sexta-feira, 12 de agosto de 2011

NA SALA DE ESTAR de Marcus Di Bello

TEMA: TEATRO

(Tocando a música Perfume de Gardênia, de Bienvenido Granda. Cauê sentado. Plínio preparando o prato com tira-gosto. Plínio é mais velho, perto dos quarenta anos. Cauê, jovem, está aparentemente nervoso)

PLÍNIO
Bienvenido Granda

CAUÊ
Oi?

PLÍNIO
Quem canta essa música. Bienvenido Granda. Não conhece?

CAUÊ
Não.

PLÍNIO
Aquele Cubano. De bigode. “El Bigote Que Canta”.

CAUÊ
Não conheço.

PLÍNIO
(Tempo)
Quer azeitona?

CAUÊ
Eu sou alérgico.

PLÍNIO
Alérgico a azeitona?

CAUÊ
É.

PLÍNIO
Como?

CAUÊ
Uma vez comi um sanduíche de azeitona. Tinha tanta azeitona dentro que eu nunca mais pude nem sentir o cheiro.

PLÍNIO
Você encheu um pão com azeitona? Você é louco? Esse troço é veneno.

CAUÊ
É, eu sei.

PLÍNIO
(Dá um copo de suco a ele)
Quer um suco pelo menos?

CAUÊ
Não, eu estou bem.

PLÍNIO
Bebe um pouco.

CAUÊ
Tudo bem.
(Cauê pega o copo e dá um gole)

PLÍNIO
Fico mal quando as pessoas não aceitam o que eu ofereço. Eu pareço estranho?

CAUÊ
Não, senhor.

PLÍNIO
(Tempo)
Então você é ator.

CAUÊ
Sou.

PLÍNIO
E quer participar da minha próxima montagem.

CAUÊ
É.

PLÍNIO
E resolveu bater na minha porta para pedir isso.

CAUÊ
Veja bem, não é que estou pedindo.

PLÍNIO
Tá certo, relaxa. Fica tranquilo.
(Tempo)
Tirando a azeitona, o que mais te inspira?

CAUÊ
Ah, eu... como assim?

PLÍNIO
Sabe, grandes nomes do teatro.

CAUÊ
Não conheço muitos.

PLÍNIO
Conhece Ibsen?
(Cauê faz que não com a cabeça)
Molière? Tchekhov? Meyerhold?
(Irritado)
Você já subiu num palco?

CAUÊ
Eu já fiz um infantil.
(Plínio ri)
Sabe, eu achei que o senhor poderia me ajudar.

PLÍNIO
Ajudar?

CAUÊ
A ser um bom ator.

PLÍNIO
Querido, eu não ajudo ator. Eu não ensino ator.

CAUÊ
Não precisa ensinar. É só me dar algumas dicas.

PLÍNIO
Eu tenho cara de conselheiro?

CAUÊ
Eu só pensei que...

PLÍNIO
Amigão, deixa eu te explicar uma coisa. Eu não preciso de ator. Os atores é que precisam de mim. Você ‘tá me entendendo?

CAUÊ
Sim, senhor.

PLÍNIO
Olha, eu gostei de você. Vou te dar uma chance. Me faz chorar.
(Cauê não se move)
Anda, você não é ator? Me faz chorar.

CAUÊ
É que eu sou melhor com comédia.

PLÍNIO
Você tá de sacanagem comigo? Você acha que eu estou brincando?

CAUÊ
Não, senhor.

PLÍNIO
Escuta aqui. Eu só pego ator pronto. Ou você acha que eu perco tempo com atorzinho que não entende nada de teatro? Acha que eu perco tempo com esses bostinhas do interior que pensam que vão se dar bem vivendo de arte? Bostões que querem fazer novela. Meu amigo, eu nem dou bola para esse tipo de gente. Quem quer fazer novela não devia nem me procurar. Não devia nem ser chamado de ator.

CAUÊ
Mas...

PLÍNIO
Cala a boca. Você não entende nada de teatro.
(gritando)
Absolutamente nada!

CAUÊ
(Tempo)
Não quero fazer novela.

PLÍNIO
Bruno, eu...

CAUÊ
Cauê.

PLÍNIO
Oi?

CAUÊ
Cauê. Meu nome é Cauê.

PLÍNIO
Cauê, eu só estou tentando te dizer que as coisas não funcionam assim. O teatro não é tão deslumbrante quanto parece ser. Quem vê de fora enxerga tudo tão belo, mas é só ilusão. Só eu sei o que tive que passar para chegar onde estou. Essa perna aqui já aguentou muito tranco. Eu já sofri muito, Caio.

CAUÊ
Cauê.

PLÍNIO
As pessoas pensam que no teatro terão fama, dinheiro e pouco trabalho. Não é assim. Sabe quantos diretores mal intencionados eu já encontrei, Cauê? Sabe quantos?
(Tempo)
Responde.

CAUÊ
Desculpa, eu não sei.

PLÍNIO
Muitos.
(Tempo)
Me diz, Cauê. Que tipo de ator você é?

CAUÊ
Naturalista?

PLÍNIO
Não. Que tipo de ator você é? O que você faria para entrar num grupo?

CAUÊ
Depende.

PLÍNIO
Não, não depende. Ou se faz tudo ou não se faz nada. Não existe meio termo.

CAUÊ
Eu acho que eu vou embora.

PLÍNIO
Não, fica aqui.
(Tempo)
Sabe, Cauê. Lembro de quando eu tinha a sua idade. Eu comecei desse mesmo jeito. Não sabia nada. Então eu fui na casa de um diretor. Ele era dono de um grupo muito conhecido na época, ganhavam diversos prêmios nos melhores festivais do país. Comemos alguns petiscos, sabe, amendoim, azeitona, salame.
(rindo)
Olha que engraçado, ele até me obrigou a beber um suco lá que ele tinha feito. Eu lembro que não queria, não tava nem um pouco com sede, mas ele insistiu tanto. Enfim, a gente foi conversando sobre teatro, eu fui falando do que eu sabia, algumas poucas coisas que eu tinha lido. Imagina, ele falando sobre teatro grego e eu nunca havia lido Eurípedes. Então começamos a falar sobre carreira, grupos de teatro, peças em cartaz. Era uma vergonha, Cauê. O dinheiro era difícil na época, então eu não podia assistir tantos espetáculos, mal tinha assunto com o homem. Conversa vai, conversa vem, ele começou a falar de um espetáculo novo que queria montar. Logo falou que eu parecia ter o perfil certo para o papel principal. O espetáculo seria sobre um ator – isso ele me contando – que vinha do interior tentar a sorte na capital. Esse ator resolve ir até a casa de um diretor, pedir alguns conselhos, algumas dicas para que ele consiga deslanchar na profissão. E esse diretor – isso ele me contando sobre o espetáculo – seria muito estúpido com o ator. “Você não sabe nada de teatro. Você é um bosta”. E ele olhava e falava que eu era a pessoa certa para o papel de ator. Então na peça esse diretor dava um jeito de colocar um remédio pra dormir na bebida desse ator. Lembro até que ele comentou que não sabia como resolver cenicamente esse detalhe, mas que teria que ter essa cena da bebida. Então, no final da peça esse ator acordaria, sem se lembrar de nada, e perceberia que está amarrado na cama. Olharia pro lado – e olha que doideira, Cauê – veria o diretor nu, também deitado na cama. E então o diretor falaria a última fala do espetáculo: você está no meu grupo.
(Tempo)
Quer mais suco?

(Toca a música Angustia, de Benvenido Granda)

Um comentário:

  1. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

    ResponderExcluir