segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Vá procurar suas melhoras de Ronaldo Fernandes


Tema: Mãe
Entra mãe, está com um vestido simples, de sandália baixinha, de lenço na cabeça. Está com cinqüenta e cinco anos. Vem com um pano e limpa a mesa. Arruma os banquinhos e os coloca do outro lado da mesa. Olhando da platéia vêem-se os banquinhos atrás da mesa. Ela sai e volta com uma garrafa de café e três copos. Sai e retorna com pães, queijo e presunto. Ela acaba de preparar uma mesa para um lanche. Senta-se no banquinho do meio e aguarda.
MÃE: Eu nunca fui uma mulher forte! Sou daquelas que acha que um homem, é o esteio na vida de qualquer mulher... E pensando assim, larguei marido, filhos, pai e mãe e fugi pra São Paulo com um homem... Com ele tive duas filhas... Ele vivia bêbado e me batia toda noite. Fiquei com ele vinte e cinco anos. É tão engraçado... Porque eu fugi com ele, pra fugir do meu marido, que só vivia bêbado e me batia. Com meu marido eu tive um casal de filhos... Que sina a minha não é? Sabe que eu nunca estudei! Sou analfabeta de pai e mãe... Tenho tantas saudades da minha mãe... Eu tenho uma irmã chamada Miriam... Ela tem uma sina melhor do que a minha: Ela tem cinco filhos: Quatro meninas e um menino... Largou do marido, mas nunca largou dos filhos! Ela os criou até eles ficarem adultos... Ela vendeu as carnes pra criar aqueles filhos... Eu nunca vendi minhas carnes pra ninguém! (Ouve-se de palmas) São eles! (Num tom mais alto) Entrem!... Podem entrar! (Entra Filha e Filho) Eu os estava esperando...
Filha está muito arrumada. É um vestido de festa. Está de salto alto. Usa relógio, brinco, pulseira, anel. Não está exagerada, mas com acessórios com combinam. É preciso que o público perceba que a filha se arrumou pra ver a mãe. É uma forma de estar mais segura.
FILHO: A benção mãe!
MÃE: Deus te abençoe! (Olha para filha. Filha não diz nada.) Não vai pedir a benção da tua mãe filha? (Silêncio. Filha não responde) Mesmo assim eu te abençôo... Que Deus te abençoe minha filha! (Silêncio). Você está muito bonita filha! (Silêncio) Está linda!
FILHA: (Sem demonstrar emoção) Obrigada!
MÃE: (Com alegria) Vamos sentar minha gente... Eu preparei um lanche!  
A Mãe senta-se no banquinho do meio. O Filho senta-se no banquinho do lado direito da Mãe. A Filha fica parada.
MÃE: Senta aqui Filha.
Mostra o banquinho do lado esquerdo dela. Ocorre um Silêncio. Filha vai até o banquinho e senta-se. Ninguém come nada. Ninguém se move.
MÃE: Quando te vi filha... Lembrei de uma noite que Bilita, o pai de vocês, chegou bêbado... Não que ele chegar bêbado fosse uma surpresa, porque eu só lembro dele chegando bêbado... Eu estava grávida do teu irmão... Chovia muito naquela noite! Você era de colo... Quando ele chegava bêbado assim, eu te colocava no colo, pois eu pensava que assim ele não levantava a mão para bater em mim... Mas naquele dia ele estava muito violento... Ele queria que eu fizesse sexo com ele e eu não quis! Ele então quis me bater... Eu corri com você no colo... E nós duas ficamos embaixo de uma jaqueira que tinha por ali perto... Eu tentava proteger você dos pingos da chuva, mas de nada adiantava... Porque os pingos caiam entre as folhas da jaqueira... Passamos um bom pedaço da noite ali... Até que ele dormiu e nós voltamos pra casa... Eu acendi o fogão a lenha... Nossa foi difícil fazer aquele fogo pegar, pois as lenhas estavam úmidas, mas graças a Deus pegou! Eu esquentei água e te dei um banho quente... Você dormiu o restinho da noite, mas no outro dia você estava com uma febre medonha... Fiz chá de colônia e te dei um banho, mas a febre não passava... Corri até a maternidade de Limoeiro e você estava com pneumonia... Depois virou bronco-pneumonia! Eu nem sabia que doença era aquela. Passei uma semana na maternidade com você... Você quase morreu... Eu chorava toda hora... Mas milagrosamente, num domingo, você melhorou e, os médicos disseram que eu podia voltar pra casa com você... Nunca mais eu usei você como escudo... E toda vez que o Bilita quis me bater, ele me bateu!   
