terça-feira, 31 de janeiro de 2012

SEM RESPOSTA de Regina Célia Vieira

Tema: Velório.


Personagens:


Henrique
Otávio
Laurinda
Luiz
Décia
Mãe
Pai
Dr. Arnaldo
Filho
Segurança
Homem 
Mulher


( Henrique se aproxima de Otávio) 


Henrique- O que foi?

Otávio- Erro médico.


Henrique- Erro médico?


Otávio- Hum! hum!


Henrique- Como assim? O que ela tinha?


Otávio- Não sei. Só sei que o médico errou.


Henrique- E agora?


Otávio- Agora, o que?


Henrique- Como eu vou saber do que ela morreu?


Otávio- Já disse! Foi erro médico! 


Henrique- Erro médico não é doença, Otávio! Que doença que ela tinha?


Otávio- Pergunta pra alguém da família!


Henrique- Caramba! Eu já dei os pesames pra eles! Agora vou voltar lá pra peguntar isso? É chato, né? Eu não sou amigo da família. Só vim, porque ela era nossa colega.


Otávio- Era uma boa colega. 


Henrique- Era. Mas eu só falava com ela, o essencial.


Otávio- Eu, também.


Henrique- Ela era timida.


Otávio- Muito timida.


Henrique- Quase não conversava.


Otávio- Era muito calada.


Henrique- E agora?


Otávio- Agora, o que?


Henrique- Como vou saber, como ela morreu?


Otávio- Pergunta pra outra pessoa no velório!


Henrique- Boa ideia!


(Se dirigindo a um homem) 


Henrique- Por favor! Meu nome é Henrique! Eu era colega da Laurinda. É uma pena o que aconteceu!


Homem- Lastimável!


Henrique- O senhor sabe do que ela morreu?


Homem- Foi erro médico!


Henrique- Isso eu sei! Mas ela sofria de que?


Homem- Não sei! Na verdade, eu sou amigo do irmão dela. Nem a conhecia.  E eu fiquei sem jeito de falar sobre doença com ele. Mesmo porque, se eu falo neste assunto,  começo a sentir as dores da pessoa e acabo passando mal. Aliás, hoje eu não estou muito bem! É que eu sofro de gota...


Henrique- Estimo suas melhoras, senhor! Obrigado!


Otávio- E então? Descobriu o que ela tinha?


Henrique- Que nada! O homem começou a querer falar da doença dele. É hipocondriaco.


Otávio- Aqui não é o melhor lugar pra um hipocondriaco ficar.


Henrique- Pois, é! E o pior é que eu ainda não descobri o que ela tinha.


Otávio- Mas isto, não importa! O que importa é que ela não tem mais.


Henrique- O que?


Otávio- O que ela tinha. Ela não tem mais, o que ela tinha.


Henrique- (Olhando para Otávio, sem entender)


Otávio- Ela não tem mais, o que ela tinha, porque ela morreu! Entendeu, agora?


Henrique- Ah! Tá! Ih, Otávio! Você não bate bem, não!


Otávio- Você é que não bate bem. Fica aí, querendo saber o que a mulher tinha. Ela se foi. Foi erro médico. É o que importa.


Henrique- Foi erro médico! E alguém vai processar o médico?


Otávio- Bom! Isso, eu não sei!


Henrique- Eles tem que processar o médico! Ele tem que pagar pelo seu erro. Alguém vai ter que indenizar a família! Não é justo que isso fique assim. O que o incompetente desse médico, pensa que é? O Hospital também tem que pagar, porque eles não podem...


Otávio- Para Henrique! Tá ligado no 220? Não para de falar.


Henrique- É que agora, além de eu estar encafifado com a doença dela, eu quero saber, também,  se eles vão processar o médico.


Otávio- Mas, por que você quer saber isso? Não é da sua conta. Foi sua mulher que morreu? Alguém da sua família? Não! Então fica na sua e reza por ela. Que é disso que ela precisa.


Henrique- Não consigo me concentrar na reza! Enquanto não resolver isso, não sossego.


Otávio- Meu Deus! E eu é que não bato bem! 

Henrique- Ah! O Luiz tá alí! Vou perguntar pra ele.


Henrique- Oi, Luiz!



Luiz- Oi, Henrique! Que coisa, hein! Você sabe do que ela morreu?


Henrique- Era isso que eu ia te perguntar!


Luiz- Eu não sei! A mãe e o pai dela estão tão transtornados, a familia toda. Parece que foi muito rápido.


