quarta-feira, 14 de setembro de 2011

LEI DO BANHEIRO de Marcus Di Bello

TEMA: BANHEIRO

(Mictórios. Geraldo numa ponta. Rafael entra e fica ao lado de Geraldo. Silêncio)

RAFAEL
Grande, não é?

GERALDO
Como é que é?

RAFAEL
O bar. É grande.

GERALDO
Ah, sim.
(Alguns segundos de silêncio)

RAFAEL
Você costuma demorar?

GERALDO
No bar?

RAFAEL
Não, no mictório.

GERALDO
Ah, não. Não costumo.
(Mais alguns segundos de silêncio)

RAFAEL
Eu gosto de mirar na naftalina.

GERALDO
Cara, você tem algum problema?

RAFAEL
O quê? Tipo circuncisão?

GERALDO
Não, não é isso. É que você não para de falar. Vai contra a lei do banheiro.

RAFAEL
Existe uma lei do banheiro?

GERALDO
Claro que existe. E você está desrespeitando. Começando pela escolha do mictório. Eu estou nessa ponta e do meu lado tinha quatro mictórios livres, pedindo para serem usados. Ao invés de você pegar o da outra ponta, pegou justo o do meu lado.

RAFAEL
Fiz errado?

GERALDO
Claro que fez! E então começou a puxar papo. Homem não conversa no banheiro. É isso que faz com que o banheiro masculino seja melhor que o feminino. Nós somos eficientes. Entramos, fazemos o que precisa ser feito, lavamos a mão e saímos. Não há tempo para conversa, nem que seja o seu melhor amigo, o seu pai ou até a Lady Gaga vestida de homem.

RAFAEL
(Vira o rosto para Geraldo)
Olha, me desculpa, é que eu...

GERALDO
Não! Não olha para mim. Não pode existir, em hipótese alguma, contato visual. Olhar para qualquer parte do corpo de outro homem, aqui dentro, pode ser mal interpretado. É a lei do banheiro.

RAFAEL
Lei do banheiro, que besteira! E o que acontece se eu desrespeitar essa lei? Vou ser preso numa das privadas?

GERALDO
Fica quieto que eu acho que tem gente entrando!
(Silêncio)
Que susto, alarme falso.

RAFAEL
Você é muito encanado. Por que só as mulheres podem se divertir no banheiro? Por que podem organizar caravanas e nós não? Devemos lutar pelos nossos direitos, meu velho.

GERALDO
Devemos seguir os nossos deveres, isso sim.

RAFAEL
Bobagem! Esse é o único lugar em que você pode ser você mesmo, em que você entra em contato com as suas necessidades mais primitivas, onde você pode ficar longe dos olhares críticos. Não há distinção de pobre, rico, feio, bonito, bicha, musculoso, magro, gordo. Todos, sem exceção, usam o banheiro. Por que trazer as convenções do mundo exterior para um lugar que nos dá a possibilidade de sermos livres?

(Silêncio)

GERALDO
Acabou?

RAFAEL
De falar?

GERALDO
De urinar.

RAFAEL
Acabei.
(Puxa o zíper e vira de frente para a plateia)

GERALDO
Sabe, o que você disse até faz sentido. Gosto dessa coisa de lutar pelos direitos. Mas não consigo dar razão para um homem que fala comigo segurando o próprio pau.

RAFAEL
Você fala tanto sobre a lei do banheiro, mas em nenhum instante parou de conversar.

(Geraldo vai embora furioso)

RAFAEL
Ter uma lei do banheiro não representa uma conquista,
Afinal, essa lei representa apenas a sociedade machista.

(Blackout)

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