Filha vai mudando de atitude durante a fala da Mãe e ao final da mesma, todos estão emocionados. Não há choro, mas há uma sensação de pesar. Silêncio.
FILHA: Durante todo este tempo, eu queria te encontrar pra fazer uma pergunta: Por que você foi tão covarde?
MÃE: Quando eu nasci a minha sina já estava escrita! Eu nunca fui uma mulher de força... Eu fui vivendo conforme a vida foi acontecendo... E quando eu vi... A vida tinha passado por mim... Eu não sei o que eu vim fazer nessa vida!... Quando eu fugi pra São Paulo com o Neco... Eu pensava que depois nós fossemos buscar vocês. Foi isto que ele me disse! Mas quando eu cheguei aqui... Nada foi como eu pensei! Eu não sabia nem pegar ônibus! Eu dependia dele pra tudo! Ele não me deixava sair... Ele dizia que assim como eu coloquei chifre no pai de vocês com ele, eu podia colocar nele com outro.  Eu fiquei trancada durante seis meses naquele porão... Só ia ao quintal pra lavar e estender a roupa...  (Numa lembrança) Quando chovia, o porão enchia de água... Nós tínhamos uma galocha pra andar na água... Levava dois dias pra secar! Depois de um tempo ele me deixou ir a feira... Ao supermercado... A igreja... Mas logo eu fiquei grávida da Soraia e depois da Verônica... Eu não sabia nem lê nem escrever! E assim o tempo foi passando... Passando... E quando eu vi fazia dez anos que eu não tinha nem noticia de vocês... Um dia, do nada, o tio de vocês, o Mansinho, bateu aqui na minha porta... Que surpresa pra mim! Fiquei tão atarantada... Tão atarantada que nem dei muita atenção a ale... Fiquei com vergonha! Inventei uma desculpa que estava muito ocupada... Queria que ele fosse embora logo! Quando ele foi embora... Eu me desesperei!... Como eu podia ter feito aquilo? Era meu irmão! Um ano depois bateu na minha porta o Filho... Aquele homem na minha porta, dizendo que era meu filho... Eu não acreditei! Mas quando ele me chamou de mãe... Eu pensei... É meu filho sim!  Graças a Deus!...  Era a minha chance de recuperar o tempo do amor perdido... Mas eu não fui acostumada a dá amor...  E quem não recebe amor... Não sabe dá amor!
FILHA: Será mesmo mãe? (Surpresa) Mãe? Eu te chamei de mãe! Eu nunca pensei que fosse te chamar de mãe. (Num transporte) Será que quem nunca recebeu amor, não pode dá amor? (Num desabafo) Eu te perdôo! Eu te perdôo... Eu te perdôo pelos medos que eu tive quando estava sozinha... Pelas vezes que eu quis passear e você não me levou... Pelas conversas que eu tive comigo mesma... Pelos afagos que você não me fez... Pelas decisões que eu tomei sozinha... Pelas vezes em que eu odiei ser negra... Mas eu te perdôo... Eu te perdôo principalmente, porque a minha vida sem você (Pausa) Foi melhor que a sua vida sem mim. (Silêncio)
FILHO: (A Filha) Entende agora Filha?
FILHA: (Ao Filho) Entender?
FILHO: (A Filha) Sim! Agora você entende?
FILHA: Agora eu quero ir embora. É melhor!
FILHO: É! (Pausa) É melhor mesmo! (Pausa) Já está na hora! (Os dois olham pra Mãe)
FILHA: (Ao Filho) Então... Vamos?
FILHO: Vamos! (Os dois não saem do lugar. Silêncio.)
MÃE: Qual dos senhores aqui presentes... Pode me dizer... O que é o amor... Será que os senhores sabem? Alguns dos senhores sabem! Outros não! Por que para saber o que é o amor, é preciso amar?  Hoje estou aqui, diante dos senhores e confesso: Eu não sei o que é o amor! E olhando no espelho da minha vida, eu vejo refletida a imagem de alguém que eu não queria que fosse eu!... E me pergunto: Quem sou eu?  Quem sou seu? Se algum dos senhores puder dizer quem sou eu... Não! Só eu tenho a resposta. (Pausa) Eu sou alguém... (Pausa) Que tudo o que fez para o amor ... (Pausa) Foi procurar as minhas melhoras... (Silêncio)
FILHA e FILHO: Então mãe... Vá procurar as suas melhoras! 

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