Henrique- Dizem que foi erro médico. Mas pelo jeito ninguém sabe o porque do erro. O que ela tinha de fato, antes do médico cometer o erro. Isto está me deixando louco!


Luiz- Por que?


Henrique- Porque eu quero saber o que ela tinha.


Luiz- Todo mundo quer saber! A curiosidade é geral! Mas pelo 
visto, você está mais curioso que todo mundo!


Henrique- Eu não aguento querer saber uma coisa e não obter resposta. Parece um mistério. Ninguém sabe do que essa mulher morreu!


Luiz- Mas você não falou que foi erro médico?


Henrique- Foi erro médico! Mas ela tinha que ter alguma coisa, antes, pra acontecer o erro médico. Concorda?


Luiz- Nossa! Eu não sabia que você gostava tanto dela, assim!
Pensava que vocês nem se conhecessem direito!

Henrique- Eu não a conhecia direito! Eu não gostava dela. Quer dizer, eu não tinha nada contra ela. É que eu não posso ficar sem resposta. Eu fico muito nervoso, quando quero saber algo e não obtenho resposta.


Luiz- Disso eu sei! Na firma, você é assim! Quando não cosegue resolver algum problema, fica pilhado. Mas não sabia que você era assim na vida, também.


Henrique- Você não me conhece. Eu preciso desvendar os mistérios, se não fico louco!


Luiz- Calma! Alguém deve saber do que ela sofria.


Henrique- A Décia! Ela era amiga dela. Vou perguntar!


Otávio- (Pra Luiz) Ele estava te enchendo o saco com a doença da Laurinda?


Luiz- É! Mas ele não me engana, não! Pra mim ele tinha um caso com ela! Por isso, está transtornado desse jeito!


Otávio- Será?


Henrique- Tá na cara.


Otávio- Menino! Mas ela não era casada?

Luiz- Tava se separando. O marido nem está aqui. Devia ter muita mágoa dela. Também, se ela traía ele com o Henrique...


Otávio- A gente não tem certeza!


Luiz- Mas, deve ser! Olha como ele está!


Henrique- (Balançando Décia pelos braços) Décia! Para de chorar e me responde! Do que ela morreu, Décia?


(Décia só chora. Não consegue falar)


Henrique- Ai! Meu Deus! Não vou saber nunca!


Henrique- (Para Otávio e Luiz) A Décia está em estado de choque. Não consegue pronunciar palavra.  (Procurando algo nos bolsos) Droga! Cadê?


Otávio- O que?

Henrique- Ah! Nada, não!


Luiz- Você tá muito nervoso!


Henrique- Eu preciso convencer a família á processar o médico.


Otávio- Vai ver, eles já estão providenciando isto.


Luiz- Sei, não! Quando acontece uma coisa assim, a família não tem cabeça pra pensar nesses detalhes chatos.
  
Henrique- Não é um detalhe! Esse médico matou uma pessoa, tem que ser punido. Mas deixa, eu irei ajudar a família nessa parte.


Otávio- Não se mete.


Henrique- Eu tenho todo o direito de me meter! Ela merece ter sua memória honrada! (Sai de perto dos dois)


Luiz- Eles tinham um caso.


Otávio- Tinham.


Henrique- (Pra uma mulher) Desculpe! Eu preciso saber! A família vai processar o médico?


Mulher- Que médico?


Henrique- O médico que cometeu o erro.


Mulher- Que erro?


Henrique- O erro médico!


Mulher- Eu não sei do que o senhor está falando!


Henrique- Ela estava doente e morreu, vítima de um erro médico. Eu quero saber que doença ela tinha e se a família vai processar o médico.


Mulher- Eu não sei! Sou funcionária do plano funerário. Só vim verificar se está tudo em ordem.


Henrique- Mas não é posssivel?


(Todos olham para Henrique)

Henrique- (Disfarçando, volta a mexer nos bolsos do paleto e da calça. Procura algo no chão)


Luiz- Tá doidinho!


Otávio- Tá!


(Henrique pergunta a todas as pessoas do velório, menos a família de Laurinda, sobre sua doença e o processo contra o médico. Sem resposta.)


Henrique- (Para Luiz e Otávio) - Eu não aguento mais! Ninguém sabe nada na droga desse velório! E a Décia continua se acabando em lágrimas!


Luiz- Mas que coisa! Em algum momento, todos vão acabar sabendo o que ela tinha, mesmo! Sempre a gente acaba sabendo. Espera até amanhã. Lá na firma, com certeza, a rádio peão vai anunciar!


Otávio- Ah! Sem dúvida!


Henrique- Que amanhã! Eu quero saber é agora! Vou perguntar pra mãe dela!


Otávio- Você tá doido? Deixa a mulher sofrer em paz!


Henrique- E o meu sofrimento? Como é que fica? (Vai atras da mãe de Laurinda)


Otávio- Cara! Ele tá sofrendo!


Luiz- Não te falei?


(A mãe de Laurinda está amparada pelo esposo e pelo filho)


Henrique- Me desculpe, senhora! Meu nome é Henrique, eu trabalhava com a Laurinda e eu preciso muito fazer uma pergunta, ou melhor, duas em uma.


Mãe- (Desolada) Pode perguntar? 


Henrique- Qual era a doença de Laurinda? E vocês vão processar o médico pelo erro?


Mãe- Erro? O médico não cometeu erro algum! 


Henrique- Mas está todo mundo falando que Laurinda morreu por causa de um erro médico.


Mãe- O médico de minha filha é o dr. Arnaldo que está bem alí. Ele deu o diagnóstico errado, sim. Mas não foi culpa dele. O erro foi do laboratório, que enviou os exames errados pra ele. No exame dizia, que minha filha tinha um aneurisma inoperável e que tinha pouco tempo de vida. Só que os exames eram de outra paciente com o mesmo nome de minha filha. Minha Laurinda não tinha doença alguma. (Cai no choro)


Henrique- ( Nem aí pro choro da mulher.) Mas e a outra paciente já sabe que tem essa doença?


Mãe- ( Se recompondo) Não! Ela morreu antes dos resultados 
saírem. Me informaram no hospital.


Henrique- Mas se Laurinda não estava doente... Como ela morreu?


Pai- Meu senhor, chega de perguntas.


Henrique- Não! Eu preciso saber! Por favor me responda!


Mãe- (Para o marido) Pode deixar, querido! Eu falo! (Para Henrique) Minha filha, quando recebeu o diagnóstico, não aguentou o choque e teve um infarto fulminante. (Chorando muito)
Dr. Arnaldo tentou reanimá-la, mas não conseguiu! Minha Laurinda!


Henrique- (Fora de si) Yes! Yes! Yes! Agora eu sei o que ela teve! Que alívio!

(Todos o olham atônitos)


Pai- Mas que absurdo é este?


Otávio- Enloqueceu de vez!


Luiz- Eu não conheço, hein!


Henrique- Agora a pergunta que não quer calar! Vocês vão processar o laboratório?


Mãe- Tirem este louco daqui!


(O irmão de Laurinda e um segurança seguram Henrique pelos braços e vão levando-o para fora do recinto)


Henrique- Eu tenho que saber! Eu não vou conseguir dormir sem resposta. Vocês precisam processar...ar, ar... (perdendo a cor) Meu re-me... (Cai desmaiado)


Filho- Por favor, Dr. Arnaldo!


Arnaldo- (Examinando Henrique) Está morto.


(Burburinho)


Otávio- O Henrique? Morto?


Luiz- Não acredito!


Décia- (Chorando)  Achei essas caixas de remédio, devem ser dele!


Otávio- Era isso que ele estava procurando!


Luiz- Pobre Henrique! Que descanse em paz!


Arnaldo- Este é um remédio que controla a ansiedade. É receitado para pessoas que sofrem de Transtorno Obsessivo Compulsivo, mais conhecido como TOC.


Otávio- O Henrique tinha TOC!


Luiz- Coitado!


Arnaldo- E este é um remédio para controlar a pressão. O homem além de ter Toc, era hipertenso. Provavelmente passou, muito, da hora de tomar os remédios, por isso ele estava tão alterado. O pobre 
teve um infarto fulminante. É preciso avisar a família.


Décia- (Chorando) Eu posso avisar a família dele! 


Arnaldo- Ele era seu amigo?


Décio- Não. Eu trabalho no RH.


Luiz- Até que foi um final bonito!


Otávio- Como assim?


Luiz- Ela moreu de infarto. Ele, também. Agora eles podem ser felizes no céu!


Otávio- Mas será que eles vão se encontrar?


Luiz- Não sei. Mas é bonito pensar assim!


Otávio- Assim, como o Henrique, esta história morre aqui.


Luiz- Claro! Não vou passar adiante, não!


Otávio- Mas quem diria? O Henrique e a Laurinda?


Luiz- Pois, é!


Os dois- Quem diria!   





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