quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Síndrome , de Kadu Veríssimo

 
Personagem

Homem

(estamos na platéia de um teatro, o Homem entra como quem não quer ser notado, escolhe sentar nas últimas cadeiras do canto esquerdo, tenta sempre passar por onde tem menos gente)
(senta, esta difícil achar uma boa posição, sente-se desconfortável)

Homem

(Primeiro Sinal)

Acho que eu tô com febre, tô passando mal...

(abre sua bolsa toma uns remédios)

Nossa mãe, que cheiro de guardado é esse? tá atacando minha alergia...              

(Pega a caixa de lenço, enquanto assoa o nariz diz)

 Alguém desenterrou um casaco, um lenço ou uma blusinha do armário pra vir aqui hoje né? por isso eu não gosto de vir ao teatro, sempre tem alguém que passa perfume demais, vem com roupa guardada, até o cheiro da maquiagem me ataca, a rinite fica no talo...um horror...

(assoa bem forte, percebe que repararam nele, fica tenso)

Essa gente me olhando, não gosto disso, dessa gente me olhando me dá um nervoso,
 fora ficar uma hora quando não mais trancado aqui nesse quadrado preto...preto alias é uma cor que eu não gosto, preto dá um azar do cão, cão eu também não posso falar que atrai o demo, sim, porque cão é o demo, cão é o tinhoso, o chifrudo, satanás, belzebu...esse lugar aqui é o antro do pecado, a casa de satanás, eu  vou falar mesmo viu, cão é demo, e o teatro é a casa do cão...

(percebe que tem um grupo olhando fixo para ele)

Será que eu falei alto? Eu pensei que estava pensando...ou será que eu falei em voz alta? Que vergonha, essa mistura de remédio não está me fazendo bem...

(toma mais uns comprimidos) 

(Segundo Sinal)

Olha aquela senhora ali pelo amor de Deus, que cara de doida,eu rezo pra deus me levar, me tirar desse mundo, mas ele não me escuta... parece que quer me ver sofrer...
e eu sofro viu, sofro demais...ai, ai...

(dá um grito, vira com tudo)

Sempre tenho a impressão que vou levar uma facada nas costas...eu viro com tudo, porque se for pra ser esfaqueado prefiro que seja no peito, pra morrer de vez, Deus me livre de ficar agonizando...é sempre assim quando eu menos espero eu sinto um gelo aqui na nuca, um arrepio nas costas, e viro com tudo...

( da um grito como se tivesse levado a facada, comentário da platéia)

Olha aí estão me olhando, aposto que estão falando de mim,nossa quanta gente me olhando, olha um pouco pra lá, me angústia saber que vocês estão me olhando , prestando atenção em mim , olha pra lá só um instantinho, vai, o tempo de alferir a pressão, essa luz aqui em cima esquentou demais, ta me fazendo mal, não apagam logo pra começar essa peça, fazem de propósito, pra irritar a platéia...já to com tontura...queria uma água, alguém tem? Uma água por favor...

(  alguns olham assustados, alguns comentam, outros nem olham )

Não precisa, eu mesmo tenho...

(tira da bolsa, ele  joga um cebion dentro)

Eu comia isso quando era criança, uma delícia, nunca tomo água pura, eu sou louco? Tenho que aproveitar, vai o cebion e alguns comprimidos...

(toma vários)(fala com a boca cheia de comprimidos)

Que merda, esqueci o Valiun, como que eu fui esquecer o Valiun...alguém tem? Alguém tem? Será que essa peça vai demorar pra começar, que saco , me falta paciência pro teatro viu? Até já fiz aulas, eu gosto, relaxa... a gente fala dos nosso problemas, esquece da vida, acredita que é semente, bruxa, qualquer coisa, e ninguém te chama de louco, eu gosto, me fazia bem, gostava de fazer aula de teatro...agora ir pro teatro eu não gosto...porque é completamente diferente né? Fazer teatro e ir assistir teatro, ninguém vem, eu ainda venho porque tenho uns amigos que continuaram e me dão o ingresso, e quando não venho é aquele inferno no meu ouvido...eu venho  apesar de sempre me dar enxaqueca, mas é bom também, não ando dormindo direito sabe e  as vezes me dá um soninho e compensa a minha insônia , aí tiro um pouco do atraso e durmo ...mas aqui hoje ta bem difícil, nada começa...ei, olha ali, ta vindo alguém...aí finalmente alguma coisa...

(Terceiro Sinal)

Tomara que dê pra tirar um cochilo...

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