quinta-feira, 28 de julho de 2011

A GRANDE IDÉIA de Ronaldo Fernandes

(Cada um toma uma posição e simplesmente fala. Não deve haver interação entre eles). 

UM: Numa quarta-feira, em um momento de desespero, catei uma corda e amarrei meu filho para impedir que ele atacasse o pai com uma faca. Ele é viciado em drogas desde os treze anos de idade.  Foi preciso amarrá-lo ao pé da cama, para depois transportá-lo até uma clínica, mas mesmo com as pernas e os braços amarrados ele chutava a tudo e a todos em sua volta.  Antes de amarrá-lo, eu pedi ajuda de várias formas: Liguei para os bombeiros e eles disseram que já estavam a caminho, mas depois, surgiu um acidente de trânsito e eles não puderam ajudar. Eu liguei para o Samu, mas as atendentes disseram que antes tinham que falar com um médico, pois o Samu não atende casos psiquiátricos. Eu fiquei numa situação de desespero e sem ter o que o fazer, eu peguei meu filho que estava amarrado e resolvi eu mesma por fim aquele sofrimento. Sim eu mesma fiz. Foi melhor pra todo mundo. Eu ainda não sabia dessa idéia. Eu não sabia mesmo. Eu juro que não sabia... Se eu soubesse eu não teria agido assim. Tudo teria sido tão diferente. É uma pena que só agora eu tenha tido essa idéia. Essa idéia vai mudar o meu mundo. É uma idéia pra vida toda.

(Silêncio.)

DOIS: Numa quarta-feira, eu acho que era o dia dois de abril de 2008, eu e mais um colega aqui da fazenda. Sim... Esta!... Esta fazenda!... Esta aqui mesmo! Nos dois estávamos marcando o gado e brincando. Tinha um menino que ficava nos olhando marcar o gado. Marcávamos o gado e riamos, porque eles reclamavam pra diabo. O menino nos olhava marcar o gado e corria naquele descampado. Nós marcávamos o gado e o menino corria. Quando nós estávamos prestes a terminar, o meu camarada me olhou de canto de olho, olhou pro menino e deu uma risada. Entendi de cara. O safado estava me falando que faltava marcar mais um. Era só mais um. O meu camarada era danado mesmo. Eu olhei e corri até ele. Peguei-o num pulo e agarrei com bastante força... O bicho esperneava, esperneava, esperneava e chiava que só. Mas não tinha ninguém naquele descampado. Meu camarada ria demais. Eu prendi ele bem forte e o arrastei até onde meu camarada estava. Meu camarada se acabava de tanto rir. Nós dois sustentamos firme, eu peguei o ferro quente com as letras HL e grudei na pele dele. Ouvi o barulho e senti o cheiro da carne queimando. E nós só rindo. Aquele menino quando sentiu o ferro em brasa encostar na perna deu um grito que partiu meu coração. Ele era o último bezerrinho que marcamos. Acho que deve ter doído demais. Não!  Não mesmo. É verdade. Juro por Deus. Juro de pé junto. Eu ainda não sabia dessa idéia ótima. Claro... Claro... Se eu soubesse eu não teria feito aquilo. Quem teve essa grande idéia está de parabéns. É uma idéia brilhante. Por que eu não a tive antes. Grande idéia.

(Silêncio.)

TRÊS: Era terça-feira, isso mesmo: Era uma terça feira. Numa terça feira eu resolvi adotar aquela menina. Ela era tão linda. Levei-a pra morar comigo. Era minha filhinha.  Mas uns três meses depois que eu adotei, eu percebi que não tinha nascido para ser mãe. Não. Não é que eu não servia pra ser mãe. A menina é que não servia pra ser minha filha. Acho que é porque ela já tinha doze anos. A personalidade já estava formada. É isso. Ela tinha o gene formado já.  Percebendo que a personalidade dela não batia com a minha, eu resolvi amarrá-la na área de serviço. Ela não era tão forte. Essas crianças de abrigo são assim mesmo: Fraquinhas. Eu ergui os dois braços dela com força e acorrentei a uma escada de ferro que tem na minha área de serviço. Seus pés mal tocavam o chão, de tão pequeninha que ela era. Ela começou a chorar muito, fiquei irritada e tampei a boca dela com uma gaze embebida em pimenta. Ela começou a se debater... Eu fiquei só olhando, mas aquilo me incomodou demais, resolvi então quebrar oito dedos das mãos dela e aproveitei e arranquei as unhas também. Eu a deixei amarrada ali por uns seis meses. Sim dava comida e ela se virava pra comer. Ela era uma menina de abrigo. Estava acostumada com isso. Ela mora comigo tem dois anos e nesse tempo eu já queimei duas vezes as costas dela com ferro quente... Ah eu também esmaguei uns dedinhos dela em dobradiças de portas e também quebrei uns dentes com marteladas. Não sei dizer se ela está bem. Nós moramos nessa cobertura dúplex de duzentos metros quadrados por dois anos, mas ela se foi. Ela partiu. Sim partiu. Ela era muito fraquinha. Não agüentou. Agora eu me sinto muito só. Não!... Eu nunca soube!  Ninguém me falou dessa idéia antes. Nunca. Jamais. Puta idéia. Se eu soubesse dela antes as coisas teriam sido diferentes. Essa é a melhor idéia que eu já vi. É uma grande idéia.

Sentam-se e começam a interagir

UM: Foi muito boa essa idéia...
DOIS: Uma idéia brilhante...
TRÊS: Uma idéia muito bacana mesmo...
UM: Que idéia!
DOIS: Brilhante...
TRÊS: O máximo.
UM, DOIS e TRÊS: Tomar sorvete num dia de sol, é uma grande idéia.

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