segunda-feira, 25 de julho de 2011

A SÍNDICA de Kadu Veríssimo

Personagem

A Síndica

( Estamos em um Teatro, a platéia esta a espera do início do espetáculo, ouve-se vozes ao fundo, e passos de salto na madeira, no proscênio mal iluminado vê-se a figura de uma mulher bem arrumada, com uma maquiagem um tanto exagerada)

Síndica

Onde é que eu sento? alguém pode me dizer? Ilumina aí pra mim por favor...eu preciso de uma luz...

(jogam um foco)  

ah sim...aqui...mas precisa  essa luz forte na minha cara? vai derreter a maquiagem, e esses cílios são novos...os meus caíram de tanto remédio e creme na cara que eu tava passando

( com falsa intimidade)

bem, eu vou ser rápida , eu vou ser breve...diminui essa luz por favor, gente como esses artistas conseguem...põe um azul

( a luz muda)

...isso melhorou...adoro a cor azul, assim como meu sapato...gosto assim alto, não me venha com chinelo pro meu lado, não sou uma pessoa que gosta de ver dedos...e nem de tênis...que coisa mais cafona, o tênis...nem na academia, na academia só de salto também...que se dane a coluna, quero estar bonita hoje, que se dane o amanhã...

(se empolga, fala com vigor)

Sempre inventam coisas, essa modernidade ta uma loucura...logo vão inventar algo que solucione meu problema de coluna, e estarei curada, curada e linda...alias linda sempre...acredito na beleza, essa mesmo a exterior, gosto da interior também, mas como é difícil achar essa perfeição...acho que nem Jesus Cristo...

(pausa - pensa)

ele andava descalço?  tenho pavor de quem anda descalço, ou era de sandalinha? Não importa, do que Jesus andava, importa o lugar que conquistei hoje pra minha vida, sim, com essas pernas lindas, esse cabelo , essa coxa, esse olhar , esse sorriso.Eu sou  bonita, sou ou não sou minha gente?

( a platéia permanece calada , passada com a situação, ela também não espera uma resposta, emenda em uma só respiração)

...sem essa de que estou aqui pra fazer média, fazendo a gostosa , burra , putona que subiu na vida...nada disso, tenho pavor desses conceitos idiotas que pra ser inteligente tem que ser pobre, feio, descabelado...andar bem maloca tipo esse povo da filosofia, sim, porque eu fiz filosofia e discordo de muita coisa, eu fiz arte e discordo de muita coisa, até administração eu fiz e também discordo de muitas coisas...porque para ser inteligente você tem que discordar , mas com argumento, quem não argumenta é ignorante, e eu argumento a vida inteira e (enfática)  por isso subi na vida ...mas não quero fazer disso aqui meu depoimento porque não vim aqui pra isso, acho muito estranho estar aqui no palco, com essa luz azul que adoro falando um pouco de mim...alias fui eu que pedi para falar aqui, e me deixaram...eu tenho muito a falar, sim porque eu sempre tenho Grandes Idéias, coisas geniais mesmo, e ontem eu tive uma luz, uma idéia genial que não podia ficar guardada só pra mim, eu crio muito, criei novos métodos de como administrar condomínio...

( sem falsa modéstia)

...eu sempre fui síndica dos prédios que moro, isso te dá status, poder em relação aos outros, e eu gosto de poder...quem não gosta?

(platéia em silencio, alguns dormem, alguns levantam reclamando, alguns acham que o espetáculo já começou e é uma encenação pós-moderna, outros olham concordando, outros fingem que entendem)

...Falei, (reproduz) me deixa subir e falar umas coisas...eles deixaram e eu subi...tenho coisas muito mais interessantes pra falar do que eles aposto, esses atores medíocres ...

(alguém da platéia ri)

Tudo gente que não venceu na vida, claro que não, tá na cara né? Um bando de gente que não trabalha, eu  confesso que  só venho ao teatro por isso, sentava aí  na platéia e sonhava em subir aqui e falar sobre meus métodos de administração , nunca escutei bulhufas do que esses atores falavam, desde criancinha eu vinha ver a branca de neve e pensava,  gente se ela botasse aqueles anões pra trabalhar ela enriqueceria...desiste da mina de carvão , vá procurar diamante...eu gritava pros anões....na chapeuzinho também, aquela boba fugindo do lobo...ele querendo comer os doces da cestinha, querendo, querendo...eu gritava...

(reproduz a ação)

... vende pra ele, vende pra ele...mas elas nunca me escutavam, mas eu vinha , insistia, subia no palco... até que um dia parei de escutar as histórias que eles contavam, e ficava me imaginando aqui, dizendo o que interessa realmente as pessoas , chega de problema de relacionamento, tudo é coisa de casal apaixonado, de traição, de sexo, é muito sexo, tudo é por causa do sexo, maldito Freud, maldito todos...eu quero saber é de dinheiro, nós vivemos no capitalismo ...

(eufórica)

CHEGA! Vamos dar um Basta! Basta! Basta! Basta! O problema hoje é financeiro...o problema é como fazer bem uma feira, como pagar o condomínio, como ser esperto e tirar proveito das coisas nessa vida... é o que nos interessa, como subir na vida gente...Eu sei , Eu tenho a resposta, eu tenho grandes idéias...quero também lançar uns livros, pra aumentar o orçamento,gravarei cd’s , disponibilizarei para downloads , isso que eu quero escutar quando sento aí nessa cadeira desconfortável...essas lições práticas da vida...nunca escutei realmente o que eles, esses atores falavam aqui....nunca...mas de certo não me interessava, será que perdi alguma coisa? não acho que não...certamente que não...mas agora sim...chegou o meu momento...falarei TUDO prestem atenção...

(black-out)

2 comentários:

  1. Tenho sugestões: Vamos fazer um ciclo de leituras dramáticas destes textos?
    Betinho; pq não colocamos algumas pessoas neste ônibus? Tipo elencos, pessoas de Teatro, grupos?
    Evoé.
    Miriam Vieira

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  2. Eu acho uma ótima ideia. Chegamos a conversar sobre isso. Acredito que dá para envolver muita gente a partir desse material que está sendo criado. Atores, diretores, encenadores; além da formação de público. Vamos aprofundar essa criação.

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