de casar com o Walter e ter o Geraldinho, eu era lésbica e tocava numa banda punk.
Noêmia – Sério? Pois olha se me contassem eu não acreditava.
Clorinda – E tem mais. Preciso confessar agora me empolguei. Sabe, sou muito inescrupulosa.
Noêmia – Pronto. (suspira)
Clorinda – Na festa do ano novo na casa da Marilu, sabe o que eu fiz?
Noêmia – O quê?
Clorinda – Eu entrei no quarto dela e roubei aquela bolsa caríssima.
Noêmia – Foi você!
Clorinda – Foi.
Noêmia - Mas por quê?
Clorinda – Porque ela é uma invejosa, soube que eu tinha comprado uma bolsa cara, fez questão de comprar uma mais cara ainda. Até hoje ela não sabe. Tinha tanta gente naquela casa…mas eu precisava. Não admitia que ela tivesse uma bolsa melhor e mais cara do que eu.
Noêmia – Que horror. Estou chocada. Nunca pensei…
Clorinda – Exato, é como você disse antes e eu também. Que se alguém contasse você não acreditaria.
Noêmia – Jamais pensei que você fosse assim. Apesar de te achar meio louca, mas não a esse ponto.
Clorinda – Como pode ver também te acho louca. De sair assim na rua.
Noêmia – Sim, minha deformidade é exposta. E agride. As pessoas se chocam com o que vêem.
Clorinda – E a minha não. A minha perfeição física a oculta muito bem.  As pessoas não se chocam com o que vêem. Eu também me choco ao ver você.
Noêmia – Mas é minha amiga. E me mostrou a sua feiura.
Clorinda – Foi sua postura. Apesar de eu discordar com ela me fez pensar sobre feiúra e beleza.
Noêmia – Cada vez te entendo menos.
Clorinda – Mas que percepção! Já pensou em tocar numa banda punk?
(as duas saem e a luz vai diminuindo)

Nenhum comentário:

Postar um comentário