segunda-feira, 28 de novembro de 2011

“DOCUMENTÁRIO EM FAMILIA”, de Junior Texaco.



Tema: cinema.
Personagens: Geraldinho, o filho.
                          Walter, o pai.
                          Clorinda, a mãe.   

(Walter está no banheiro, sentado na privada e entra Geraldinho, com uma câmera filmadora, dessas modernas, hd e tal.)

Geraldinho (entra filmando)– Sorria papai, você está sendo filmado.
Walter – Mais essa agora. Essa câmera na sua mão é um perigo seu demoniozinho. Quer que eu faça o que agora? Que limpe a bunda? (faz isso), levante?(faz isso) e me arrume? (arruma as calças).
Geraldinho – Isso papai, se entrega.
Walter – Escuta Geraldinho, acho bom você parar com isso e apagar o que você filmou senão não sei o que faço!
Geraldinho – Boa papai, põe pra fora. Vai surtando enquanto eu rodo em volta de você. Vai ficar um luxo! Bem Glauber Rocha.
Walter – Clorinda! Ô Clorinda! Venha cá por favor ver o que seu filho está aprontando dessa vez. Para de rodar em volta de mim, diabo. Tá me deixando zonzo!
Entra Clorinda.
Clorinda – Que que foi. Que está acontecendo?
Walter – Seu filhote doido com essa câmera na mão, me filmou cagando e está dizendo que é Glauber Rocha, depois não querem que eu beba.
Clorinda – Mas você ainda não contou pro teu pai, coisinha linda fofa da mamãe...
Walter (reparando melhor) – Mas escuta. Onde você vai assim emperequetada a essa hora da manhã? Que roupa é essa? E essa maquiagem?
Clorinda – Ontem ele me filmou passando a chapinha no cabelo. Eu deixei por dez por cento de cachê, ameacei dar um sumiço na câmera de surpresa, coisa que você não é capaz de fazer. Mas agora não me pega mais.
Walter – Pois eu faço, viu? Se ninguem me explicar o que significa essa câmera na mão desse menino, olha lá Clorinda ele não para de filmar. Está me assustando, e você tambem com essa cara esquisita.
Geraldinho (sempre filmando)– Calma papai, estou fazendo um documentário sobre a minha vida como ela é.
Walter – Mas o que tem de interessante a tua vida menino? Você só faz é atormentar a gente com as suas loucuras.
Geraldinho (sempre filmando) – Isso papai, jóia. É dizer o que pensar de mim. Desabafa. Assim o filme vai arrasar.
Walter – Ah vai mesmo. Mas sem o papai cagando, senão não tem filme, viu?
Clorinda – Filhinho, olha, conta pro teu pai a sua ideia conta…conta pra ele o que você vai fazer…(ri baixinho meio histeica)
Walter – Clorinda você está me assustando. Já tomou os remedios?
Geraldinho (sempre filmando) – Nossa mamãe, a senhora assim toda maquiada fica mais falsa. Fica só assim, quero fazer umas cenas com a senhora com essa cara de maluca. Tão Hitchcockeana.  Um luxo , mãe.
Walter – Mas onde esse menino inventa essas palavras?
Geraldinho (sempre filmando) – Hitchcockeana pai, de Alfred Hitchcock. Aquele diretor de filmes de suspense, que tinham sempre uma personagem que era doida e fazia umas caras assim igual a mamãe quando fala comigo dizendo que gosta de mim. Falsa e com cara de louca.
Clorinda – Me respeita coisa do demo. Que eu acabo com a tua festa já.
Geraldinho (sempre filmando) – Isso mamãe, bota pra fora essa angustia da hipocrisia, mostra a tua cara Brasil.
Clorinda – Você vai ver o Brasil no meio do teu focinho!
Walter – Me tira essa minha cena cagando eu não quero que você tenha isso!
Geraldinho (sempre filmando) – Mas papai é pra dar um toque surreal ao filme.
Walter – E desde quando cagar é surreal? E pra que esse filme? Nem celebridade você é.
Geraldinho – É um documentário sobre minha vida, com você, a mamãe, a vovó, a tia Noêmia…
Clorinda – Conta logo coisinha endiabrada da mamãe, conta o que você vai fazer….(ri meio louca)
Walter – Estou assustado.
Geraldinho – Não precisa agir assim mamãe. Como uma retardada mental.
Clorinda – Que é isso menino? Mais respeito. Estou aqui colaborando com essa sandice porque é capaz de dar um dinheirão e você fica dando uma de ignorante comigo. Foi essa a educação que te dei?
Geraldinho (sempre filmando) – Foi. Sua interesseira!
Walter – Podem parar os dois. Eu quero saber dessa estória já. Tintin por tintin.
Geraldinho (sempre filmando) – É para um festival de cinema de diversidade sexual. Vou fazer uma operação…
Walter – Operação?
Geraldinho – Depoimentos da familia, dos amigos…
Walter – Que operação?
Geraldinho – Já tem até patrocínio, uma emissora de tv paga. Vou pra Tailândia e me deram carta branca. Vai ser tipo um reality show. Vou ganhar um dinheirão. Participação nos lucros e tudo.
Walter – Que operação, vai operar o quê?
Geraldinho – Vou trocar de sexo. Vou me chamar Geraldine. No final do documentario eu serei mulher finalmente. E rica. Livre de vocês. Meu filme vai ser um sucesso.
Walter – Tô besta. Com a minha cara no chão. Vou mudar de nome e desaparecer.
Clorinda – É meu querido. Nós criamos filhos para o mundo. Mas em muitos casos o mundo cria filhos pra gente.

Um comentário: