terça-feira, 24 de janeiro de 2012

CLIENTE ANSIOSA. CABELEIREIRO SENSÍVEL de Regina Célia Vieira

Tema: Traição




(Salão de cabeleireiro lotado. Julia entra.)




Julia- Oi, Toninho!




(Toninho está fazendo uma escova.)




Toninho- Oi, Ju! Como vai? Veio marcar hora?




Julia- Pra hoje! Dá pra ser?




Toninho- Claro que não! Né, nega? Não tá vendo que eu tô lotado? Só pra semana que vem. Tô com essa semana cheia!




Julia- Pô, Toninho! Eu tenho um evento amanhã! Me encaixa aí!




Toninho- Te encaixo, sim! Pra semana que vem, que também tá lotada, mas vai dar pra te encaixar. Eu te disse, que comigo já tem que deixar marcado pro próximo mês. Fez o cabelo, já deixa marcado pro

mês que vem. Eu sou um sucesso. Não sabe disso?




Julia- Mas eu sou sua cliente antiga! Não é possível, que entre uma escova de chocolate e outra, você

não possa me atender.




Toninho- Se fosse só o corte, tudo bem! Mas nesse traste aí, tem que fazer tudo. Hidratar, colorir,

cortar e fazer um penteado. Não é pra um evento

que tu vai? Demora pra vir aqui, deixa o cabelo ficar horrível, e depois, quer hora pra ontem? Faça-me um favor!




Julia- É! Mas também, você cobra uma fábula pra fazer o cabelo da gente. Não dá pra vir sempre.




Toninho- Ainda vem falar do meu preço! Olha, só não te dou um supapo, porque tô com a mão na

cliente, se não tu ia ver, Julia. Marca pra semana

que vem, que eu te atendo. Vai lá e marca com a Leilinha. Anda.




Julia- E eu vou pro meu evento, como?




Toninho- Poe uma peruca. Aquela que eu te vendi no ano passado. É belíssima! Muito mais bonita que esse teu cabelo. Aliás qualquer piaçava é melhor

que isso aí. Nem pra fazer a manutenção na obra da gente. Dá raiva, viu!




Julia- Como você é grosso, Toninho!




Toninho- Vai Julinha. Não me atrapalha, que eu não quero fazer merda na cabeça da cliente.




(Julia sai sem marcar hora)




Toninho- Ô! Julinha! Tu não vai marcar hora? Foi embora! (Para a cliente) Não liga não, Izildinha! A gente é que nem irmão!




Julia- (Fora do salão)- Ele vai ver só! Vou no maior concorrente dele. Deixa!




(No concorrente)




Julia- Nelsinho! Tudo bem?




Nelsinho- Oi, querida! Eu já te conheço? Já fez cabelo aqui?




Julia- Meu nome é Julia. Várias amigas minhas te indicaram. Me disseram que você é o melhor cabeleireiro da cidade.




Nelsinho- Olha! Modéstia á parte, sou mesmo! Mas o que você quer fazer?




Julia- Quero cortar, só um pouco, pintar, escovar e fazer um penteado bem chic. Pode ser, hoje? É que eu tenho um evento amanhã e quero ficar bonita.




Nelsinho- Faremos o possível! Tenho vários assistentes. Mas o único que está disponível, agora, é o Edinho. Vou te deixar nas mãos dele. Edinho! Venha!




Julia- Não poderia ser você, mesmo? É que....




Nelsinho- Infelizmente, neste momento, não posso! Estou ocupado com outra cliente. A não ser, que você queira marcar pra semana que vem.




Julia- Não! Tem que ser hoje. O evento é amanhã. Deixa! Pode ser o Edinho, mesmo.




Edinho- Senta aqui. Qual o seu nome?




Julia- Julia.




Edinho- Então, Julia... Vamos lavar?




(Já na tintura.)




Edinho- (Tomando café com Nelsinho, enquanto suas clientes esperam a tinta agir)- Mas você sabia que ele era casado?




Nelsinho- Claro que eu sabia!




Edinho- E continuou saindo com ele, mesmo assim?




Nelsinho- E daí? Ele é que é casado, não eu!




Edinho- Destruidor de lares!




Nelsinho- O que é que eu posso fazer? O homem resolve sair do armário. E a culpa é minha?




Edinho- Tu não presta! Tu não presta!




Julia- Edinho!




Nelsinho- Você é que tá demorando pra se libertar!




Edinho- Que é isso? Eu sou hetero, você sabe muito bem!




Julia- Edinho! Acho que já tá bom!




Nelsinho- A gente tem radar! Eu sei que você é gay!




Edinho- Isto é preconceito! Não é porque eu sou cabeleireiro, que sou gay! Se a minha mulher te ouve falar assim, não me deixa mais, trabalhar aqui.




Julia- Edinho! Oh! Edinho!




Edinho- O que foi? Minha nossa! Já passou da hora! Vamos lavar!




(Depois da lavagem)




Edinho- Ai! Minha Nossa Senhora!




Julia- O que foi? (Se olhando no espelho) Aaaaaaaahhhhhhh!!!!!!!! Tô parecendo uma cenoura!




Edinho- Eu dou um jeito...




Julia- Não ouse tocar em mim! Pra que, que eu fui deixar o meu cabeleireiro? Meu Deus!




Nelsinho- Você não é gay, mesmo! Uma bicha

decente, jamais faria uma trabalho de porco como esse. Você está no olho da rua! Fora!




Edinho- Você vem me contar da sua vida, me atrapalha. E me poe na rua?




Julia- Eu vou processar vocês! (Sai com a toalha na cabeça.)




Nelsinho- Julia! A toalha!




(Julia corre até Toninho Cabelereiro. Ele já está fechando o salão.)




Julia- Toninho! Me salva! Me salva! Toninho!




Toninho- Que é isso, criatura? Que tá fazendo, com essa toalha na cabeça?

Não! Não me diga que você teve a coragem de me trair com outro cabeleireiro?




Julia- Tive! Fui no Nelsinho.




Toninho- Nãaaaaaaaaaaaaaaao!!!!! No Nelsinho, não!!!!!

E o que você veio fazer aqui, hein?

Me mostrar a obra prima do Nelsinho? Cara de pau!




Julia- Que obra prima? Olha o que o Edinho, assistente dele, fez!




Toninho- Credo! Esse evento que você vai, é alguma festa folclórica? Caipora! Hahahahahaha!




Julia- Muito engraçado! Arruma meu cabelo, Toninho! Por favor!




Toninho- Mas eu posso com isso? Eu já estava fechando o salão. Como você pode ver, não tem mais ninguém. E eu estou morto de cansaço. Por que eu iria perder meu tempo, com uma traidora feito você?




Julia- (Ajoelhando-se)- Me perdoa, Toninho! Eu sei que errei! Mas quebra essa pra mim, vai!

Eu não posso ficar com o cabelo desse jeito.




Toninh- Ai, meu Deus! Vou mudar a placa, de Toninho Cabeleireiro, pra Toninho Funilaria.

Eu mereço consertar a cagada que outros fazem em clientes duas caras como você!

Entra, vai! Vou ver o que posso fazer. (Pra si) Você vai ter o que merece, traíra.




(Outro dia)




Toninho- Então, Cacildinha... Eu tenho várias

perucas lindíssimas, mas eu não entendo pra que você quer uma. Com esse cabelo maravilhoso que Deus lhe deu! Não tem porque!




Cacilda- Sabe como é Toninho! Ás vezes, aparece uma festa de última hora, o cabelo não tá legal... Uma peruca bem feita engana todo mundo. Mas onde estão suas perucas?




Toninho- Aí do lado! Vê?




Cacildinha- Nossa! Incrível!




Toninho- São lindas! Não são?




Cacilda- Não! Quer dizer! São! Mas eu estou espantada é com o porta perucas com aquele cabelo

ondulado. Parece gente, mesmo!




Toninho- Além das perucas, eu confecciono os porta perucas, também. Esse manequim é a cara de uma

amiga minha. Parece gente, né? É uma técnica nova. Material importado.




Cacilda- Não é bonita. Mas, em compensação, é mais perfeita que as outras.




Toninho- É que é só essa que é feita com esse material diferente. E a perua não era bonita.

Eu queria deixar como a pessoa era de fato. Sem photoshop.




Cacilda- Era? Por que? Ela morreu?




Toninho- Morreu. Tá mortinha.




Cacilda- Bela homenagem!




Toninho- Não é?




(Entra Julia com uma bandeja de café. Está completamente careca)




Julia- (Pra cliente) Aceita um cafezinho?




Cacilda- Ai!!!!!




Julia- O que foi?




Cacilda- Você é a cara da manequim com a peruca ondulada!




Toninho- É ela, a homenageada, sua boba! Só que sem a cabeleira! Hahahahaha!




Cacilda- Mas você não disse que ela tinha morrido?




Toninho- Morreu! Pra mim! Mas eu estou dando uma última chance pra ela ressucitar e voltar a

ser minha cliente e amiga.




Cacilda- E por que, isso?




Julia- Porque ele está me castigando! Me colocou pra trabalhar um mês de graça, nas férias da

Leilinha, só porque eu fui fazer o cabelo com outro cabeleireiro. E ainda por cima, me deixou careca, fingindo que ia consertar o cabelo que o outro estragou.




Toninho- Fingindo, não! Eu primeiro demorei um tempão consertando o estrago, aí sim, eu raspei.

Se não eu não poderia por pra vender! Né?




Julia- Vai vender o meu cabelo e nem permite que eu use peruca.




Cacilda- Esse cabelo ondulado é o dela? Tá lindo!




Toninho- Pois é, Julinha! Se você quiser voltar a ser minha cliente e amiga, vai ter que provar que merece. E eu não volto atrás!




Cacilda- E por que você aceita isso, menina?




Julia- Porque eu adoro o meu cabelo! E o Toninho é o melhor cabeleireirio da cidade e, é meu amigo

querido, apesar de tudo.




Toninho- E apesar de tudo, depois de você cumprir o castigo direitinho, eu vou te aceitar de volta.




Cacilda- Nossa, Toninho! Como você é mau!




Toninho- É como eu digo; Traia o seu marido, mas jamais o seu cabeleireiro. As consequencias poderão ser nefastas.




Cacilda- Toninho! Quero morrer sua amiga!




Toninho- Não é?




(Julia varre os cabelos do salão)

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