quarta-feira, 31 de agosto de 2011

VISÃO EMPRESARIAL de Marcus Di Bello

TEMA: BOATE GAY

(CLIENTE sentado num banco estilo de balcão de boate. Com os dedos das mãos entrelaçados vai dando vazão ao seu transtorno obsessivo compulsivo. Olha o relógio. Inquieto. O PUBLICITÁRIO chega)

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Boa tarde, desculpa o atraso.

CLIENTE
Não tem problema, por favor, sente-se.

PUBLICITÁRIO
(Sentando)
Foi uma briga achar lugar para estacionar. O seu estabelecimento é bem localizado, mas é difícil encontrar vaga para o carro.

CLIENTE
Acha que isso deve ser colocado na propaganda?

PUBLICITÁRIO
Desculpa?
(Entendendo)
Não, não, claro que não. Foi apenas um comentário meu. A campanha que vamos tentar traçar não tem nada a ver com isso. Foi só um comentário mesmo, me desculpa.

CLIENTE
Está certo.

PUBLICITÁRIO
Bom, vamos direto ao assunto. Eu analisei o briefing.

CLIENTE
Analisou o quê?

PUBLICITÁRIO
Desculpa, mania da profissão. Eu analisei as informações que você me deu.
(Olhando papéis)
Você tem uma boa boate. Vejo agora, inclusive, que é muito bonita por dentro. Uma boa decoração. Lugar privilegiado. Preços de acordo com a média. Um bom atendimento, segundo as informações que constam aqui no briefing. No entanto, o público é sempre abaixo do esperado, certo?

CLIENTE
É isso mesmo.

PUBLICITÁRIO
E pelo o que está escrito aqui você quer transformar o espaço numa boate gay.

CLIENTE
Isso.

PUBLICITÁRIO
Agora, corrija-me se eu estiver errado. Pode ser que você tenha se confundido na hora de escrever. Pelo o que está aqui, você quer proibir os gays de entrarem.

CLIENTE
Não é bem proibir a palavra. Foi isso que eu mandei para o senhor? Quando eu digo proibir eu quero dizer analisar bem a pessoa e não deixar que ela entre na boate caso seja homossexual.

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Então. Proibir.

CLIENTE
Não, não é bem isso. Você não entendeu o que eu quero.

PUBLICITÁRIO
Eu entendi o que você quer. Você quer uma boate gay sem gay.

CLIENTE
(Pensando)
É quase isso.

PUBLICITÁRIO
Olha, eu acho que é um pouco difícil pensar numa ação publicitária desse jeito. Uma boate gay, por incrível que pareça, só é gay porque é frequentada por gays. Simples questão de lógica.

CLIENTE
Então, eu não quero isso. Olha, descendo a rua, perto do posto de gasolina, tem uma boate gay que enche todo final de semana. E ela não tem nada de especial. A minha é até melhor. Não que eu tenha ido lá para conferir isso. Bom, eu tenho certeza que isso se dá pelo fato de que a boate é gay. Então quero que a minha também seja, mas apenas para aumentar o público, não para que os gays venham. Você entende?

PUBLICITÁRIO
Como você quer uma boate gay sem gays?

CLIENTE
Eu quero uma bela ação publicitária em cima disso. Eu quero que as pessoas frequentem a minha boate gay, mas eu não quero gays aqui dentro. Acho que estou sendo bem claro.

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Eu só não vejo um sentido para isso.

CLIENTE
É o seguinte. Boates gays dão lucro. Eu quero lucro. Mas eu não sou gay, não quero ter um espaço frequentado por gays.

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Mas quer uma boate gay.

CLIENTE
Quero uma boate gay.

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Sem gay!

CLIENTE
É, sem eles! Eu posso até colocar Abba ou Lady Gaga em determinado momento, a galera adora essas coisas. De repente posso até pensar numa decoração mais colorida, nuns fru-frus caindo do teto. Até os seguranças podem se vestir tipo clube das mulheres, sabe? Para dar um aspecto de boate gay. E dançarinos, posso colocar dançarinos fazendo danças gays. Posso pensar em drinks-gays, sei lá, eu posso adequar o meu espaço a essa nova realidade. Mas eu não quero que entre gay aqui, entende? Teremos uma marcação forte na porta. Ficou excitado com a foto do Reinaldo Gianecchini, não entra. Faremos um questionário perguntando sobre as últimas capas da playboy. Aquele que não souber quem seriam, hoje, os classificados para a Libertadores da América, nós vamos botar para correr. Não estou proibindo, apenas estou protegendo o meu espaço. Quer dizer, o espaço que está no meu nome, porque pega mal falar que as pessoas entram no meu espaço. Eu só quero um lugar gay para chamar público, entendeu? Eu não sou gay. O mundo gay está na moda e é só por isso que a boate vai virar gay, mas eu não quero gay, você está entendendo? Eu não sigo a moda de ser gay porque é moda, porque eu não sou gay e odeio moda, eu nem penteio o cabelo se você quer saber. Moda é a última palavra do meu dicionário, depois de ser-gay. Essas são as duas últimas palavras do meu dicionário. Só penso no lucro, é isso, e o espaço ficará na moda, não eu. Eu vou continuar não estando na moda, ou seja, não sendo gay. Sou antiquado, isso que eu sou. A boate vira gay, até porque é a boate e não o boate. Entende a minha visão empresarial? Eu só quero que a boate ganhe dinheiro, ou seja, eu vou ganhar dinheiro também, mas porque a boate é gay, não eu. E por isso não quero gay, nada contra, respeito, mas eu sou totalmente não a favor. Eu acho que eu me compliquei um pouco explicando, mas é isso que eu quero. Ou melhor, é isso que eu não quero. Não quero o povo gay na minha boate, porque eu não sou.

PUBLICITÁRIO
Mas como você quer uma boate gay se não vai deixar o público-alvo entrar?

CLIENTE
Espera aí, eu sou cem por cento heterossexual e inteiramente não-gay, mas não significa que eles sejam alvos de alguma coisa. Isso é preconceito da sua parte, não precisa disso. Podemos resolver sem agressão, está bem? Não fala mais em alvo, por favor. Vamos focar na minha boate gay para não-gays?

(Continua falando enquanto a luz apaga aos poucos)

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